A ética além da religião: a investigação científica na promoção da Ética Secular S. S. o Dalai Lama

“Qualquer resposta, baseada na religião, para o problema de nossa negligência dos valores internos não pode ser universal, e assim será insuficiente. O que nós precisamos na atualidade é uma abordagem para a ética, que não faça referência à religião e que seja igualmente aceitável para aqueles que tenham fé e os que não tenham: a ética secular.” — S. S. o Dalai Lama.

No vídeo abaixo, Sua Santidade o Dalai Lama fala sobre promoção da ética secular, com especial ênfase sobre o papel da investigação científica, durante sua palestra a um grupo de 200 monges e monjas budistas em Nagano, Japão no dia 20 de junho de 2010.

[Ative a legenda clicando no quadradinho no canto inferior direito do vídeo]

“A diferença entre ética e religião é como a diferença entre água e chá. Ética sem conteúdo religioso é a água, um requisito essencial para a saúde e a sobrevivência. A ética fundamentada na religião é o chá, uma mistura nutritiva e aromática de folhas de água, chá, especiarias, açúcar e, no Tibete, uma pitada de sal também. Mas, embora o chá seja preparado, o ingrediente principal é sempre água, Enquanto nós podemos viver sem chá, não podemos viver sem água. Da mesma forma, nascemos livres da religião, mas não nascemos livres da necessidade de compaixão.” — S. S. o Dalai Lama.

No vídeo abaixo, você poderá conferir uma conversa entre o Dalai Lama e Carl Sagan, a imagem esta bem ruim porém é possível compreender o áudio (legendado). Confira alguns trechos:

[Carl] Então deixe-me perguntar agora, se me permite, algumas perguntas sobre religião… O que acontece se a doutrina de uma religião, digamos o budismo, seja contrariada por algum achado, alguma descoberta na ciência, digamos, o que um crente no budismo faz nesse caso?

[Dalai Lama] Para os budistas isso não é um problema. O próprio Buda deixou claro que o importante é a sua própria investigação. Você deve conhecer a realidade, não importa o que a escritura diz.

No caso de você encontrar uma contradição, em oposição a explicação das escrituras, então você deve confiar na descoberta em vez da escritura.

[Carl] Isso não é muito parecido com a ciência?

[Dalai Lama] Sim, isso mesmo. Então eu acho que o conceito budista básico é que no início vale mais a pena permanecer cético. Em seguida, realizar experimentos através de meios externos, bem como meios internos.

Se através da investigação as coisas se tornarem claras e convincentes, então é hora de aceitar ou acreditar. Se, por meio da ciência, existir prova de que após a morte não há continuidade da mente humana, ou continuidade da vida; se isto for provado, então teoricamente falando, os budistas terão de aceitar isso.

Confira também, este trecho de ensinamentos do Dalai Lama publicado no site Berzin Archives:

A Ética Além da Religião

Sua Santidade o XIV Dalai Lama
Friburgo, Suíça, Abril de 2013
Levemente editado por Alexander Berzin

Desvantagens em Enfatizar as Diferenças Secundárias

Queridos irmãos e irmãs, estou extremamente feliz por essa oportunidade de falar com vocês. Primeiramente, eu gosto sempre de deixar claro que, quando dou palestras às pessoas, por favor, pensem em si como um ser humano. Isso é dizer, por exemplo, não pense “eu sou suíço”, “eu sou italiano”, ou “eu sou francês”. Meu tradutor não deveria pensar que é francês! Eu também não devo pensar que sou tibetano. Além disso, eu não deveria pensar em mim como budista, porque geralmente nas minhas palestras, a base do caminho para viver uma vida feliz e menos perturbada está em ser um ser humano.

Cada um dos sete bilhões de seres humanos deseja uma vida feliz, e cada um tem todo o direito de atingir esse objetivo. Se nós enfatizamos diferenças secundárias como “eu sou tibetano”, então isso faz parecer que estou mais preocupado com o Tibete. Além disso, “eu sou budista” gera algum tipo de sentimento de proximidade com outros budistas, mas automaticamente cria algum tipo de distância de outras fés.

Na verdade, esse tipo de visão é fonte de problemas, incluindo os muitos problemas e a imensa violência que os seres humanos têm enfrentado no passando e que continuam a enfrentar no século XXI. Violência nunca acontece se você considerar as outras pessoas como seres humanos, assim como você. Não há razão para matar um ao outro; mas quando nós nos esquecemos da humanidade como una, e ao invés disso nos concentramos nas diferenças secundárias como “minha nação” e “a nação deles”, “minha religião” e a “religião deles”, nós criamos distinções e nos preocupamos mais com o nosso próprio povo e seguidores da nossa religião. Assim, nós desconsideramos os direitos dos outros e temos nenhum respeito pelas vidas dos outros. Muitos dos problemas que enfrentamos hoje emergem dessa base, de colocar demasiada ênfase e importância em diferenças secundárias.

Agora, o único remédio para isso é pensarmos logicamente em nós mesmos como sendo seres humanos, sem demarcações ou barreiras. Quando dou palestras, por exemplo, se eu me considerar budista tibetano e, talvez, ainda mais, se eu pensar em mim mesmo como “Sua Santidade o Dalai Lama”, isso cria certo tipo de distância entre mim e a audiência, o que é tolice. Se eu estou sinceramente preocupado com o seu bem-estar, tenho que falar com você no nível de sermos irmãos e irmãs humanos, os mesmos seres humanos assim como eu. Na verdade, nós somos o mesmo: mentalmente, emocionalmente e fisicamente. E mais o importante, todos querem uma vida feliz sem nenhum sofrimento, e eu sou o mesmo, então vamos conversar nesse nível.

Ética Laica

A ética laica está muito relacionada a fatores biológicos, mas fé religiosa é algo que só os seres humanos têm. Entre a humanidade a fé se desenvolveu, mas certamente não é um fator biológico. A ética secular abrange toda a população de sete bilhões de seres humanos. Como eu mencionei ontem, de sete bilhões de pessoas, um bilhão formalmente afirmou que é cética, e se pensarmos, dos seis bilhões que supostamente acreditam, existem tantas pessoas corruptas. Há escândalos, exploração, corrupção, traição, mentira e bullying. Isso, eu acredito, é devido à falta de genuína convicção nos princípios morais. Então, até a religião é usada para propósitos errados. Se eu mencionei isso ontem ou não, às vezes eu realmente sinto que a religião nos ensina como agir hipocritamente. Nós dizemos coisas boas como “amor” e “compaixão”, mas na realidade não agimos de acordo, e há muita injustiça.

A religião fala sobre essas coisas boas em uma espécie de maneira tradicional, mas não de um jeito que realmente se conecta ao seu coração. Isso acontece porque falta às pessoas os princípios morais, ou a falta de convicção sobre o valor dos princípios morais. Independente de a pessoa ser crente ou cética, nós precisamos pensar mais seriamente em como educar as pessoas sobre esses princípios morais. Então, em cima disso, você pode adicionar a religião, e isso se torna uma verdadeira e genuína religião. Todas as religiões, como eu mencionei ontem, falam sobre esses valores.

Desenvolvendo Desapego no Próprio Campo

No século passado, enquanto às pessoas matavam uma à outra, ambos os lados estavam rezando para Deus. Difícil! Ainda hoje, às vezes, você vê conflitos em nome da religião, e eu acho que ambos os lados rezam para Deus. Às vezes eu brinco, dizendo que parece que Deus está confuso! Como Ele poderia decidir, com os dois lados rezando para Ele, procurando alguma forma de benção? É difícil. Uma vez na Argentina, durante uma discussão com cientistas e alguns líderes religiosos, embora não tenha sido um encontro inter-religioso, conheci um físico com o nome de Maturana. Ele era professor do já falecido Varela e eu já havia o conhecido anteriormente na Suíça, e então na Argentina, mas nunca mais desde então. Durante sua palestra, ele mencionou que, como físico, não deveria desenvolver apego em relação à sua própria área científica. Então, essa foi uma afirmação maravilhosa e sábia que eu aprendi.

Eu sou budista, mas não devo desenvolver apego com relação ao budismo porque apego é uma emoção negativa. Quando você desenvolve apego, sua visão se torna tendenciosa. Uma vez que sua mente se torna tendenciosa, você não consegue ver as coisas objetivamente.

É por isto que acho que, na maioria das vezes, para aqueles envolvidos em conflitos em nome da religião a verdadeira razão não é a fé religiosa, mas sim interesses econômicos ou políticos.

Mas em alguns casos, como os de fundamentalistas, eles se tornam tão apegados à sua própria religião e então, por causa disso, não podem ver o valor de outras tradições.

A afirmação de Maturana foi um grande conselho para mim. Como resultado de me encontrar com muitas pessoas, eu admiro muitas outras tradições e, claro, espero não ser fundamentalista ou fanático. Às vezes eu menciono que uma vez estive em Lurdes, no sul da França. Fui como um peregrino, e, na frente de uma estátua de Jesus Cristo eu bebi um pouco de água. Eu estava na frente da estátua e refleti na minha mente, sobre o que tinha ouvido, que milhões de pessoas ao longo dos séculos que visitaram esse lugar, procurando conforto, com algumas pessoas doentes, que através de sua fé e algum tipo de benção foram curadas. Então eu refleti sobre essas coisas e tive alguma forma de sentimento profundo de apreço pelo cristianismo, as lágrimas quase vieram. E então, em outra vez, aconteceu uma coisa estranha em Fátima, Portugal. Cercado por católicos e cristãos, nós fizemos um pequeno período de meditação silenciosa na frente de uma pequena estátua de Maria. Quando eu e todos os outros estávamos para ir embora, me virei para trás e a estátua de Maria estava realmente sorrindo para mim. Eu olhei de novo e de novo, e sim, ela estava sorrindo. Eu senti que Maria parecia ter algum tipo de reconhecimento pelo meu caminho não sectário! Se eu tivesse passado mais tempo com Maria discutindo filosofia, no entanto, talvez algo mais complicado pudesse ter surgido!

De qualquer forma, até o apego pela sua própria fé não é bom. Às vezes a religião causa conflitos e divisões, e isso é um assunto um tanto sério. A religião é, supostamente, um método de aumentar a compaixão e o perdão, que são os remédios para a raiva e o ódio. Então, se a própria religião criar maior ódio contra as outras fés religiosas, é como um suposto remédio para curar a doença, mas que, ao invés disso, causa mais doença. O que fazer? Todas essas coisas tristes existem, essencialmente, devido à falta de convicção nos princípios morais, por isso eu acredito que nós precisamos de várias práticas e fatores, de modo a fazer um verdadeiro esforço para promover a ética secular.

Secularismo e Respeito pelos Outros

Agora, sobre ética laica. Eu conhecia o ex-vice-primeiro-ministro indiano, Advani, muito bem. Em uma ocasião ele mencionou que uma equipe de televisão canadense o entrevistou e perguntou qual era a base para a prática bem-sucedida da democracia na Índia. Ele respondeu que, por milhares de anos na Índia, a tradição foi de sempre respeitar os outros, apesar de argumentos e visões diferentes. Ele me contou que por volta de 3.000 anos atrás, o Charvaka, ou visão filosófica “niilista” se desenvolveu na Índia. Os representantes de outras visões filosóficas indianas os criticaram e condenaram seu ponto de vista, mas ainda se referiam aos representantes do Charvaka como “rishi”, que significa sábio. Esse é um indício de que, apesar dos desentendimentos ou discussões acaloradas, ainda havia respeito. Significa que nós também devemos respeitar os céticos.

Ontem eu disse que alguns dos meus amigos, alguns cristãos e alguns muçulmanos, têm um pouco de reserva com a palavra “secularismo”. Eu acho que é porque, durante a Revolução Francesa ou Revolução Bolchevique, houve uma tendência a ser contra a religião. Mas eu quero fazer uma clara distinção entre religião e instituições religiosas, que são duas coisas diferentes. Como qualquer pessoa sensata pode ser contra a religião? Religião significa amor e compaixão, e ninguém pode criticar essas coisas. As instituições religiosas são, porém, algo diferente. Durante as Revoluções Francesa e Bolchevique, em ambos os casos as classes dominantes realmente abusavam das massas. Além do mais, a classe dominante também recebia total apoio das instituições religiosas, e então, logicamente, de modo a desenvolver uma determinação contra essa classe dominante, foi incluído ser contra as instituições religiosas também. Portanto, houve alguma forma de tendência a ser contra a religião ou Deus.

Ainda hoje, se houver algum tipo de exploração ocorrendo dentro de instituições religiosas, incluindo a comunidade budista tibetana, nós temos que ser contra isso. Minha experiência própria é de que há dois anos eu terminei com a tradição de 400 anos de que o Dalai Lama automaticamente se torna líder espiritual e temporal dos tibetanos. Eu acabei com ela, voluntariamente, feliz e orgulhoso. Coisas como essas na realidade danificam o verdadeiro valor da religião, ou do Dharma. Assim, nós devemos fazer a distinção entre as instituições religiosas, e as reais práticas e mensagens religiosas.

De acordo com o entendimento indiano de secularismo, nunca há um sentimento de negatividade com relação à religião, mas bastante respeito por todas as religiões, e também respeito por todos os céticos. Eu acho isso muito sábio. Como podemos promover isso? Através da pregação? Não. Então, certamente através da prece? Não. Mas através da educação, sim. Nós recebemos educação sobre higiene física, então por que não receber educação sobre higiene mental ou emocional, simples conhecimentos de como cuidar de uma mente saudável? Não há necessidade de falar sobre Deus ou a próxima vida, ou sobre Buda ou nirvana, mas simplesmente sobre como se tornar uma pessoa feliz com a mente. Uma pessoa feliz gera uma família feliz, que gera uma comunidade feliz. Logo, eu acho que nós precisamos de algumas lições sobre higiene emocional.

Higiene Emocional

O que é higiene emocional? Significa tomar conta de fatores que destroem sua calma mental, ou sua paz de espírito. Esses fatores são como doenças mentais, porque essas emoções negativas não só destroem sua pacífica e saudável mente, como também destroem sua habilidade mental para julgar a realidade. Isso causa muito dano porque quando você está com muita raiva, você não consegue ver a realidade, e sua mente se torna estreita. Também com o apego, você não consegue ver a realidade corretamente. Isso é uma doença da mente. A própria natureza da mente é consciência e então qualquer forma de fator mental que reduza essa capacidade de consciência é uma coisa negativa.

Higiene emocional é, portanto, a diminuição desses tipos de emoções e a manutenção de sua habilidade mental para a clareza e calma, que constitui uma mente saudável. De modo a fazer isso, nós devemos primeiramente cultivar e desenvolver o interesse em fazê-lo. Sem nenhum interesse, você não pode forçar as pessoas a fazê-lo. Nenhuma lei ou constituição pode forçar as pessoas a fazê-lo. Tem de vir através do entusiasmo individual, que só vem quando você vê o valor em fazê-lo. E são sobre esses valores que nós podemos ensinar.

Descobertas Científicas sobre a Mente e Emoções

Agora nós podemos olhar para a ciência. Antes a ciência moderna focava na matéria, da qual você pode tirar medidas. Eu acho que na parte final do século XX e agora, no começo do século XXI, mais e mais cientistas estão realmente mostrando interesse na mente e suas emoções, porque existe uma conexão muito próxima entre a mente e as emoções quando se trata da saúde. Alguns cientistas estão dizendo “mente sã, corpo sã”. Cientistas médicos também dizem que o medo, raiva e ódio constantes, na verdade, comem fora nosso sistema imunológico, enquanto uma mente mais compassiva basicamente sustenta e pode até melhorar um corpo saudável. Obviamente, sabemos que, para aquelas pessoas que são mentalmente felizes, os efeitos positivos para seus corpos são imensos.

Reconhecendo o Positivo em Situações Negativas

Na minha própria vida, aos 16 anos, eu assumi muitas responsabilidades, e a situação tornou-se muito difícil. Então, na idade de 24, perdi meu próprio país e agora tenho vivido a maior parte de minha vida como um refugiado. Nesse meio tempo, tem havido muito sofrimento e problemas dentro do Tibete, e as pessoas colocam muita esperança e confiança em mim. Mas eu não posso fazer muito. Entretanto, minha paz de espírito me permitiu ver tudo isso de modo mais realista. Como disse Shantideva, se as dificuldades podem ser superadas, então não há necessidade de ser preocupar. E, se há uma situação difícil sem nenhuma possibilidade de ser superada, então não faz sentido em se preocupar demais. Isso é bem realista, então eu pratico essas coisas.

É importante olhar as coisas de maneira mais realista, e também enxergar que todas as coisas são relativas. O que quer que aconteça, pode haver algum efeito positivo. No meu próprio caso, me tornei um refugiado, mas por causa disso, eu tenho tido a oportunidade de me encontrar com muitas pessoas e aprender sobre diferentes pontos de vista. Conheci mendigos, líderes, acadêmicos de diferentes campos, e pessoas que são contra a religião. Isso é muito útil, já que se eu tivesse permanecido dentro do Tibete, penso que meu conhecimento seria metade do que é hoje. Então, de certa forma, é uma grande tragédia, mas por outro lado, trouxe muitas boas oportunidades. Se olharmos por vários ângulos, então nos sentiremos bem. Coisas ruins podem acontecer, mas pode haver algumas coisas boas nelas.

O povo tibetano, no passado, esteve um pouco isolado, mas agora seu pensamento é muito mais amplo. Através dos séculos, os tibetanos estavam vivendo em um estado como o do sono, mas agora eles acordaram. Isso é bom! Então veja, se você olhar de ângulos diferentes, pode encontrar coisas positivas. Isso é de uma ajuda imensa na manutenção da paz de espírito. Hoje em dia, muitos dos meus velhos amigos falam em como meu rosto ainda parece jovem, quando encontro-os, e algumas dessas pessoas perguntaram meu segredo. Eu geralmente os digo que oito ou nove horas de sono ajuda para a paz de espírito. Na verdade, esse é um fator, mas o que é de benefício real é se nossa mente e estados mentais são comparativamente quietos e calmos.

Uma mente calma inclusive te ajuda a se recuperar de coisas como uma cirurgia médica. Quando fiz uma cirurgia na minha vesícula biliar, foi realmente muito sério. Mais tarde, o cirurgião me disse que a operação leva de 15 a 20 minutos, mas meu caso foi tão sério que foi preciso quase 3 horas, porque minha vesícula biliar estava quase duas vezes o tamanho normal, com muito pus. Mas, então, eu me recuperei no prazo de cinco dias, simplesmente assim. Por isso, uma mente calma e atitude otimista realmente ajudam na manutenção de um corpo saudável, e assim, mesmo se alguma coisa der errado, você se recuperará mais rapidamente. Paz de espírito realmente é um fator muito importante para a boa saúde.

Beleza Interior vs Beleza Exterior

Também irei mencionar aqui, meio brincando e meio implicando, que algumas jovensgostam de gastar um tanto de dinheiro em cosméticos. Algumas mulheres usam diferentes cores em seus rostos – azul, verde, e outras. Não fica muito bom, mas elas acham que é muito bonito! As pessoas parecem prestar mais atenção à beleza exterior. Numa palestra pública outro dia, uma mulher tinha cabelo azul, o que era muito incomum. Então, é claro, eu impliquei com ela e disse que o cabelo azul não é necessariamente bonito! Obviamente, a beleza exterior é importante, mas a coisa mais importante é a beleza interior. Àquelas senhoras que gastam muito dinheiro na beleza exterior, por favor, prestem mais atenção à sua beleza interior, que é muito melhor!

A Mente e as Emoções como um Assunto Acadêmico

Nós estamos falando sobre descobertas científicas. A verdadeira paz de espírito é crucial. A base para a paz de espírito é a autoconfiança e a força interior, que vêm da prática do amor e da compaixão, com um sentimento de respeito pelos outros e preocupação pelo seu bem-estar. Isso é ética secular.

Do jardim de infância até à universidade, nós podemos educar sobre a mente e em como cuidar de nossas emoções. O assunto é vasto, e existem muitas explicações sobre nossa mente e emoções, e a conexão entre elas. Nós podemos ver um tipo de relação de causa e efeito, em que se alguma coisa acontece em uma parte da mente, outra coisa acontece em outro lugar. Então, para lidar com isso, nós precisamos seriamente considerar o modo pelo qual a mente e o todo o cérebro estão conectados.

Esse vasto assunto realmente vale a pena, academicamente. Nos últimos dois anos, nos Estados Unidos, cientistas vêm realizando experimentos com base nessa informação, e alguns resultados um tanto quanto concretos têm surgido. Como resultado, existem agora programas educativos ensinando sobre ética secular. Agora nós também estamos comprometidos para a criação de um projeto curricular sobre a ética moral, baseado no secularismo, o que pode se encaixar no campo da educação secular.

O público, em particular os educadores e pensadores aqui, deve pensar mais sobre isso e se surgir uma oportunidade, deve realizar algumas discussões sobre o assunto. Atualmente, parecem faltar lições sobre a ética moral no sistema educacional, assim, a maioria das pessoas depende dos ensinamentos religiosos para isso. É claro que isso é bom, mas também existem aqueles que não têm interesse em religião, e acham difícil aceitar conceitos religiosos. Isso dificulta. Portanto, nós precisamos encontrar um caminho laico, que é universalmente aceitável.

Terminei. Agora algumas perguntas.

Perguntas

Pergunta: Sua Santidade, no seu último comentário você tocou na questão sobre a qual eu iria perguntar, mas de modo a conseguir uma resposta completa, eu vou perguntar de novo, se você não se importa. Com relação ao ensino da ética secular nas escolas e universidades, você está trabalhando para desenvolver um programa de ensino adequado para qualquer um? Se sim, você tem alguma instituição educacional ou financeira para te apoiar?

Sua Santidade: Na Índia, com a ajuda de algumas universidades em Délhi, nós já começamos a trabalhar para criar um projeto curricular, como eu mencionei antes. Assim, também temos o Mind and Life Institute. E nos Estados Unidos, membros autônomos em seus próprios campos, em lugares como Universidade de Wisconsin, Universidade Emory, Universidade Stanford e assim por diante, já estão realizando educação com ética secular. E essa instituição que já se expandiu na Europa. Em breve queremos criar uma instituição em Délhi. Até agora, estivemos simplesmente trabalhando nisso. Uma vez que o currículo estiver pronto, então talvez possamos treinar alguns professores, e alguma coisa acontecerá. Talvez valerá a pena, veremos.

Pergunta: Sua Santidade, eu amo o planeta e tudo que o compõe, a terra e as plantas e animais, e a nós, humanos fascinantes. Mas esses humanos estão sempre destruindo o planeta, com talvez coisas muito pequenas e simples como comprando garrafas plásticas, e então coisas maiores e mais importantes, como desflorestamento. Eu sei que devo ser paciente, mas quando vejo isso, quando vejo que a vida está morrendo e sofrendo, há muita raiva vinda do meu estômago e eu quero lutar. Então minha pergunta é: existe raiva saudável? Posso eu lutar com amor?

Sua Santidade: Como eu mencionei anteriormente, a raiva está relacionada com a motivação. Então a raiva gerada por preocupação por uma coisa ou alguém é uma coisa, e a raiva motivada com ódio é algo muito diferente.

Pergunta: Sua Santidade, obrigado por estar aqui. É maravilhoso te ver e te ouvir. Eu tinha uma pergunta muito simples. Se você tivesse tempo livre amanhã para fazer qualquer coisa, o que gostaria de fazer? Obrigado.

Sua Santidade: Geralmente, sempre que tenho tempo, eu leio as escrituras budistas, principalmente em tibetano. No budismo tibetano, temos cerca de 300 volumes. 100 volumes são as palavras do próprio Buda, quase como uma Bíblia. Então temos outros 200 volumes de comentários. Assim, estou sempre dizendo aos tibetanos que esses não são apenas objetos de adoração, mas são textos a serem estudados. Enquanto eu digo isso às outras pessoas, eu mesmo também tento ler esses livros. Eu acho que, dos 300 volumes, eu talvez tenha lido até hoje 30-40 volumes. Então, muitos livros ainda para estudar. E, talvez, se eu tiver dois dias de lazer, então eu gostaria de ir a uma área de montanhas cobertas de neve. Eu iria gostar de ver mais neve!

Pergunta: Sua Santidade, você tem falado sobre os seis bilhões de fiéis e o provável um bilhão de ateus no planeta. Tenho a impressão de que existe um terceiro grupo de pessoas que não se sentem mais realmente em casa dentro da religião tradicional e institucionalizada, mas que tampouco são ateus, e estão procurando espiritualidade além da religião institucionalizada. Qual é o seu conselho para eles?

Sua Santidade: Anos atrás em Estocolmo, eu conheci um pequeno grupo de pessoas. Eles não favoreciam tradições ou religiões existentes, mas ainda estavam procurando alguma forma de espiritualidade. Sim, existe esse tipo de pessoa. Entretanto, eu descobri que o que vocês chamam de “nova era”, ou pegar partes daqui e dali e criar uma grande mistura, não é muito útil!

Eu penso que é bom não apenas satisfazer suas necessidades materiais, mas tentar achar valores mais profundos é muito bom. Vale a pena analisar nossas vidas, e ver que nossa felicidade não vem de alguma forma de satisfação sensorial. É como, quando uma música está tocando, você está satisfeito, mas quando a música para, não há mais satisfação. No nível mental, ter um tremendo sentimento ou fé ou compaixão – a satisfação que vem disso é muito mais duradoura.

Questão: O que é, para você, a coisa mais importante na vida humana?

Sua Santidade: Eu estou sempre dizendo às pessoas que o propósito da nossa vida é ter uma vida feliz. Agora, de modo a alcançar felicidade ou a alegria, isso não deveria depender de faculdades mentais ou experiências, mas deveria sim depender do nosso estado mental. Então, como eu geralmente digo, devemos prestar mais atenção aos nossos valores interiores. Muito obrigado.

“Se não tivermos uma mente calma, isto resultará em problemas na nossa educação. Se nossa mente não está calma e feliz, fica muito difícil aprender. Então, uma mente calma nos ajuda a executar qualquer trabalho em qualquer profissão, incluindo na política. Resumindo, a calmosidade da mente leva à auto-confiança e, com esta auto-confiança, somos capazes de enxergar a realidade mais claramente e, baseado nisto, desenvolver mais e mais um coração acolhedor.

Estes são os princípios básicos da ética secular e a chave para a arte da felicidade.” — S. S. o Dalai Lama.

Neste contexto, vale a pena conferir também, este programa sobre a ciência da compaixão com o Matthieu Ricard, um dos nomes mais conhecidos que vem colaborando nas pesquisas científicas sobre meditação e compaixão, membro do Mind & Life Institute; ele é o entrevistado de Eduardo Punset no programa 60 intitulado “A Ciência da Compaixão“, da espanhola Redes Educación. O tema é a compaixão e o altruísmo verdadeiro como natureza humana intrínseca, que Matthieu Ricard defende contra a crença que as pessoas são intrinsecamente más, um dogma não apenas de parte da ciência, mas de campos da psicologia e da economia, como explica Ricard na entrevista. “Dizer que o altruísmo verdadeiro não existe é uma besteira”, afirma ele.

“Para além de meditar sobre a compaixão, temos que levá-la à ação”. — Matthieu Ricard

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