A ciência de encontro com a mente – Imaginando a revolução, com B. Alan Wallace
Por Shuyin. | Publicado originalmente em inglês no Buddhistdoor Global e traduzido por Lucas de Lima (Jigme Norphel) e Luís Oliveira.
“Vinte cabanas alimentadas com energia solar, cada uma com tudo que é necessário, cozinhas funcionais e jardins orgânicos privados, espalhadas ao longo de uma linda área verde”, diz B. Alan Wallace com brilho no olho, como se fosse uma criança animada falando de um novo brinquedo. Não, não se trata de um lindo espaço recreacional em meio à natureza, e sim do que Wallace vê como um observatório contemporâneo em que a ciência encontra a mente. E se a mágica da motivação correta e da aspiração pura funcionarem, sua visão pode se concretizar em breve – não tão diferente de cerca de 40 anos atrás, quando Wallace escreveu em seu caderno “Que eu conheça um homem velho e sábio” e acabou se tornando um dos maiores estudantes ocidentais de Sua Santidade Dalai Lama.
Alan Wallace, erudito do Budismo, professor de meditação, palestrante e autor, está em uma cruzada para liberar as ciências das lentes limitadoras do pensamento reducionista e materialista, partindo para uma exploração do mundo a um nível experimental e intersubjetivo ainda mais profundo. “Na ciência da física tivemos duas grandes revoluções – Galileu, e depois Planck e Einstein. Mas as ciências da mente estagnaram-se por todo século passado em termos de contemplação da natureza da consciência e do problema da mente-corpo, como um vagão encalhado na lama. Não me oponho às ciências. O problema é que há uma aceitação superficial da parte de muitos cientistas, de que toda a realidade consiste integralmente daquilo que é físico, mensurável em espaço e tempo, ou em matéria e energia e suas propriedades derivadas. Eles simplesmente não contemplam a possibilidade de ocorrer algo fora da esfera física. Aplicado à consciência e existência humana, o materialismo científico não consegue ir além do aspecto físico”.
Tal como o psicólogo americano William James, que ele cita frequentemente, Wallace desafia a equação da mente-cérebro com paixão, até com impaciência. “Os materialistas asseguram que o mundo afora corresponde apenas àquilo que os cientistas podem medir. Todos fenômenos mentais, nossos pensamentos, emoções e imaginação são reduzidos puramente a ondas cerebrais ou atividades neurais. Não há lógica em simplesmente concluir da correlação mente-cérebro que a mente é o cérebro e reificar todas nossas experiências como sendo físicas ou materiais. Onde está a evidência? Isto é como uma crença religiosa, ausente de embasamento sólido ou de evidência empírica.
Pelo contrário, Wallace vê muitas evidências para derrubar o mito mente = cérebro, assim como o famoso caso de Pam Reynolds, que desconcertou a comunidade científica com seus relatos de experiências de quase-morte. Mas não é preciso ir tão longe. “Tomemos por exemplo o amarelo que vejo nestas flores. A luz incide no objeto e é transmitida até que as ondas de luz cheguem à retina. Um impulso é enviado ao cérebro, que processa o sinal e eu tenho a percepção das flores amarelas. Mas o amarelo que vejo não existe nem na forma de impulsos elétricos, nem na de algum objeto físico específico, nem mesmo das flores, que consistem de átomos e moléculas incolores.
O que pode ser medido fisicamente é inteiramente diferente da natureza da experiência em si. Onde está o amarelo? Mesmo se abrirmos um crânio, tudo o que veremos é matéria cinzenta. O amarelo das flores está apenas em minha experiência”.
Tendo trabalhado com iogues altamente realizados no Himalaia e meditantes de longa data de muitas tradições, este devoto estudante do Dalai Lama está convicto de que a meditação proporciona uma ponte entre ciência e religião e oferece insights inestimáveis sobre a natureza da consciência. No entanto, ele reconhece que uma abordagem científica é necessária para que os resultados de quaisquer descobertas possam ser universalmente aceitos. “Neste mundo moderno, para qualquer descoberta ter alguma credibilidade fora de seu próprio grupo, você deve trazer a ciência. Não é uma verdade apenas budista ou uma verdade cristã. Se é verdade, é verdade”.
Alan Wallace vê a colaboração entre contemplativos e cientistas como o caminho a seguir. “Estou muito feliz em colaborar com os cientistas e não assumir que temos todas as respostas. A ciência tem muito conhecimento de áreas que o budismo não têm, como a psicologia infantil e o estudo sofisticado do cérebro, que é muito importante. A tradição budista é uma tradição muito antiga, com uma enorme quantidade de insight, e a ciência moderna é uma disciplina mais jovem que tem muito mais conhecimento do mundo físico, mas não da natureza da consciência ou do problema mente-corpo. Portanto, este é realmente o ponto de colaboração, com respeito e abertura mútua “.
Em 2003, Wallace fundou o Instituto Santa Barbara para Estudos da Consciência, sendo pioneiro em pesquisas sobre a natureza da mente. Durante os últimos 12 anos, o instituto já trabalhou com cientistas, psicólogos, filósofos e contemplativos através de seminários, palestras e retiros longos para investigar a realidade da consciência. Em 2007, Wallace iniciou o Projeto Shamatha, o maior estudo científico dos efeitos da prática intensiva de meditação em atenção e regulação emocional e seus correlatos neurais. “Tivemos um bom grupo de cientistas de mente aberta o suficiente para assumir o desafio, não para debater questões filosóficas ou a natureza da mente, mas para assumir uma abordagem muito mais pragmática. Durante três meses, tivemos 70 pessoas em retiros residenciais intensivos, e tivemos dois laboratórios de última geração fazendo exames de EEG, exames de sangue, questionários, etc. Eles produziram um grande número de medidas e uma enorme quantidade de dados”. Vários trabalhos científicos foram publicados com base neste projeto, e o trabalho ainda está em curso.
No verdadeiro espírito de investigação budista, Wallace convida todos a experimentar a mente em primeira pessoa em seu estado natural. “Ehipassiko, venha e veja! Você não pode entender a mente sem olhar para dentro”, diz ele enquanto ele orienta os alunos em retiro para examinar a consciência dos pensamentos, o espaço da consciência, e a consciência da consciência. Apesar de suas profundas raízes budistas, ele é rápido em apontar que esta abordagem contemplativa não se limita ao budismo, mas é encontrada em muitos outros ensinamentos ancestrais, como o cristianismo antigo, no hinduísmo, taoísmo e sufismo. Ao enfatizar o não-sectarismo, Wallace vê uma base em comum entre todas as fés para compreender e aprender uns com os outros e, talvez, agir como catalisador para uma verdadeira renascença da investigação contemplativa sem dogmatismo e superstição.
Além do aspecto científico e religioso, quais são as implicações práticas de tudo isso? “Aquilo que me oponho é a ignorância e a delusão, que são as raízes do sofrimento no budismo. Aquilo que realmente promovo é uma abordagem imparcial para entender a natureza da mente, da felicidade genuína, e das verdadeiras causas do sofrimento. O desenvolvimento simbiótico da ciência e da tecnologia ao longo dos últimos 400 anos tem contribuído enormemente para o hedônico, prazer e felicidade derivados de estímulos externos. Vivemos em uma época de consumismo insaciável. Imagine se todos os sete bilhões de pessoas no mundo de hoje tentarem satisfazer seus desejos, desta forma, querendo mais e mais de tudo. Este hedonismo e indulgência obsessiva estão drenando os recursos do mundo e consumindo o próprio mundo, levando a guerras, conflitos, crimes e violência, estresse mental e depressão. Embora seja importante satisfazer as nossas necessidades hedônicas, precisamos enfatizar a eudemonia, a felicidade que não depende de quaisquer estímulos externos, mas nasce de um profundo senso de bem-estar e calma interior. Esta paz interior pode ser alcançada através do cultivo da mente e no desenvolvimento do equilíbrio emocional com as qualidades de bondade amorosa, compaixão, alegria empática e equanimidade”.
No começo de um curso sobre o cultivo de equilíbrio emocional, uma senhora de cerca de cinquenta anos de cabelos grisalhos, professora em uma vizinhança precária de Oakland por 30 anos e com o cansaço expresso no rosto, comentou com desânimo: “Estou contando os dias para me aposentar”. No entanto, ao final do curso de oito semanas sua atitude e visão de vida de alguma forma se transformaram: “Quero continuar a ensinar e ver que a cada ano posso fazer meu trabalho o mais significante possível”, disse ela entusiasmada. Para Alan Wallace isso faz toda a diferença, e dá significado àquilo que dedica a cumprir em sua vida enquanto segue no caminho do bodhisattva.