O budismo na era da internet | Vincent Horn

Conforme mergulhamos cada vez mais fundo na era da internet, é natural que venha à tona a questão de como a inovação tecnológica está transformando a compreensão e a prática do budismo.

Nenhum de nós está isento do desafio de sustentar a presença em meio a um ambiente digital sempre conectado. Cada um deve descobrir como viver em meio a uma represa de e-mails, postagens em redes sociais, artigos de jornais e outras informações – além de tentar extrair algum sentido coerente disso tudo.

Em meio a um tal influxo de estímulos, é provável que uma pergunta surja na mente dos atuais praticantes do darma: como as práticas de atenção plena, bondade amorosa e concentração se relacionam a essa era de internet hiper-rápida? Os tempos atuais estão tornando mais fácil ou mais difícil realizar as verdades do darma aqui e agora? Tendo explorado a convergência entre budismo, tecnologia e cultura ao longo dos últimos oito anos, através de um projeto chamado Buddhist Geeks, eu pude observar o surgimento de três tendências que podem moldar de forma radical o futuro direcionamento do budismo na era da internet.

1. A sanga na nuvem

A primeira tendência é algo com que muitos de nós já estamos acostumados, pois começou com o rápido crescimento da internet em meados dos anos 90 e prosseguiu irrefreável desde então. É a forma como as sangas budistas estão chegando no mundo virtual.

Tudo teve início há umas duas décadas, com os praticantes se conectando através de fóruns de mensagens. Isso evoluiu, durante os anos 2000, para as mídias digitais (blogs, livros e podcasts). Nos últimos anos, os softwares de vídeo online têm tornado cada vez mais viável a interação interpessoal em tempo real – o que gerou uma comunidade crescente de praticantes que se conectam online e que possivelmente conseguem todo o suporte para suas práticas através de sangas nas nuvens. (O Buddhist Geeks Dojo é a nossa própria tentativa de criar uma sanga na nuvem.)

Nos próximos anos, esteja atento à continuação dessa tendência. O modelo de comunidade geocêntrica (a noção de que as pessoas se reúnem para praticar principalmente no espaço físico) deve declinar, embora provavelmente não vá desaparecer. Ainda é difícil de imaginar, mas as tecnologias de realidade virtual e realidade aumentada estão prestes a criar um nível de imersão que será praticamente indistinguível das interações “em pessoa”. Sangas inteiras vão migrar para o mundo online, e muitas outras já começarão lá. Os benefícios dessas comunidades incluem: a capacidade de se organizar em torno de ideias e pessoas ao invés de localizações geográficas; a possibilidade de participar de grupos genuinamente internacionais, influenciados por uma variedade de perspectivas que anteriormente só era encontrada em grandes metrópoles; e a diminuição do preço de participação, tendo em vista que a manutenção de um espaço virtual possui um custo fixo muito menor do que a de um espaço físico.

2. O budismo, desmembrado

A segunda tendência tem a ver com algo que já se pode notar: o budismo está sendo desmembrado. Esse desmembramento começou com a meditação sendo extraída do sistema tradicional dos três treinamentos (ética, meditação e sabedoria). Isso ocorreu na Birmânia moderna com a tradição Mahasi Sayadaw (vide o livro recente de Erik Braun, The Birth of Insight), e também com a longeva ênfase das tradições Ch’an e Zen no papel central da meditação. Tais mudanças prepararam o terreno para o extremamente popular movimento da atenção plena – e para o subsequente desmembramento, dessa mesma atenção plena, da meditação budista (onde ela era apenas uma das dimensões do treinamento meditativo).

Tal desmembramento abriu portas a todos os tipos de possibilidades – inclusive permitindo que essas técnicas de treinamento mental, tipicamente religiosas, adentrassem vários aspectos da cultura secular e se recombinassem com novas disciplinas, criando abordagens meditativas híbridas (como a terapia cognitiva através da atenção plena, dentro da psicoterapia contemporânea). Isso também ocasionou muitas críticas receosas da possibilidade de ferramentas como a atenção plena perderem seu potencial liberativo ou serem subsumidas pelos aspectos mais negativos da cultura capitalista.

Nos próximos anos, fique de olho no desmembramento de outros elementos do budismo – como a compaixão, a concentração e até a percepção meditativa.

3. Tecnologias contemplativas

A última dessas tendências relacionadas à convergência do budismo e da era da internet é o desenvolvimento de toda uma série de novas tecnologias contemplativas­ – aquilo que poderíamos chamar de tecnodélicos. Essas tecnologias ainda se encontram em um estágio inicial de desenvolvimento e, por enquanto, não impressionam muito quando comparadas com a prática das técnicas tradicionais durante longos períodos de tempo. Os tecnodélicos incluem coisas como aplicativos de meditação, aparelhos de eletroencefalografia (como os que você já deve ter visto, em experimentos de neurocientistas ocidentais, ligados ao couro cabeludo de monges tibetanos) e sensores físicos mensurando diferentes aspectos da nossa biologia (como respiração, batimentos cardíacos e quantidade de suor na pele).

Conforme o campo da ciência contemplativa continua a se desenvolver, e nosso maior entendimento da biologia da contemplação encontra aparelhos de última geração – ferramentas como capacetes de realidade virtual, computadores “vestíveis”, máquinas de eletroencefalografia cada vez mais potentes e mecanismos de estimulação cerebral direta – prepare-se para acompanhar o surgimento de tecnologias que podem de fato melhorar nossa habilidade de meditar. Nesse campo, enormes possibilidades são prenunciadas por diversos protótipos incipientes e até mesmo produtos finalizados – inclusive um aplicativo chamado “Calm” que utiliza neurofeedback na forma de imagens e sons específicos para te ajudar a alcançar um estado, programado no aplicativo, correspondente a uma experiência de calma.

Na busca por ainda mais calma digital, Judson Brewer, pesquisador da Universidade de Yale, está trabalhando em um dos projetos de eletroencefalografia mais excitantes da atualidade: a criação de um aplicativo que fornece feedback, em tempo real, dos níveis de atividade da área do cérebro onde fica o córtex cingulado posterior. Eu falei recentemente com um praticante avançado de meditação que testou algumas versões do aplicativo de Brewer, e ele estava impressionado com o fato de que o feedback que havia obtido em sua última sessão se referia claramente a uma experiência de percepção não-dual.

O professor de meditação Shinzen Young se permitiu alguns devaneios sobre a perspectiva de uma tecnologia chamada estimulação transcraniana por corrente contínua (ETCC) – uma forma de neuromodulação que pode ativar e desativar partes específicas do cérebro através de uma suave corrente elétrica:

Nossas formas sistemáticas para levar as pessoas ao estágio de “conquistar o rio” [sotapanna] podem ser genericamente descritas como sistemas binários. Nós damos às pessoas certas ideias (darshana) e certas práticas (sadhana). Eu vislumbro a possibilidade de que no futuro possamos adicionar um terceiro componente: aceleradores tecnológicos/científicos (upaya moderno).

Sei que isso pode soar como ficção científica (eu também achava isso há alguns anos!), mas suspeito que essas tecnologias contemplativas podem instaurar uma nova era de interesse em assuntos da consciência – muito maior do que o Movimento do Potencial Humano dos anos 60 e 70.

A oportunidade que vejo para o budismo é a de oferecer um contexto de profundo sentido, práticas comprovadas para lidar com as dificuldades, comunidades de aprendizado íntimo que podem apoiar a utilização sensata dessas tecnologias, e um lugar para continuar a exploração do que significa a iluminação nesse tempo e espaço. Não há quase dúvida de que essas formas do budismo na era da internet irão parecer radicalmente diferente das atuais. Mas eu acredito que o foco vai continuar a ser o mesmo: a diminuição do sofrimento humano e o despertar dos aspectos mais profundos de nossos corações e mentes.

Tradução: Gabriel Falcão


Vince_Bio12Vincent Horn faz parte de uma nova geração de professores que está traduzindo as sabedorias antigas para o século 21. Com pouco mais de vinte anos de idade ele criou o Buddhist Geeks, um projeto que explora a convergência entre budismo, tecnologia e cultura global. Atualmente ele se dedica, junto com sua esposa Emily, ao gerenciamento do revolucionário Buddhist Geeks Dojo, uma sanga budista virtual onde membros do mundo inteiro se reúnem em tempo real para praticar, compartilhar informações e oferecer palestras. Saiba mais em:

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