Vingança, filha da ignorância.
É muito comum escutarmos que tal pessoa tem o gênio forte, porque não leva “desaforo para casa”.
Ou então, que se nosso “orgulho” for ferido, devemos devolver o insulto com a mesma intensidade.
Não agir desta forma é visto como uma covardia, uma fraqueza, falta de personalidade.
Tomou-se como “ponto de honra” a necessidade de retribuir-se o mal com o mal. O resultado é que a cada dia aumenta a violência em todos os setores.
Não percebemos, mas contribuímos diariamente para que isso se propague.
Se analisarmos nosso cotidiano, veremos que tanto em nossa casa, no trabalho e até no lazer nos melindramos por qualquer discordância de ponto de vista. Também não deixamos que a opinião que emitimos seja contrariada; que nossos desejos, às vezes absurdos e egoístas, sejam ignorados.
Ai daquele que se opuser às nossas vontades! Mesmo que seja só em pensamento, passamos a desejar que aquela pessoa passe por poucas e boas. Sentimos uma estranha satisfação quando alguém que não gostamos ou nos desentendemos sofre dificuldade. Só isso já demonstra o que realmente temos dentro de nós: egoísmo.
Há casos, então, em que a vingança se torna patente. É o que acontece quando tomamos conhecimento de crimes hediondos. O primeiro sentimento é de desejarmos que o indivíduo sofra na própria carne a dor que fez ou outros passarem. Então, passamos a ser cúmplices da violência, incentivando-a inconscientemente.
Com isso, no quê nos diferenciamos dos animais?
A vontade de ver a justiça sendo feita muitas vezes nos torna injustos. Isso porque a visão da realidade que nos cerca pode ser distorcida por uma série de fatos, que vão desde o desconhecimento dos motivos do que está ocorrendo até a manipulação de informações.
Desenconrajar a vingança não significa ser conivente com o mal. Pelo contrário, mostra a necessidade de combatermos a maldade com razão e não com o ódio e a emoção que cegam e destroem.
Matthieu Ricard
Distinção entre o que fazemos e o que somos
O perdão é uma parte essencial de uma atitude compassiva, mas é uma virtude facilmente mal compreendida. Para começar, perdoar não é o mesmo que esquecer. Afinal, se alguém esquecer um mal que foi cometido, não sobra nada para perdoar! Em vez disso, o que estou sugerindo é que encontremos uma maneira de lidar com os atos errados para termos paz mental e, ao mesmo tempo, evitar que caiamos nos impulsos destrutivos como o desejo de vingança.
[…] parte do que é requerido é uma aceitação de que o que está feito está feito. Tanto no nível individual quanto da sociedade como um todo, é importante reconhecer que o passado está além do nosso controle. O modo como reagimos aos atos errados passados, no entanto, não está.
Como já mencionei, é vital manter em mente a diferença entre o ator e o ato. As vezes isso pode ser difícil. Quando nós mesmos ou aqueles muito próximos de nós foram vítimas de crimes terríveis, pode ser difícil não sentir ódio pelos perpetradores desses crimes. Ainda assim, se pararmos para pensar sobre isso, compreendemos que diferenciar entre um ato terrível e seu perpetrador é na verdade algo que fazemos todo dia em relação a nossas próprias ações e nossas próprias transgressões.
Em momentos de raiva ou irritação, podemos ser rudes com pessoas amadas ou agressivos com os outros. Depois, podemos sentir remorso ou arrependimento, mas ao recordarmos de nossa explosão, não deixamos de diferenciar entre o que fizemos e o que somos. Nós naturalmente perdoamos a nós mesmos e talvez nos determinemos a não fazer a mesma coisa de novo.
Já que achamos tão fácil nos perdoar, certamente podemos estender a mesma cortesia aos outros! Obviamente, nem todos conseguem se perdoar, e isso pode ser um obstáculo. Para tais pessoas, pode ser importante praticar a compaixão e o perdão em relação a elas mesmas, como uma fundação para praticar a compaixão e o perdão para os outros.
Dalai Lama, em Beyond Religion
“se alguém te critica, você deve verificar se o que foi dito é verdade ou não. Se for verdade, então você não deve ficar raivoso ou impaciente, porque é verdade. Se não for verdade, de novo não deve ficar raivoso ou impaciente, porque não é verdade”
Nós somos o outro
Não somos crianças inocentes vitimadas por um grande mundo malvado. Se nosso mundo é grande e mau, nós o fizemos dessa maneira. Isso é o que o Buda ensinou. O “outro” é um bicho-papão infantil, a projeção de nossos próprios medos em um objeto assustador de nossa imaginação, que nos aterroriza. Nossa ignorância é não ver que nós somos o outro. Não podemos nos permitir confundir inocência com essa ignorância.
A violência não é um objeto permanente, imutável e fixo. É um estado da mente, uma expressão da ignorância. Não tem mais solidez que uma nuvem. Não podemos lançar um ataque frontal na violência. Mesmo proteger a nós mesmos disso abastece sua existência de bicho-papão. Mas o Buda ensinou que podemos mudar.
Essa foi sua boa notícia: existe uma maneira de aliviar o sofrimento através da libertação de nossas mentes da cobiça, raiva e ignorância. Mas até que entendamos os modos como somos Oklahoma City, as bombas e os filhotes de ursos, as vítimas e os violadores, continuaremos a acusar os “outros”, sempre proclamando nossa inocência e fugindo de nossas responsabilidades.
Helen Tworkov, em “Tricycle: The Buddhist Review, Vol. V”