“O conselho de Christine Skarda’s para um local perfeito para um retiro.”
Em primeiro lugar, esqueça a ideia de um local perfeito para o retiro.
Esse lugar não existe! Afinal, isto é samsara, não nirvana.
Quando pensamos em fazer um retiro, tendemos a recordar praticantes famosos e queremos que nosso retiro seja como o deles: feito em perfeito isolamento, sem distrações, sem interrupções e repleto de realizações espirituais. Soa bom, mas esse ideal vem de uma leitura seletiva das circunstâncias atuais desses retiros.
Lembramos do iogue Milarepa passando anos sozinho em sua caverna, mas esquecemos que ele era visitado muitas vezes por ladrões, caçadores, demônios e – por último, mas não menos importante – sua bem-intencionada irmã, que queria convertê-lo em um respeitável lama! E o Lama Tsongkhapa foi perseguido pelo imperador chinês, que queria um lama na corte.
Em nosso próprio retiro, talvez não estejamos lidando com imperadores ou demônios, mas nossa irmã ou nosso irmão podem ir conferir como estamos, apesar de nossos protestos. Assim, nossa primeira tarefa é fazer as pazes com a realidade. O verdadeiro retiro não é criado pelas circunstâncias, mas pela mente.
Como criamos uma mente de retiro?
Dedique-se inteiramente. Nada de intenções inconstantes! Antes de realmente começar, gere a convicção mais forte possível de que essa é a melhor forma de passar seu tempo nesta vida. Você renovará e fortalecerá essa convicção durante o retiro. Entretanto, você deve tê-la presente quando começar, ou logo estará fazendo alguma outra coisa. Para gerar convicção, estude as histórias de vida de grandes meditadores e pegue inspiração de seus próprios professores, à medida que eles compartilham suas experiências.
Fazer um retiro não é uma decisão impulsiva depois de, digamos, assistir aos ensinamentos de um grande praticante e decidir que nós devemos fazer o mesmo. Depois de alguns dias de retiro, esse “barato do ensinamento” vai decrescendo e perdemos nosso caminho. O problema não é que sejamos inadequados, apenas que não nos preparamos fazendo o tema de casa.
Uma mente de retiro tem um sentimento de renúncia.
É importante compreender os benefícios de um retiro e ver a forma comum de viver no mundo como essencialmente sem significado. Esse insight requer estudo e pode levar anos para desenvolver. O ponto de partida é o ensinamento mais básico do Buda: as quatro nobres verdades. Se não compreendermos a natureza do sofrimento e como permeia todas as coisas, chegará um momento em que o irmão bem-intencionado nos visitará e nos convencerá de que estamos desperdiçando nosso tempo.
Milarepa não foi abalado por sua irmã porque ele era um renunciante genuíno. Ele sabia que o que a irmã estava lhe estendendo como uma meta valiosa era, em verdade, insatisfatória. Suas canções são as canções de uma pessoa que compreendia profundamente as quatro nobres verdades. Ninguém podia abalar sua renúncia porque ele sabia que não existia nada que valesse seu esforço. Nós também devemos estudar e contemplar os ensinamentos do Buda antes de correr para os retiros. Milarepa não os estudou depois de que Marpa o enclausurou. Milarepa desenvolveu a renúncia e depois se retirou. Há uma profunda lição para nós aqui.
Gerar humildade.
Embora olhemos para os grandes praticantes buscando motivação e inspiração, quando modelamos nossas vidas baseados nas deles, existe um perigo de que possamos começar a ver a nós mesmos como seus iguais. Imaginarmo-nos como modernos Milarepas poderia ser fatal para nós em nosso retiro. Lembrem-se a todo momento: nós somos comuns, isto é, pessoas ordinárias que tentam fazer algo extraordinário. É a atividade que é extraordinária, e não nós. E não deixem que ninguém os convença do contrário.
Sem essa visão precisa de nós mesmos, podemos pular práticas que consideramos ser “básicas demais”. Como resultado, nos faltariam as bases necessárias para uma prática posterior, e chegaríamos a um beco sem saída. Assim é fácil perder o estímulo, acreditar que a meditação não seja a solução para o sofrimento que nós pensamos que fosse. Colocamos a falha na prática, quando na verdade o problema real é como estamos praticando. É um pouco como tentar se formar na universidade antes de aprender a ler, culpando a universidade por nossa falha.
Uma falta de humildade também pode levar a graves doenças mentais e físicas. O retiro meditativo é arriscado. A série de práticas que podem transformar a mente e o corpo comuns na mente e no corpo do Buda constituem algo poderoso. Os praticantes que têm imensos egos, mas pouco preparo e experiência muitas vezes terminam mentalmente desestabilizados e/ou fisicamente doentes. Já vi praticantes desenvolvendo problemas que vão desde graves doenças do vento até verdadeiras psicoses. Você pode ter fortes dores corporais, você pode não dormir bem ou não dormir em absoluto, ou pode estar sem foco ou se sentir angustiado, raivoso ou desolado. Pode se tornar difícil estar perto de outras pessoas. Uma vez doente dessa forma, leva muito tempo se recuperar. Não apenas o retiro, então, se torna impossível, mas mesmo a vida comum se torna um fardo. Não é de admirar que nos recomendem estar próximos a nossos professores, que nunca parecem cansar de nos recordar quão comuns nós somos!
Busque conselho e instrução com um professor qualificado.
Precisamos do conselho de professores que realmente tenham feito longos retiros, não daqueles que simplesmente leram sobre o processo nos textos. Nós podemos ler os textos por conta própria, mas não podemos ler nas entrelinhas: como é fazer a prática; como deveríamos ou não deveríamos nos sentir; como saber quando estamos pressionando demais ou não o suficiente; quando devemos nos mover para o próximo passo. Essas informações não se encontram nos textos. Sempre foram passadas diretamente de professor a aluno. Os textos são instruções generalizadas; nosso professor personaliza as instruções para nós. Nós realmente precisamos de um professor.
Comece modestamente.
Comece com retiros curtos. Um final de semana é “um retiro longo” se você nunca o tiver feito. Você precisa se acostumar a estar sozinho – quarenta e oito horas podem ser um tempo longo. Para os iniciantes, pode ser útil começar acompanhado por uma ou duas pessoas como forma de se motivarem e estabelecerem os ritmos. Faça intervalos frequentes e durma o suficiente.
Certo, estou em retiro. E agora?
Se houver barulho lá fora, você usa tampões de ouvido ou range e aperta os dentes? Se você ficar tenso demais, cansado demais ou distraído, não se force a sentar e fazer meditações focadas. Não funcionará. Levante-se e leia, ou caminhe, ou coloque roupa para lavar. Ou talvez tente outra meditação, em vez disso: repetir mantras ou gerar compaixão. O importante é não tentar fazer a atividade que você sentiu ser impossível. É uma questão de bom senso: se não está funcionando, não faça.
Compaixão, compaixão, compaixão!
Quanto mais forte for seu sentimento de compaixão, melhor será seu retiro. Por esse motivo, sinto que ter um animal de estimação por perto é muito útil. Um animal de estimação nos obriga a pensar em suas necessidades, e isso é muito útil quando estamos apenas pensando em nós mesmos e em nosso retiro.
Se você quiser se manter em retiro por um período longo, você precisa desenvolver um imenso sentimento de compaixão. Ficar em retiro por anos é impossível se você estiver fazendo isso apenas por você mesmo. Depois de um certo tempo, você sairá, convencido de que você é necessário “lá fora” e de que se manter em retiro é egoísta. Esse sentimento de que você está sendo egoísta ocorre se você não incorpora todos os outros seres em seu retiro desde o início.
Se você estiver fazendo um retiro apenas para você mesmo, seu gás terminará depois de alguns anos. É um trabalho árduo, um dia após o outro, sem férias. Torna-se demandante demais e solitário demais. Mas se você estiver fazendo esse trabalho por todos os outros que presentemente não podem fazer isso por si próprios, outros que precisam de você para que possam parar de sofrer, você reúne a coragem de prosseguir. A compaixão é a chave que mantém a porta do retiro trancada até que a meta seja alcançada.
Concentre-se sempre no básico, não importa quão avançada seja sua prática.
Dedique-se e acumule mérito. Revise os fundamentos para que se tornem intrínsecos a você e continue até que suas reações automáticas se tornem reações dármicas. Tome refúgio dentro de sua cabana de retiro para extirpar hábitos que o prendem ao samsara e substitua-os com respostas que sejam próprias de um Buda. As paredes protegem você em sua nudez enquanto desenvolve esse corpo de buda, essa mente de buda. Você não está escapando do mundo; está se preparando para abraçá-lo completamente. Essa é a coisa mais importante que você já fez, o trabalho mais importante que você poderia fazer. Nunca desista.
POR CHRISTINE SKARDA| 13/07/2015
Foto de Cory Kohn.
Tradução Laura Bocco