A VACUIDADE: A REALIDADE ALÉM DA REALIDADE

TUDO É VACUIDADE.

O SENSO DE ABERTURA QUE AS pessoas vivenciam quando repousam suas mentes é conhecido nos termos do budismo como vacuidade, que é provavelmente uma das palavras mais mal-entendidas da filosofia budista. Já é difícil para os próprios budistas compreender o termo, mas os leitores ocidentais têm ainda mais dificuldade, já que muitos dos primeiros tradutores dos textos budistas em sânscrito e tibetano interpretavam a vacuidade como “o Vazio” ou o nada – erroneamente relacionando a vacuidade com a idéia de que nada existe. Nada estaria mais longe da verdade que o Buda buscava descrever. Apesar de o Buda de fato ter ensinado que a natureza da mente — na verdade, a natureza de todos os fenômenos — é a vacuidade, ele não quis dizer que sua natureza fosse verdadeiramente vazia, como um vácuo. Ele disse que ela era vacuidade, termo que, em tibetano, é composto de duas palavras: tong-pa-nyi. A palavra tongpa significa “vazio”, mas somente no sentido de algo além de nossa habilidade de perceber com nossos sentidos e nossa capacidade de conceitualizar. Talvez uma tradução melhor fosse “inconcebível” ou “que não pode ser nomeado”. A palavra nyi, por sua vez, não tem nenhum significado específico no vocabulário tibetano cotidiano.

 Mas, ao ser agregada a outra palavra, ela transmite um senso de “possibilidade” — um senso de que tudo pode surgir, tudo pode acontecer. Então, quando os budistas falam da vacuidade, eles não querem dizer “o nada”, mas sim um potencial ilimitado que algo tem de surgir, mudar ou desaparecer.

 Talvez possamos usar, neste ponto, uma analogia com o que os físicos contemporâneos aprenderam sobre os estranhos e maravilhosos fenômenos que observam quando examinam o funcionamento interno de um átomo. De acordo com os físicos com os quais conversei, a base de todos os fenômenos subatômicos é muitas vezes chamada de estado de vácuo, o estado de menor energia no universo subatômico. No estado de vácuo, as partículas continuamente aparecem e desaparecem. Assim, apesar de aparentemente vazio, esse estado é, na verdade, muito ativo, repleto do potencial de produzir alguma coisa, qualquer coisa. Nesse sentido, o vácuo compartilha certas características com a “qualidade vazia da mente”. Assim como o vácuo é considerado “vazio”, mas, ao mesmo tempo, é a fonte da qual toda espécie de partículas surge, a mente é essencialmente “vazia” no sentido de que desafia a descrição absoluta. Entretanto, todos os pensamentos, emoções e sensações perpetuamente surgem a partir dessa base indefinível e incompletamente conhecida.

Como a natureza de sua mente é a vacuidade, você possui a capacidade potencialmente ilimitada de vivenciar uma variedade de pensamentos, emoções e sensações. Mesmo os mal-entendidos sobre a vacuidade não passam de fenômenos que surgem da vacuidade!

 Um simples exemplo pode ajudá-lo a obter algum entendimento da vacuidade em um nível experimental. Alguns anos atrás, um estudante me procurou pedindo ensinamentos sobre a vacuidade. Dei-lhe as explicações básicas e ele pareceu bem satisfeito — eletrizado, até.

“Isso é tão legal!”, ele exclamou ao final de nossa conversa.

Minha própria experiência me ensinou que a vacuidade não é tão fácil de entender depois de uma lição, então sugeri que ele passasse os próximos dias meditando sobre o que aprendera.

Alguns dias depois, o aluno chegou sem aviso no lado de fora do meu quarto com uma expressão de horror no rosto. Pálido, arqueado e tremendo, ele entrou no quarto vacilante, como alguém que estivesse testando o chão à sua frente para ver se não se tratava de areia movediça.

Quando finalmente parou na minha frente, ele disse: “Rinpoche, você me disse para meditar sobre a vacuidade. Mas, na noite anterior, me ocorreu que, se tudo é vacuidade, então o prédio inteiro é vacuidade, o piso é vacuidade e o chão embaixo do piso é vacuidade. Se esse é o caso, por que todos nós não afundamos e caímos nas profundezas de um buraco no chão?”

Eu esperei até que ele terminasse de falar. Então, perguntei: “Quem cairia?”

 Ele pensou a respeito por um momento e sua expressão mudou completamente. “Ah”, ele exclamou, “entendi! Se o prédio é vacuidade e as pessoas são vacuidade, não há ninguém para cair e nada por onde cair”.

Ele soltou um longo suspiro, seu corpo relaxou e a cor voltou a seu rosto. Então, sugeri que ele voltasse a meditar sobre a vacuidade com essa nova compreensão.

Dois ou três dias depois, ele retornou a meu quarto sem aviso. Novamente pálido e trêmulo, ele entrou no quarto e parecia bem evidente que estava fazendo o máximo de esforço para prender a respiração, com medo de expirar o ar.

Sentando-se na minha frente, ele disse: “Rinpoche, meditei sobre a vacuidade como você instruiu e entendi que, da mesma forma como o prédio e o chão são vacuidade, também sou vacuidade. Mas, à medida que me mantive seguindo essa linha de meditação, continuei me aprofundando cada vez mais, até que não fui mais capaz de ver ou sentir nada. Se eu não for nada além de vacuidade, tenho medo de morrer. Por isso corri para vê-lo hoje. Se eu for só vacuidade, então basicamente não sou nada, e não há nada para impedir que eu me dissolva no vazio.”

Quando vi que ele havia terminado, perguntei: “Quem se dissolveria?”

Esperei alguns momentos para que ele absorvesse a questão e pressionei mais um pouco: “Você está confundindo vacuidade com vazio. Quase todo mundo comete o mesmo erro no começo, tentando compreender a vacuidade como uma idéia ou um conceito. Eu mesmo cometi esse erro. Não há como entender a vacuidade conceitualmente. Você só pode reconhecê- la de fato por meio da experiência direta. Não estou pedindo que você acredite em mim. Tudo o que estou dizendo é que, nas próximas vezes em que você se sentar para meditar, deve perguntar a si mesmo: ‘Se a natureza de tudo é a vacuidade, quem ou o que pode dissolver-se? Quem ou o que nasce e quem ou o que pode morrer?’ Tente isso e você pode se surpreender com a resposta.”

Com um suspiro, ele concordou em tentar de novo.

 Vários dias mais tarde, ele voltou a meu quarto, sorrindo tranqüilamente ao anunciar: “Acho que estou começando a entender a vacuidade.

Eu pedi que me explicasse.

 “Segui suas instruções e, depois de meditar sobre o assunto por um longo tempo, percebi que a vacuidade não é o nada, porque deve haver algo antes de haver o nada. A vacuidade é tudo — todas as possibilidades da existência e da não-existência imagináveis ocorrendo simultaneamente. Assim, se a sua verdadeira natureza for a vacuidade, então não se pode dizer que alguém realmente morre e não se pode dizer que alguém realmente nasce, porque a possibilidade de ser de certa forma e não ser de certa forma está presente dentro de nós em todos os momentos.”

 “Muito bem”, eu disse. “Agora esqueça tudo o que você acabou de dizer, porque, se tentar lembrar-se exatamente disso, transformará tudo o que aprendeu em um conceito e precisaremos começar tudo de novo.”

 

O SIGNIFICADO DE VACUIDADE

“Vacuidade” é uma tradução aproximada do termo sânscrito shunyata e do termo tibetano tongpa-nyi. O significado básico da palavra sânscrita shunya é “zero”, enquanto a palavra tongpa em tibetano significa “vazio”, não no sentido de um vácuo ou espaço vazio, mas sim no sentido de que a base da experiência está além da nossa capacidade de perceber com nossos sentidos ou de ser capturada em um belo e bem arranjado conceito. Talvez uma melhor compreensão do sentido profundo da palavra pode ser “inconcebível” ou “inominável”.

Assim, quando os budistas falam sobre a vacuidade como a base do nosso ser, não queremos dizer que quem ou o que somos não é nada, é um zero, esse é um ponto de vista que pode dar lugar a uma espécie de cinismo. Os verdadeiros ensinamentos sobre a vacuidade implicam em um espaço infinitamente aberto, que permite a qualquer coisa aparecer, mudar, desaparecer e reaparecer. O significado básico de vacuidade, em outras palavras, é a abertura, ou potencial. No nível básico de nosso ser, nós somos “vazios” de características definidas.

Tsoknyi Rinpoche, from The Best Buddhist Writing 2013

 

DUAS REALIDADES: A ABSOLUTA E A RELATIVA

  A maioria de nós precisa de tempo para contemplar e meditar a fim de  compreender a vacuidade. Quando ensino esse assunto, uma das primeiras  perguntas que normalmente me fazem é: “Bem, se a base da realidade é a  vacuidade, de onde vêm todas as coisas?” Trata-se de uma boa pergunta e, na  verdade, uma questão muito profunda. Mas o relacionamento entre a  vacuidade e a experiência não é tão simples — ou, melhor, é tão simples que é  fácil passar despercebido. Na verdade, é fora do potencial ilimitado da  vacuidade que os fenômenos — um termo genérico que inclui pensamentos, emoções, sensações e até objetos materiais — podem surgir, movimentar-se, mudar e, no final, desaparecer.

 

Em vez de entrar em uma discussão sobre a mecânica quântica — o ramo contemporâneo da física que analisa a matéria nos níveis atômico e subatômico —, que admito não ser minha área de especialidade, descobri que a melhor maneira de descrever esse aspecto da vacuidade é voltar à analogia do espaço conforme entendido na época do Buda – um amplo espaço aberto que não é nada em si mesmo, mas sim um pano de fundo infinito e não-caracterizado sobre o qual e por meio do qual galáxias, estrelas, planetas, animais, seres humanos, rios, árvores e assim por diante surgem e se movimentam. Na ausência do espaço, nenhuma dessas coisas poderia parecer distinta ou individual. Não haveria espaço para elas, nenhum pano de fundo sobre o qual elas pudessem ser vistas. Estrelas e planetas só podem surgir, vagar e dissolver-se sobre o pano de fundo do espaço. Nós mesmos podemos ficar de pé, nos sentar e entrar e sair de uma sala somente por causa do espaço que nos cerca. Nossos próprios corpos são repletos de espaço: as aberturas externas que nos permitem respirar, deglutir, falar e assim por diante, bem como o espaço dentro de nossos órgãos internos, como os pulmões, que se abrem e fecham à medida que inalamos e exalamos. Um relacionamento similar existe entre a vacuidade e os fenômenos. Sem a vacuidade, nada poderia surgir; na ausência dos fenômenos, não poderíamos vivenciar os fundamentos da vacuidade a partir dos quais tudo surge. Então, em certo sentido, é necessário dizer que há um relacionamento entre a vacuidade e os fenômenos. Mas há também uma distinção importante. A vacuidade, ou possibilidade infinita, é a natureza absoluta da realidade. Tudo o que surge da vacuidade — estrelas, galáxias, pessoas, mesas, lâmpadas, relógios e até mesmo sua percepção de tempo e espaço — é uma expressão relativa da possibilidade infinita, uma aparência momentânea no contexto do tempo e do espaço infinitos.

Eu gostaria de aproveitar este momento para salientar outra distinção, extremamente importante, entre a realidade absoluta e a relativa. De acordo com o entendimento budista e também, aparentemente, com certas escolas ocidentais do pensamento científico, somente algo que não muda, que não pode ser afetado pelo tempo e pelas circunstâncias ou reduzido em pedaços menores, partes relacionadas, pode ser considerado absolutamente real. Com base nessa definição, aprendi que a vacuidade — o potencial imensurável e indefinível que é o fundamento de todos os fenômenos, não-criado e não-afetado pelas mudanças nas causas ou condições — é a realidade absoluta. E, como a mente natural é a vacuidade, completamente aberta e não-limitada por nenhum tipo de característica nomeável ou definível, nada que qualquer pessoa possa pensar ou dizer sobre os fenômenos — e nada que eu possa pensar ou dizer sobre os fenômenos — pode verdadeiramente ser dito para definir sua verdadeira natureza.

Essa é uma boa descrição intelectual do relacionamento entre a realidade absoluta e a relativa. Mas não fornece de fato a base intuitiva necessária para que se compreenda esse relacionamento. Quando compelido por seus alunos a explicar o relacionamento entre a realidade absoluta e a relativa, o Buda muitas vezes recorria ao exemplo dos sonhos, apontando que nossas experiências na vida desperta são similares às experiências que temos nos sonhos. Os exemplos de sonhos que ele usava naturalmente envolviam coisas relevantes aos alunos de sua época: vacas, grãos, telhados de palha e paredes de barro. Não estou certo de que esses exemplos teriam o mesmo impacto sobre as pessoas que vivem no século XXI. Então, quando ensino, tendo a usar exemplos relevantes às pessoas com as quais estou falando. Por exemplo, suponha que você seja o tipo de pessoa que adora carros. Você provavelmente ficaria empolgado em sonhar que alguém lhe deu um carro zero quilômetro sem você ter de gastar um centavo por ele. O “você do sonho” ficaria feliz em receber o “carro do sonho”, feliz em dirigi-lo e feliz em exibi-lo às pessoas que você conhece.

Mas suponha que, no sonho, você esteja dirigindo quando, subitamente, outro carro bate no seu. A frente de seu carro está completamente arruinada e você quebrou uma das pernas. No sonho, é provável que seu humor mudasse, de modo repentino, de felicidade para desespero. Seu carro foi arruinado, você não tem nenhum “seguro contra sonho” e sua perna quebrada está doendo horrivelmente. Você pode até começar a chorar no sonho e, quando acordar, seu travesseiro pode estar encharcado de lágrimas.

Agora vou fazer uma pergunta fácil: O carro no sonho é real ou não?

A resposta, é claro, é que não é. Nenhum engenheiro desenvolveu o carro, nenhuma fábrica o construiu. Ele não é feito das várias partes que constituem um carro real, ou de moléculas e átomos que compõem cada uma das diferentes partes de um carro. Mesmo assim, enquanto sonha, você vivência o carro como algo bem real. Na verdade, você se relaciona com tudo em seus sonhos como se fosse real e reage às experiências com pensamentos e emoções muito reais. Mas, apesar de suas experiências no sonho parecerem reais, não se pode dizer que elas existam de fato, não é mesmo? Quando você acorda, o sonho é interrompido e tudo o que você percebeu se dissolve na vacuidade: a possibilidade infinita de qualquer coisa acontecer.

O Buda ensinava que, da mesma forma, qualquer experiência é uma aparência que surge da infinita possibilidade da vacuidade. Como afirmado no Sutra do Coração, um dos ensinamentos mais famosos do Buda:

Forma é vacuidade.

Vacuidade é forma.

Vacuidade não é nada mais que forma. Forma não é nada mais que vacuidade.

Em termos atuais, você poderia dizer:

Um carro em um sonho não é um carro inerentemente real. Um carro não inerentemente real é um carro em um sonho.

Um carro em um sonho não é nada mais que um carro não inerentemente real. Um carro não inerentemente real não é nada mais que um carro em um sonho.

É claro que se pode argumentar que as coisas que você vivência na vida desperta e os eventos que vivência em um sonho não podem ser logicamente comparáveis. Afinal de contas, quando você acorda de um sonho, não tem de fato uma perna quebrada ou um carro batido na garagem. Se você sofreu um acidente na vida desperta, contudo, pode acordar no hospital e precisar gastar uma pequena fortuna no conserto do carro.

Mesmo assim, a base de sua experiência é a mesma nos sonhos e na vida desperta: pensamentos, sentimentos e sensações que variam de acordo com as condições que mudam. Se você mantiver essa comparação em mente, qualquer coisa que você possa vir a vivenciar na vida desperta começa a perder o poder de afetá-lo. Os pensamentos são só pensamentos. Os sentimentos são só sentimentos. As sensações são só sensações. Tudo isso vem e vai na vida desperta tão rápida e facilmente quanto nos sonhos.

Tudo o que você vivência está sujeito a mudanças de acordo com as condições que se alteram. Mesmo se uma única condição se alterar, a forma de sua experiência mudará. Sem um sonhador, não haveria sonho. Sem a mente do sonhador, não haveria sonho. Se o sonhador não estivesse dormindo, não haveria sonho. Todas essas circunstâncias devem vir juntas para que um sonho ocorra.

Um Imperador, sabendo que um grande sábio do Zen estava às portas de seu palácio, foi até ele para fazer uma importante pergunta:

– Mestre, onde está o Eu? 
O mestre então pediu-lhe: 
– Por favor traga-me aquela carroça que está lá. 
A carroça foi trazida. O sábio perguntou: 
– O que é isso?
– Uma carroça, é claro,- respondeu o Imperador. 
O mestre pediu que retirasse os cavalos que puxavam a carroça. Então disse: 
– Os cavalos são a carroça? 
– Não.
O mestre pediu que as rodas fossem retiradas. 
– As rodas são a carroça? 
– Não, mestre.
O mestre pediu que retirassem os assentos. 
– Os assentos são a carroça? 
Não, eles não são a carroça. 
Finalmente apontou para o eixo e falou: 
– O eixo é a carroça? 
– Não, mestre, não é. 
Então o sábio concluiu: 
– Da mesma forma que a carroça, o Eu não pode ser definido por suas partes. O Eu não está aqui, não está lá. O Eu não se encontra em parte alguma. Ele não existe. E, não existindo, ele existe. 
Dito isso, ele começou a se afastar do surpreso monarca. Quando estava já afastado, voltou-se e perguntou-lhe: 
Onde Eu estou?

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UM EXERCÍCIO DE VACUIDADE

A compreensão intelectual da vacuidade é uma coisa; a experiência direta é outra. Assim, vamos tentar outro exercício, um pouco diferente dos descritos nos capítulos exteriores. Dessa vez, você vai observar seus pensamentos, emoções e sensações com muita atenção, à medida que surgem da vacuidade, momentaneamente permanecem na vacuidade e se dissolvem de volta na vacuidade. Se pensamentos, sentimentos ou sensações não surgirem para você, invente-os, o mais que puder, muito rapidamente um após outro. O principal propósito do exercício é observar a maior quantidade de formas de experiência possível. Se você não as observar, elas passarão despercebidas. Não perca nenhum dos pensamentos, sentimentos ou sensações sem observá-los.

Comece sentando-se com a coluna ereta, em uma posição relaxada e respirando normalmente. Quando estiver acomodado, comece a observar seus pensamentos, emoções e sensações com muita clareza. Se nada surgir, lembre-se de começar a provocá-los mentalmente. Observe com muita clareza tudo o que perceber – dor, pressão, sons e assim por diante. Mesmo idéias como “Este é um bom pensamento”, “Este é um mau pensamento”, “Eu gostei deste exercício”, “Eu odeio este exercício” são pensamentos que você pode observar. Você pode observar algo tão simples como uma coceira. Para obter o efeito total sugiro que continue esse processo por pelo menos um minuto.

 

Pronto? Então comece!

Observe os movimentos de sua mente…

Observe os movimentos de sua mente…

Observe os movimentos de sua mente…

Observe os movimentos de sua mente…

Agora pare.

 

O propósito do exercício é observar tudo o que passa pela sua consciência à medida que surge da vacuidade, permanece momentaneamente na vacuidade e se dissolve de volta na vacuidade – um momento como a elevação e a queda de uma onda em um oceano gigante. Você não quer bloquear seus pensamentos, emoções e assim por diante; e você não quer persegui-los. Se persegui-los, se deixar que eles o conduzam, eles começarão a defini-lo e você perderá a habilidade de reagir aberta e espontaneamente no presente momento. Por outro lado, se tentar bloquear seus pensamentos, sua mente pode tornar-se um tanto quanto apertada e pequena.

Essa é uma das razões pelas quais muitas pessoas erroneamente acreditam que a meditação envolve deliberadamente interromper o movimento natural dos pensamentos e das emoções. É possível bloquear esse movimento por algum tempo e até atingir um senso efêmero de paz – mas trata-se da paz de um zumbi. Um estado completamente sem pensamentos nem emoções é um estado desprovido de discernimento ou clareza.

Se, com freqüência, você permitir que sua mente seja como de fato é, mais cedo ou mais tarde ela se acomodará por si só. Você desenvolverá um senso de amplitude, enquanto sua habilidade de vivenciar as coisas claramente, sem preconceitos, gradualmente aumentará. Uma vez que começa a conscientemente assistir a esses pensamentos e emoções irem e virem, você começará a reconhecer que todos eles são fenômenos relativos. Eles só podem ser definidos por meio de sua relação com outras experiências. Um pensamento feliz se distingue por sua diferença com um pensamento infeliz, da mesma forma que uma pessoa alta é reconhecida como “alta” somente com relação a alguém que seja mais baixa. Por si só, essa pessoa não é alta nem baixa. Da mesma forma, um pensamento ou um sentimento não pode, por si só, ser descrito como positivo ou negativo, exceto se for comparado com outros pensamentos ou sentimentos. Sem esse tipo de comparação, um pensamento, um sentimento ou uma percepção não é nada além do que é. Ele não possui qualidades ou características inerentes e não pode ser definido por si só, mas apenas por meio da comparação.

 Trechos do livro ”A alegria de Viver”.


OS BENEFÍCIOS DE COMPREENDER

  Talvez você ainda esteja se perguntando, Qual é o beneficio de compreender a vacuidade? Ao compreender a vacuidade, você continua a apreciar tudo o que aparentemente existe, mas sem se agarrar às ilusões como se fossem reais, e sem a incessante decepção de uma criança que corre atrás do arco-íris. Sua visão penetra as ilusões e isso faz lembrar que elas são, antes de mais nada, criações do eu. A vida ainda pode mexer com você; você pode se emocionar, ficar triste, irado ou apaixonado, mas tem a confiança de alguém que vai ao cinema e consegue se distanciar do drama, porque tem a clara compreensão de que se trata apenas de um filme. Suas esperanças e medos, pelo menos, se dissipam um pouco, como acontece quando você reconhece que uma cobra que você morre de medo num quarto escuro, era apenas a sombra de uma gravata.Quando não temos a compreensão da vacuidade, quando não entendemos plenamente que todas as coisas são ilusões, o mundo parece real, tangível e sólido. Nossas esperanças e medos também se tornam sólidos e, assim, incontroláveis. Por exemplo, se você tiver uma crença sólida na existência da sua família, terá uma profunda expectativa de que seus pais cuidarão de você, mas não terá o mesmo sentimento em relação a um estranho que vê na rua; ele não tem esse tipo de obrigação. A compreensão dos fenômenos compostos e a compreensão da vacuidade abrem espaço no relacionamento. À medida que você começa a ver as várias experiências, pressões e circunstâncias que moldaram seus pais, suas expectativas em relação a eles se modificam, sua decepção diminui. Quando nos tornamos pais, mesmo um pouco de compreensão da interdependência já serve para abrandar a expectativa em relação aos filhos, o que talvez eles interpretem como amor. Sem essa compreensão, podemos ter a melhor das intenções de amar e cuidar dos filhos, mas nossas expectativas e cobranças podem se tornar insuportáveis.

Igualmente, ao compreender a vacuidade você perde interesse por toda a parafernália e todas as crenças que a sociedade constrói e derruba – regimes políticos, ciência e tecnologia, economia global, sociedade livre, as Nações Unidas. Você passa a ser como um adulto que não se interessa muito por jogos de criança. Por tantos anos, você confiou nessas instituições e acreditou que elas poderiam dar certo onde outros sistemas já fracassaram, mas o mundo ainda não se tornou um lugar mais seguro nem mais agradável.

Isso não quer dizer que deveríamos viver à margem da sociedade. Ter uma compreensão da vacuidade não significa se tornar blasé; ao contrário, desenvolvemos um sentimento de responsabilidade e compaixão. Se João está aos berros, fazendo uma cena, gritando para que parem de encher a casa de cobras, você sente compaixão por ele, porque sabe que tudo aquilo é fruto de uma alucinação. Talvez os outros não sejam tão condescendentes, mas você pode tentar acender a luz para ajudar João. No plano material, você continua a lutar por seus direitos, conserva seu emprego, atua politicamente dento do sistema; entretanto, quando a situação se modifica, seja a favor ou contra, você está preparado. Você deixa de acreditar cegamente que todos os seus desejos e esperanças precisam se concretizar e não fica preso ao resultado final.Na maioria das vezes, muitos de nós optamos por ficar no escuro. Não conseguimos enxergar as ilusões que criam a nossa vida cotidiana porque não temos a coragem de romper com a rede em que estamos conectados. Pensamos que temos, ou logo teremos, uma situação suficientemente confortável – basta continuar na mesma toada. É como se entrássemos em um labirinto, fazendo um trajeto com o qual já estamos habituados, sem a mínima vontade de explorar novas direções. Não nos aventuramos porque imaginamos que há muito a perder. Tememos que, se passarmos a enxergar o mundo do ponto de vista da vacuidade, seremos excluídos da sociedade, perderemos nossa respeitabilidade e, junto com ela, os amigos, a família e o emprego. O apelo sedutor do mundo ilusório não ajuda; vem tão bem embalado! Somos bombardeados com mensagens sobre sabonetes que nos fazem cheirar como astros e estrelas, sobre o poder milagroso da Dieta de South Beach, sobre como a democracia é o único sistema viável de governo, sobre como as vitaminas aumentam nossa resistência. Raramente ouvimos mais de um dos lados da verdade e, nas raras ocasiões em que isso acontece, geralmente está em letra bem miúda. Imagine George W. Bush indo para o Iraque e declarando, A democracia à moda americana pode funcionar aqui neste país – ou não.

Como crianças no cinema, somos levados pela ilusão. Daí vem toda a nossa vaidade, ambição e insegurança. Nós nos apaixonamos pelas ilusões que criamos e passamos a ter um orgulho excessivo da nossa aparência, dos nossos bens e realizações. É como uma pessoa usar uma máscara e imaginar, com orgulho, que a máscara seja realmente ela.

Era uma vez quinhentos macacos, um dos quais se considerava muito inteligente. Uma noite o macaco viu o reflexo da lua no lago. Sem modéstia, informou a todos os outros macacos, “Se formos até o lago e pegarmos a lua, vamos nos transformar nos heróis que salvaram a lua.” A princípio, os outros macacos não acreditaram nele. Mas, quando viram com os próprios olhos que a lua havia caído no lago, resolveram tentar salvá-la. Subiram numa árvore e foram segurando no rabo uns dos outros, para assim chegar até a lua que cintilava no lago. No exato momento em que o último macaco estava prestes a agarrar a lua, o galho quebrou e todos caíram no lago. Eles não sabiam nadar e ficaram se debatendo na água, enquanto a imagem da lua se desmanchava na agitação. Cada um de nós, movido pela sede de fama e originalidade, é como um desses macacos que acham que suas descobertas são muito inteligentes e tenta convencer os semelhantes a ver o que ele vê e pensar o que ele pensa, impelido pela ambição de ser o salvador, o esperto, aquele que sabe tudo. Abrigamos todo tipo de pequenas ambições, como impressionar uma garota, ou de grandes ambições, como pousar em Marte. E, vez após vez, acabamos na água, sem nada em que segurar e sem saber nadar.

Tendo compreendido a vacuidade, Sidarta (Buda) não tinha preferência entre deitar sobre o capim kusha, debaixo da árvore bodhi, ou sobre as almofadas de seda do palácio. O grande valor atribuído às almofadas tecidas em fio de ouro é inteiramente fabricado pela ambição e pelo desejo humanos. Na verdade, um eremita das montanhas poderia achar o capim kusha mais repousante e limpo; ainda melhor, quando se desgastasse, nada haveria com que se preocupar. Não seria necessário borrifá-lo com repelente para impedir que os gatos afiassem as unhas no capim. A vida palaciana é repleta desses “objetos preciosos” que exigem cuidados. Se fosse forçado a escolher, Sidarta optaria pela cobertura de capim, que o pouparia de manutenção.Nós, humanos, consideramos a abertura mental uma virtude. Para alargar a nossa mente, é importante não nos contentarmos apenas com o conforto e o hábito. É bom ter coragem de ir além das normas estabelecidas, sem ficar confinado aos limites da lógica convencional. Se pudermos ir além desses limites, vamos nos dar conta que a vacuidade é ridiculamente simples. O desafio está em nosso apego ao uso da mesma velha lógica, gramática, alfabeto e equações numéricas. Se conseguirmos lembrar da natureza composta desses hábitos, conseguiremos cortá-los. Não é impossível quebrá-los. Basta uma situação em que as condições sejam exatas e uma informação que chegue na hora certa; de repente, você pode se dar conta de que todas as ferramentas que utiliza não são tão rígidas – são elásticas, maleáveis. Seu ponto de vista se transforma. Se uma pessoa de sua confiança lhe disser que a sua esposa, pela qual você vem guardando ressentimento por todos esses anos, é, na realidade, uma deusa da prosperidade disfarçada, o seu modo de olhar para ela vai se alterar completamente. Do mesmo modo, se você estiver em um ótimo restaurante saboreando um filé, com todos os tipos de molhos, apreciando cada garfada, e o chef lhe disser que se trata de carne humana, num instante a experiência dá uma guinada de 180 graus. Seu conceito de delicioso se transforma em um conceito de repugnante.

Ao acordar de um sonho com quinhentos elefantes, você não se sente confuso, tentando entender como eles couberam no seu quarto, porque sabe que os elefantes não existiram nem antes, nem durante, nem depois do sonho. Enquanto você sonhava com os elefantes, porém, eles eram perfeitamente reais. Um dia entenderemos, não apenas intelectualmente, que não existe “grande” e “pequeno”, “ganho” ou “perda” – que tudo é relativo.

Trecho do livro ”O que faz você ser budista?”

 

Comentarios:

comments

  • lucas

    Budismo e fisica quantica, Perfeiçao!

  • (zén) jose fonseca

    ao k parece eu já era já me fazia budista… antes de conhecer a personagem buda ..essa foi a minha melhor descoberta !até já mudei o meu nome era zé agora sou e faço-me zén …

  • NELSON

    Tô aprendendo

  • gaspar van-dúnem gas-van

    MUITO, MUITO OBRIGADO.