Lorde Richard Layard é professor emérito de economia na London School of Economics. Foi diretor fundador do Centro de Desempenho Econômico (CEP) dessa instituição e agora é chefe do Programa de Bem-Estar do CEP. Seu trabalho sobre desemprego, infância, saúde mental e bem-estar influenciou a política na Grã-Bretanha e em outros lugares.
Muitos teóricos econômicos sugeriram que precisamos de concorrência para impulsionar o crescimento econômico, e que o crescimento econômico também trará crescimento em felicidade. Em sua sessão, Richard falou sobre por que os níveis de felicidade não aumentavam, apesar de aumentos sem precedentes em rendimentos e qualidade de vida. William Harbaugh, Sua Santidade e outros se reuniram para discutir como a idade, a confiança, a expectativa de vida e a comparação social afetam nossa felicidade e o potencial de mudar nossas prioridades em um nível biológico e social. * * *
Sua Santidade, é incrível poder debater estes assuntos com o senhor, especialmente na época da reavaliação econômica. O que vamos fazer nesta sessão é olhar para a imagem maior, toda a economia, o todo da sociedade. Como deve se organizar para produzir condições para a maior felicidade da população? Essa é uma questão básica que a teoria da economia vem tentando responder nos últimos duzentos anos.
Quando pensamos nos papéis relativos da competição e cooperação para criar sistemas econômicos bem-sucedidos, temos que distinguir entre indivíduos e organizações. Creio que todos sabemos que a cooperação deve ser o princípio que guia as relações entre indivíduos. Porém, os economistas acreditam que, entre organizações, particularmente empresas de negócios, o melhor tipo de relação é a competição, na qual cada organização está tentando fazer o melhor que puder e, se possível, fazer melhor que os concorrentes no mercado. Uma organização precisa sujeitar-se a um desafio externo para ter um bom desempenho; caso contrário, pode facilmente tornar-se preguiçosa ou corrupta.
Esses são dois tipos fundamentalmente diferentes de relacionamentos. O fundador da teoria econômica moderna, Adam Smith, destacou a importância de ambas. Infelizmente, a maioria das teorias econômicas subsequentes tenderam a enfatizar demais a importância da concorrência, e não apenas entre organizações, mas entre indivíduos também. Creio que foi assim que a economia ganhou o nome de ciência sombria. Claro que há diferentes matizes de opinião dentro da economia, mas nos últimos trinta anos todos temos sido expostos a visões que promovem a ideia de que precisamos de concorrência entre indivíduos no local de trabalho, assim como de concorrência entre locais de trabalho.
É importante perceber que a teoria econômica não é uma conspiração; é um exercício intelectual idealista. A principal proposta da teoria econômica é que os mercados livres e concorrentes produzirão a maior felicidade possível na população, apoiando-se em um pressuposto: a única forma em que as pessoas obtêm felicidade é através do processo de troca no mercado. Claro que essa teoria tem muitas limitações.
O problema é que muitas das coisas que são mais importantes para a felicidade humana vêm através daquelas relações que não são conduzidas no mercado. Elas vêm através das relações na família, no local de trabalho entre colegas (que não são relações de mercado), dentro da comunidade, com seus amigos, ou com as pessoas que você encontra na rua. Esses elementos também são muito importantes para sua experiência de uma vida feliz.
Nós negligenciamos demais o aspecto das relações humanas pelo aumento na renda e na produtividade do lado competitivo de nossas vidas. O resultado tem sido que nós experimentamos aumentos sem paralelo nos padrões de vida e na renda financeira, mas isso não levou a um aumento na felicidade. Esse é o paradoxo que eu quero discutir.
Figura 8.1: A renda real por pessoa mede a quantidade de bens e serviços produzidos por pessoa de uma população, como uma percentagem de seu valor em 1947.
Os fatos básicos são os seguintes: nos Estados Unidos da América, vemos um imenso aumento no padrão de vida no período pós II Guerra Mundial de 1945 a 2000. Porém, a percentagem das pessoas que dizem que são muito felizes não é mais alta do que era nos anos 1950. A percentagem de pessoas que não estavam muito felizes também é a mesma.
Dalai Lama: A partir de 1945 ou 1950, imediatamente depois da guerra, o nível de felicidade é alto ao passo que a renda é baixa. Você vê muito sofrimento ou ansiedade durante a guerra e, imediatamente depois dela, mais felicidade. Isso deve ter a ver com alívio. Caso contrário, esses números dão a impressão errada de que quando a economia está baixa e não há crescimento, a felicidade se eleva.
Richard Layard: Temos dados semelhantes da Grã-Bretanha e Alemanha Ocidental, contando a mesma história. Assim, o argumento é que, mesmo em países que são ricos como estes têm sido desde a guerra, você não experimenta, em nível de sociedade, felicidade maior na medida em que a sociedade se torna mais rica.
William Harbaugh: No gráfico, a felicidade é bem plana ao longo do tempo. Não há aumentos em felicidade, mas grandes aumentos de renda nesse período, correto? Essa é a parte que eu não entendo. Tire a renda e, no lugar, coloque índice de sobrevivência infantil, ou o número de anos que você vive. Esses também crescem ao longo do tempo dramaticamente e, no entanto, não há aumento no relatório de felicidade. Isso me faz pensar qual realmente é sua medida de felicidade. À medida que a expectativa de vida sobe e que a chance de que meus filhos sobrevivam aumenta, estou certo de que estaria mais feliz, mas seus dados não mostram isso.
Richard Layard: A medida se baseia em perguntar às pessoas quão felizes elas estão. Há várias perguntas: Quão feliz você está com sua vida nestes dias? Quão satisfeito você está com sua vida nestes dias? Agora, você poderia dizer, “Isso é simplesmente algo que alguém disse. Será que significa alguma coisa?” O que é muito encorajador é que se cada um de nós diz quão feliz está, e cada um de nós indica um amigo para relatar quão feliz esse amigo acha que nós somos, o que o amigo diz está altamente correlacionado com o que relatamos sobre nós mesmos.
Isso é muito tranquilizador. Seria muito difícil, na verdade, a sociedade humana funcionar se não pudéssemos ver os sinais que nos dizem quão feliz outra pessoa é. Eu digo isso para contrabalançar o ceticismo sobre se podemos realmente saber quão felizes as pessoas são. De fato, também sabemos, a partir do trabalho de Richie Davidson em particular, que podemos identificar atividade cerebral correlacionada com quão feliz um indivíduo diz ser, tanto ao longo do tempo quanto em diferentes pessoas. Assim, precisamos levar muito a sério essa autoavaliação.
E talvez você diga a seguir, “Como pode ser que as pessoas estejam dando essas respostas e, no entanto, muitas coisas estão melhorando?” Na expectativa de vida, gostaria de dizer algo muito importante. O que eu estive falando é sobre a qualidade de vida, uma vida vivida em um momento em particular; a duração da vida é uma questão separada. Há muitos cientistas sociais que pensam que a melhor medida de bem-estar de um país é a qualidade de vida, por anos vividos, multiplicado pela expectativa de vida.
Dalai Lama: Há alguma correlação real entre expectativa de vida e felicidade? Claro, a saúde física está muito relacionada com as emoções, isso fica muito claro. O medo constante e a raiva constante encurtam nossa vida. Porém, ao mesmo tempo, uma vida longa devido a um corpo saudável e outras faculdades não necessariamente garante que uma pessoa esteja mentalmente feliz. Creio que não, mas eu não sei. Essas pessoas são especialistas. Elas pesquisaram, eu não tenho esses conhecimentos.
William Harbaugh: Richard sabe disso melhor, mas no geral eu penso que a felicidade aumenta ao longo de nosso tempo de vida. Na idade de sessenta e cinco, ou por aí, é quando tem seu pico, não é?
Richard Layard: Sim. A sabedoria convencional é que decai um pouco cerca dos quarenta e cinco, e então, para a maioria das pessoas, começa a aumentar novamente.
Dalai Lama: Alguns de meus amigos me disseram uma vez que o mundo moderno está tão orientado para a juventude que envelhecer traz um sentimento de inutilidade. Isso também é possível. Se a cultura for muito orientada para os jovens, então, à medida que você envelhece, pode se sentir cada vez menos relevante para a sociedade, e sentir-se improdutivo. Porém, basicamente eu concordo. Trinta, quarenta e cinco, cinquenta, você obtém experiência mais profunda, e essa experiência traz, ao menos comparativamente, uma perspectiva mais holística, mais ampla. E isso ajuda a manter maior equilíbrio nas nossas emoções. Então creio que, nesse ponto, eu concordo totalmente.
Richard Layard: Sim, mas penso que o que você diz é correto, em particular nas sociedades ocidentais. A partir dos 75 anos de idade, então eu começo a ter um declínio porque, como você sabe, mantemos uma certa distância das pessoas idosas na família. Não as valorizamos o suficiente no ocidente.
Há um paradoxo adicional aqui. A maior parte dos indivíduos gostaria de ser mais rica, e de fato o que encontramos em uma determinada sociedade em um determinado momento do tempo é que os indivíduos mais ricos, em média, são mais felizes do que os indivíduos mais pobres. Esse pode ser um fato triste, mas é um fato. Os dados de um ano em particular nos Estados Unidos mostram como os grupos de maior renda têm, de fato, uma média mais alta de felicidade, embora, claro, esta se estabilize na parte superior.
Um indivíduo se torna mais feliz na medida em que se torna mais rico, mas ao longo do tempo, o país inteiro não se torna mais feliz quando se torna mais rico. A explicação disso é que as pessoas se comparam com outras pessoas. Se alguém se torna mais rico, o que é importante para essa pessoa é que está se tornando mais rica com relação a todas as outras pessoas. Essa riqueza comparativa é importante para a felicidade do indivíduo.
Porém, sempre que o nível de renda relativa de alguém sobe, a de alguém mais precisa diminuir. Esse é um ponto muito profundo e importante, porque mostra que a luta para aumentar rendas é, numa dimensão bastante importante, infrutífera. Não pode produzir felicidade maior. Em linguagem técnica, chamamos isso de um jogo de soma-zero. O total que pode ser alcançado é fixo; tudo o que pode acontecer é que reacomodemos quem recebe o quê desse total. Elevar rendas, portanto, não é uma meta geral significativa para uma sociedade. Muitos cientistas sociais agora pensam que o crescimento econômico não pode mais ser a principal meta para as sociedades ocidentais. Isso começou a ser uma questão até mesmo em nível político, com o [ex] presidente francês Nicolas Sarkozy, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e outros levantando questões sobre o verdadeiro significado de “progresso”.
Na medida em que tentamos escapar da corrida destrutiva do jogo de soma-zero, precisamos mudar nosso foco. Se quisermos que nossas sociedades não estejam na linha plana da felicidade, mas que subam para um nível mais elevado, temos que focar em fontes de felicidade que possam ser aumentadas. Essas fontes provêm de atividades de soma-positiva em que cada parte ganha com a interação. Isso significa que temos que dar muito mais atenção a relacionamentos humanos e menos a crescimento econômico.
Acredito fortemente que crescimento econômico simplesmente significa fazer as coisas de uma forma melhor, e que o comprometimento com o progresso nunca terminará. Eu não concordo com a abordagem de crescimento zero. Claro que temos que limitar imensamente nosso uso dos recursos naturais, mas vamos ficar cada vez mais inteligentes ao fazer as coisas, e isso levará ao crescimento econômico. Assim, a continuação do crescimento econômico virá da força criativa do espírito humano. Não é algo ruim, mas também não é a coisa mais importante. A coisa mais importante é a qualidade de nossas relações humanas, e não devemos sacrificar essas relações para ajudar a aumentar o índice de crescimento econômico, que é o que vem acontecendo nos últimos anos.
Por exemplo, membros da comunidade financeira defendem energicamente que deve haver menos regulação do sistema financeiro. O argumento é que produziria crescimento econômico mais rápido. Isso pode ser ou não verdade no longo prazo, mas a questão sempre foi: qual seria o custo disso? Qualquer um que tivesse pensado sobre isso deveria saber que o custo poderia ser uma menor estabilidade no sistema econômico. E o que significa baixa estabilidade? Significa maior probabilidade de desemprego, de pessoas perdendo suas relações de trabalho, que são uma das fontes mais importantes de satisfação humana. Porém, grupos inteiros de economistas – especialmente na Universidade de Chicago – tentaram persuadir os demais colegas de profissão que o crescimento econômico de longo prazo era mais importante do que a estabilidade do sistema e do que evitar o desemprego. Esse foi um argumento muito chocante, mas que foi aceito de forma bastante ampla.
Claro que poderíamos perguntar: se o grande sucesso econômico produzido pela concorrência não é tão importante para a felicidade humana, por que não consideramos outras formas de organização econômica? Por exemplo, devemos pensar em todo um sistema econômico que se baseie na cooperação? Isso, é claro, era a ideia comunista, de que cada parte do sistema deve se empenhar em uma contribuição cooperativa para o bem comum.
O que vemos é que se você não permitir o livre mercado, você não permite também outras liberdades. Esse é o problema fundamental com esse argumento, que produziu uma sociedade muito infeliz no mundo comunista. Como mostra o gráfico, os antigos países comunistas estavam quase todos entre os países mais infelizes já registrados na época em que o comunismo terminou. Países com níveis de renda similar que não eram comunistas – o que poderíamos chamar de países em desenvolvimento – tinham níveis mais elevados de felicidade. Os países modernos e avançados eram ainda mais felizes. Há uma diferença entre os níveis de felicidade no mundo em desenvolvimento e no mundo desenvolvido, o que está conectado com escapar da pobreza absoluta. Mas quando chegamos ao mundo desenvolvido, retornamos a meu ponto original de que a pobreza absoluta não é o problema. O problema agora passou a ser os níveis relativos de renda dentro de uma sociedade, e é por isso que o crescimento econômico não está criando crescimento da felicidade e, portanto, não pode realmente ser a meta principal da sociedade moderna.
Dalai Lama: Ouvi as pessoas dizerem que se você comparar o nível de felicidade entre o povo da Grã-Bretanha e o povo de Cuba, o nível de felicidade é maior em Cuba. Por que isso acontece?
Richard Layard: Cuba é um país interessante, porque o nível de felicidade em Cuba é elevado comparado com aquele do país típico nesse nível de renda. Estou certo de que isso ocorre por causa do espírito mais cooperativo que foi estabelecido ali, mas claro que também houve outros limites que vinham da ausência de liberdade.
A felicidade tornou-se uma questão política que muitos países do mundo estão considerando. Por exemplo, na Grã-Bretanha, o escritório de estatística do governo está pensando em medir regularmente a felicidade da população como uma alternativa a medir o PIB, e isso está acontecendo em muitos outros lugares também. É um movimento internacional.
Entretanto, a pergunta continua: se queremos elevar o nível de felicidade, como fazemos isso? Penso que há dois componentes-chave. Um deles é nossa relação com os outros, e o outro é nossa vida interior. Ambos precisam estar presentes e ser atendidos. Quando falamos de relações entre pessoas, uma das questões essenciais é a confiança. Uma pergunta muito interessante que foi feita em muitos países ao longo de vários anos é: você acha que a maioria das outras pessoas são confiáveis? Nos países que mais confiam, que estão na Escandinávia, cerca de 70% das pessoas diz que sim, mas dentro da amostra dos países da OCDE, em alguns países, como Portugal, esse nível chega a ser de 10%. Assim, há uma variação muito ampla. Na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, costumava ser cerca de 60%, e agora caiu para cerca de 35%.
Dalai Lama: Creio que talvez não possamos generalizar sobre a Grã-Bretanha, ou sobre tal ou qual país. Penso que, dentro de um país, há uma diferença entre as pessoas nas grandes cidades e as pessoas do interior, onde há uma população menor, onde o estilo de vida está mais próximo da natureza, onde as pessoas trabalham na agricultura, por exemplo. Onde há uma nação menor, uma comunidade menor, um número menor de pessoas, creio que as relações pessoais podem ser mais fortes que em uma grande cidade.
Richard Layard: Esse é um fator importante, mas creio que essa ideologia também é um fator muito importante. Nos últimos trinta anos, houve um imenso crescimento do individualismo, e uma crença de que o que é certo para o indivíduo é tentar ser o mais bem-sucedido possível comparado com outras pessoas. Isso levou muitas pessoas a perceber os outros como uma ameaça, mais do que uma fonte de apoio. Assim, é uma mistura do estilo de vida e das crenças sobre as metas de vida que levam a diferenças no nível da confiança.
Gostaria de terminar com alguns pensamentos sobre como podemos melhorar a confiança e a vida interior. Um fator que está muito proximamente relacionado com a confiança é a igualdade de renda. Os países com os maiores níveis de confiança e, de fato, de felicidade, são os países nórdicos e os Países Baixos. Esses também são, entre os países da OCDE, aqueles de maior igualdade em termos de distribuição de renda. Quanto menos igual o país, mais baixo o nível de confiança.
Há obviamente uma relação aqui, mas não creio que a distribuição de renda em si mesma afete a confiança. Ao invés disso, penso que ambas as variáveis estejam sendo afetadas pelo espírito da igualdade e a força da visão de uma comunidade de que as pessoas deveriam respeitar umas às outras como iguais, com direitos iguais à felicidade. Isso está muito mais fortemente imbuído nos países nórdicos do que em qualquer outro lugar do mundo ocidental, e tem lá implicações em muitas áreas da vida.
A pergunta é, como podemos reconstruir nossas sociedades com uma base mais forte de respeito mútuo e olhar mútuo para os direitos iguais de cada pessoa para a felicidade? Creio que, na política social, as escolas são muito, mas muito importantes. Temos que usar as escolas para criar um etos de respeito mútuo. Na Inglaterra, temos agora um grupo de escolas que fornecem educação baseada em valores que estão tentando fazer isso, e temos programas bons, baseados em evidências, para melhorar as habilidades de vida. No trabalho, precisamos criar um espírito de cooperação dentro das equipes, não tentando individualizar a contribuição de cada membro da equipe e pagar a cada um diferentemente, mas pagando a todos com base na contribuição e realização de seu grupo.
Não sou especialista em vida interior, mas tenho me envolvido muito em tentar melhorar o apoio disponível a pessoas com problemas de saúde mental que são, creio, um dos grupos mais negligenciados em nossa sociedade. São negligenciados em parte porque as pessoas não estão conscientes do problema, e em parte porque não estão conscientes da existência de soluções. Há algumas evidências de que, na Grã-Bretanha, os problemas de saúde mental têm aumentado entre os jovens; mas também há evidências dos índices de sucesso de novas terapias psicológicas cientificamente avaliadas e baseadas em muitas ideias comuns ao pensamento budista, sobre olhar para si mesmo a partir de fora, compreender a si mesmo, promover o lado positivo de você mesmo, e assim por diante.
Só queria terminar, se for possível, com uma nova iniciativa com a qual estou envolvido. Estamos esperando transformar nossa cultura através de um movimento de massa chamado Ação para Felicidade, que estaremos lançando na Inglaterra muito em breve. Com sorte, outros farão o mesmo em outros lugares. A ideia é que tenhamos um manifesto em que as pessoas se comprometam a tentar produzir mais felicidade e menos miséria no mundo, em todas as coisas que fazem em privado e em público. Elas assinarão o manifesto no site da Web e, então, poderão formar grupos de pessoas que compartilham da mesma ideia. Claro que precisarão de apoio, portanto o site terá sugestões de dezenas de coisas que um grupo pode fazer para promover a paz interior ou a paz na sociedade externa. Também haverá uma estrutura de apoio a eventos, e assim por diante.
Dalai Lama: Acredito que isto é muito, muito encorajador. Até agora, as pessoas simplesmente enfatizaram a importância do desenvolvimento econômico, e toda sua energia física e mental têm se concentrado nisso. Recentemente, quando o primeiro-ministro indiano estava em Washington, ele disse que, no que se refere à economia, a Índia está atrás da China, mas a Índia tem outros valores: democracia, um judiciário independente, transparência, liberdade de expressão, informações livres. A Índia tem esses valores que estão faltando na China. Quando o ouvi trazendo a atenção para esses fatores, fiquei muito feliz.
Creio que agora, por exemplo, no G7, ou no G8, ou no G20, todos estão focados em questões econômicas; ninguém está prestando atenção a outros valores como felicidade ou satisfação, liberdade individual, cooperação genuína baseada na confiança e no respeito. Na minha visão, a cooperação genuína baseia-se muito, em última instância, em respeitar os direitos dos outros e amar aos outros.
Uma vez, encontrei um praticante Sufi que, em nosso encontro, disse apenas as seguintes palavras: “Eu preciso de você.” Creio que o mundo inteiro precisa desse tipo de conceito agora. Muitas vezes, digo às pessoas que devemos eliminar a noção de “eles”. “Nós” deveria ser suficiente; todo o mundo faz parte do nós. Isso não é necessariamente algum tipo de pensamento fora de moda, ou um esquecimento altruísta dos interesses próprios. Eu quero felicidade, então, para poder conseguir isso, eu preciso de você. Economicamente, em todos os níveis, nós precisamos de todos. Uma vez que desenvolvemos esse tipo de sentimento, esse tipo de visão, então a confiança virá. Primeiro, estendemos nossa mão ao outro. Algumas vezes, a resposta do outro pode não ser muito positiva; então temos o direito de reagir de acordo. Mas esperar que o outro estenda a mão, sem estender a sua primeiro, isso é errado. Devemos tomar a iniciativa; então penso que há mais chance de uma resposta positiva.
Realmente aprecio todo o foco de nossos participantes nos valores internos. Esse é meu principal interesse. Não apenas interesse – eu realmente sinto que é a coisa mais importante para se construir um mundo feliz. Uma vez que você considera o outro e respeita o outro, então também não há lugar para enganar, explorar ou fazer bullying, e a confiança vem, e também a competição em um bom sentido. Quero ser igual a meus amigos, a aqueles que são próximos a mim, então esse tipo de competição positiva está okay. Tentar impedir os outros ou criar obstáculos para chegar primeiro, isso é competição negativa, não é? Mas a competição positiva, eu acho, é muito boa.
Ernst Fehr: Creio que os dados que Ricardo nos mostrou sobre comparar a nós mesmos com os outros são realmente muito importantes. Comparamos a nós mesmos com os outros, nossos amigos, colegas e vizinhos, e a pesquisa mostrou que, se a renda deles aumenta, então nossa felicidade diminui. Esse é um fato muito chocante.
Na raiz disso está a comparação social; nossa felicidade depende do grau em que nos encontramos melhor que os outros em termos materiais. E aqui está o desafio: isso está incrustado na nossa biologia. Dados experimentais mostram que, se Bill e eu estamos envolvidos em uma tarefa e os dois somos bem-sucedidos, mas por algum motivo eu ganho $100 e Bill recebe $50, meu cérebro me diz que eu sou mais feliz do que quando eu ganho $100 e Bill também recebe $100. Esse é o processo de comparação social.
Isso significa que esse elemento está realmente em nossa biologia, o que nos diz que, se queremos fazer progressos nesse sentido, precisamos pensar em mudar as pessoas. Precisamos de ferramentas que mudem esse desejo de ser melhor que os outros, essa resposta de sofrimento quando os outros são bem-sucedidos. Isso traz uma outra nova dimensão, acredito, à iniciativa budista. Também é um desafio para nossas escolas. Além dos desafios institucionais, precisamos também pensar como reorganizamos a vida social, e a vida privada, para nos livrarmos dessas comparações sociais prejudiciais. Creio que isso não é possível sem uma mudança de personalidade.
Gert Scobel: Mas você não está dizendo que vamos conseguir mudar a biologia, está?
Ernst Fehr: Nem tudo no cérebro é pura biologia. O que vemos no cérebro com frequência é o resultado das experiências que temos na vida social. Quando digo “biologia”, não quero dizer que seja imutável, mas é algo profundamente arraigado em nosso cérebro. Se ele tiver mais sucesso do que eu tenho, então em meu cérebro basicamente soa um “bip”; meu sistema de recompensa mostra menos atividade. Isso é algo que devemos mudar através da prática, através da educação.
Dalai Lama: Faz sentido, porque a forma em que você pensa seria refletida no nível do cérebro. Na minha visão, colocamos muita ênfase e importância na matéria, ou no dinheiro. Acreditamos que o dinheiro é a fonte definitiva da felicidade. Mas se valorizarmos a felicidade interna, mesmo se eu for pobre, minha felicidade pode ser melhor que aquela de um bilionário. A atitude de toda nossa sociedade é enfatizar demais o valor das coisas materiais, e nunca prestar atenção suficiente aos valores internos. Creio que isso é um erro. Este trabalho, e mais discussão sobre estas coisas, está ajudando a criar mais consciência, para acrescentar mais dimensões à compreensão da felicidade humana.
Geralmente apenas nos focamos em dinheiro, dinheiro, dinheiro – e poder. Apenas nisso. Se as pessoas tiverem a ideia de que há outras fontes de felicidade, então prestarão mais atenção a essas coisas. Então, talvez, penso que haja possibilidade de mudança. Assim, estou muito impressionado de que vocês não estejam apenas falando, mas pensando em algum tipo de movimento, alguma ação. Precisamos disso. Obrigado.