Instruções preciosas sobre meditação no silêncio e na vida cotidiana Dudjom Rinpoche

S.S. Dudjom Rinpoche (Tibete, 1904 – Dordogne, França, 1987), foi um dos maiores eruditos budistas de todos os tempos. É considerado a emanação do aspecto da mente de Dudjom Lingpa (1835-1904) e destacou-se como mestre nos ensinamentos da Grande Perfeição, escrevendo inúmeros ensinamentos, textos e práticas budistas, sendo considerado um terton, isto é, um revelador de tesouros. Uma de suas principais contribuições foi na organização e documentação dos ensinamentos e tradições da escola nyingma, em diversas obras e coleções por ele editadas.

Sua Santidade o Dalai Lama nomeou-o chefe espiritual dos Nyingmapa em 1959, quando já estava no exílio. Fundou numerosos mosteiros e centros de prática no Butão, Nepal, Sikim, Ladakh, Taiwan, Hong Kong, Estados Unidos e França.

Recentemente foi disponibilizado um vídeo raríssimo de Dudjom Rinpoche feito por Sogyal Rinpoche. Nele, Rinpoche fala sobre como praticar e também sobre pós-meditação, sobre a vida cotidiana.

São instruções precisas que servem para refinar nossa prática. O ensinamento foi transcrito e traduzido pela Jeanne Pilli. Confira abaixo:

Se preferir, confira a transcrição abaixo:

Por um lado, aquilo que chamamos de Dharma é muito difícil. Por outro lado
é muito simples, porque de fato depende apenas da nossa própria mente.

Portanto, você deve buscar sua mente e cuidar dela.
Não deixe que a mente seja arrastada pelos pensamentos que surgirem.
Corte as elaborações e conceituações da mente e deixe-a relaxar em seu estado
natural.

Deixe a mente simplesmente estar em seu corpo e permita que o relaxamento
penetre a mente.

Como é esse estado de relaxamento? É como a experiência de uma pessoa que
acabou de terminar um trabalho bastante exaustivo. Depois de trabalhar dura
e longamente para cumprir sua missão, quando finalmente acaba, ela
experimenta uma satisfação plena de felicidade e contenta-se em
simplesmente descansar.

Muito naturalmente, a sua mente chega a um estado de calma e permanecerá
relaxada por um tempo, sem ser aprisionada em seu padrão habitual de
pensamentos descontrolados e inconcebíveis.

Então, seguindo esse exemplo, você deve tentar observar e proteger a mente,
mesmo em meio a todo tipo de pensamentos turbulentos.
Deixe a mente em seu próprio estado natural e relaxe.
Mantenha o corpo imóvel e silencie a fala.
Não pense se deve ou não fazer isto ou aquilo.
Basta estabelecer a mente em um estado de relaxamento e tranquilidade, sem
correr atrás de objetos e nem pensamentos descontrolados e loucos.

Em vez disso, permeneça em um estado vividamente aberto e vazio,
brilhantemente claro e profundamente relaxado.
Esse estado de conforto é uma indicação de que a mente chegou a sua
limpidez inerente e de que simplesmente se estabelecerá nessa lucidez.
Mas ela não permanecerá assim por muito tempo. Algo irá acontecer.
Surgirá um pensamento. Quando esse surgimento ocorrer, deixe a consciência
reconhecê-la no mesmo instante. Não ache que algo está errado, apenas
reconheça esse surgimento assim que ocorrer.

E apenas deixe tudo como está, com reconhecimento. Se a mente for apenas
deixada em seu próprio estado natural, ela se pacificará e o surgimento de
pensamentos naturalmente diminuirão, na medida em em que você permita
que se autoliberem.

São como ondas no oceano – elas retornam naturalmente de volta ao oceano, e
este é de fato o único lugar para o qual elas podem ir.
O mesmo se dá com a nossa mente. Quando a partir de um estado de quietude
ocorre um movimento, se o deixarmos simplesmente seguir seu próprio curso
natural, ele será liberado por si só. A mente será naturalmente pacificada e se
tornará límpida por si só.

É assim que se deve fazer esta prática. Mas se em vez disso você pensar “ai,
agora este pensamento surgiu. Isso não deve estar certo!” e ficar tentando
parar o pensamento, isso será apenas mais pensamento.
Praticar assim aumentará mais a sua própria confusão, pois a mente
continuará seguindo mais objetos. Portanto, não pratique dessa forma.

Repousar no reconhecimento, sem seguir os pensamentos é conhecido como o
calmo permanecer, porque dispersa ou pacifica o poder dos pensamentos e
permite que você se mantenha na natureza de bem-aventurança da sua
própria mente.
Isto é o que chamamos de shamatha em sânscrito ou shiné em tibetano.

Quando você se familiarizar um pouco com essa prática, pode ser que você
experiencie um estado de êxtase ou de bem-aventurança física e mental, ou, se
estiver meditando durante a noite, pode ser que experiencie um estado de
clareza, como se o dia tivesse amanhecido. Experiências como essas podem
ocorrer, e são sinais de que você está cultivando a paz e a calma de shamatha.

Não há nenhum problema em considerar essas experiências como positivas,
mas seria um erro apegar-se a elas. Se você simplesmente permitir que
ocorram, sem qualquer apego, elas servirão de apoio à sua prática e não
causarão nenhum dano.
Assim, se qualquer experiência de felicidade ou de clareza ocorrer, não há
necessidade de se agarrar a elas com apego, e tampouco de de suprimi-las.
Simplesmente permita que se dissolvam naturalmente.
Você também pode ter o que é conhecido como uma experiência de “ausência
de pensamento”. Este é um estado obscurecido, embotado e sonolento, em
que não se tem consciência de coisa alguma. Você não está completamente
adormecido, mas está embotado.

Essa experiência de ausência de pensamento é de fato um aspecto do calmo
permanecer, mas não há pensamentos surgindo e a clareza inerente da mente
não está presente. Isso é porque você deslizou para dentro de alaya – a base de
tudo – e você precisará se dar conta e despertar. Para se afastar desse estado,
endireite o corpo, exale o ar sestagnado e concentre sua atenção no espaço à
sua frente.

Porém, se ao invés disso, você permanecer nesse embotamento, sua meditação
será ineficaz e você nunca avançará. Essa experiência de ausência de
pensamento é uma falha na meditação e deve ser eliminada assim que ocorrer.
Aguçar a consciência é também muito importante.

Praticar dessa maneira é o caminho para desenvolver o calmo permanecer.

Quando a mente está repousando naturalmente e à vontade em seu próprio
estado inalterado, isso é chamado de quietude meditativa. Se a partir desse
estado de quietude surgir um pensamento, isso é chamado de movimento, e
aquilo que sabe quando a mente está em quietude e reconhece qualquer
movimento é a consciência ou rigpa.
Estes são conhecidos coletivamente como gnas gyu rig gsum – os três estados
de quietude, movimento e consciência.

Quando se é iniciante, a menos que você faça esta prática formalmente em
sessões de meditação adequadas você não será capaz de permanecer em paz.

Mas quando se familiarizar com ela, você será capaz de permanecer sem se
distrair, mesmo quando estiver andando por aí. E quando se sentar, você
permanecerá sem se perder da consciência. Você deve aplicar esta prática a
tudo que fizer e, assim, você se desenvolverá e avançará gradualmente.

Está bem?
Vamos fazer uma pequena meditação juntos?

PRECES

MEDITAÇÃO EM SILÊNCIO
Quando descansamos um pouco no estado natural dessa maneira, isso é
chamado de equilíbrio meditativo. Isto é o que chamamos de “sessão formal
de meditação”.

Então, quando saímos desse estado e retomamos todas as nossas atividades
diárias normais, como caminhar, sentar, recitar orações ou mantras, e assim
por diante, todas essas atividades fazem parte no período de “pós-meditação”.
Portanto, pós-meditação refere-se ao período que se segue depois de saírmos
de um estado de equilíbrio meditativo formal.

Se você for capaz de manter a consciência do momento presente, sem perdê-lo
durante todo o período pós-meditação, você obterá estabilidade em sua
meditação formal rapidamente. Portanto você deve tentar sustentar essa
consciência e não perdê-la.

Em equilíbrio meditativo, permitimos que a mente se estabeleça calmamente
em sua própria natureza, como o oceano que não é perturbado pelo vento.
Então, quando um pensamento surgir como uma expressão da energia da
mente e ocorrer uma alteração, esse surgimento ocorre na própria mente. A
distração mental é apenas uma movimentação ou uma mudança que ocorre
dentro da mente. Quaisquer que sejam os pensamentos turbulentos que
surgirem, se você permitir que a mente se estabeleça em sua própria natureza,
eles se pacificarão, assim como as ondas retornam naturalmente ao mar. É
assim que deve praticar em sua meditação formal.

No período pós-meditação, que inclui comer, dormir, passear, descansar, e
assim por diante, você não deve se atirar a essas atividades como um coelho
assustado. No momento em que a sua meditação formal terminar, levante-se
lentamente e, a seguir, se precisar sair de casa, caminhe com o corpo relaxado
e com mente à vontade.

Pouse o olhar levemente no chão, cerca de um metro à sua frente, (cerca da
medida de um arado, se diz nos ensinamentos), e caminhe com calma, para
que a sua mente não seja perturbada.

Mas se, em vez disso, você ficar caminhando sem rumo, balançando a cabeça
de um lado para o outro, você ficará agitado. Assim, quando for caminhar,
mova-se vagarosamente e de forma constante, dando passos lentos e olhando
para o chão, cerca de um metro à sua frente. É assim que você deve caminhar.

Quando se sentar, não caia no chão como um saco de terra ou uma pedra
pesada. Quando uma pedra está suspensa do chão e a corda que a sustenta é
cortada, ela cai no chão com um baque. Em vez de sentar-se assim, devemos
nos sentar lentamente e com calma.


Quanto à forma como você deve agir quando encontrar outras pessoas, se diz
“Quando eu olhar para outro ser, possa o meu olhar ser sincero e pleno de
amor”. Então, quando encontrar alguém, olhe para eles direta e sinceramente,
a partir de um estado de calma natural. Ofereça a eles um olhar sincero e
amoroso.


Se a sua mente for amorosa e você tiver cultivado a bodicita, seu olhar
ganhará uma expressão particular e transmitirá uma atmosfera de paz e
calma. Assim, quando se encontrar com outros seres, olhe para eles de forma
franca e amorosa.

Quando falar, não tagarele qualquer coisa sem sentido que vier à sua mente.
Fale de forma verdadeira e suave, de uma maneira adequada e agradável aos
seus ouvintes.

Quando comer, não faça ruídos como uma vaca ruminando ou um cachorro
devorando seu jantar. Coma e beba com calma e conscientemente, em um
estado natural de relaxamento.

E quando for ao toalete, encontre um local adequado para fazer suas
necessidades, que seja oculto de outras pessoas e longe de lugares onde as
pessoas se reúnem e de locais sagrados, como templos.

Quando for dormir, deite-se com gentileza e de forma relaxadada. Então faça
orações ao seu mestre e às três jóias – o Buda, Dharma e Sangha. É assim que
se adormece com a mente à vontade e em prece.

E então quando acordar, traga as três jóias e o seu mestre à sua mente de
forma clara, e levante-se nesse estado de devoção. Desta forma, diz-se que a
devoção despertará em sua mente, assim como você mesmo está despertando.

Em seguida, ao longo de todas as suas atividades diárias – caminhar,
descansar, comer ou dormir – seu corpo deve estar relaxado. Você deve se
mover calma e vagarosamente. Sua fala também deve ser calma, com o
mínimo de palavras possível e ainda assim disciplinadas, prazerosas ao ouvido
e agradáveis à mente.

Se agir dessa maneira, todas as suas atividades diárias estarão de acordo com
os ensinamentos e, o mais importante, sua mente estará em harmonia com o
Dharma. Aqui, neste contexto, Dharma significa domar a mente e pacificar
todas as emoções perturbadoras.

PRECES FINAIS

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