Texto de Kate Johnson na Revista Tricycle. Traduzido por Mariana Valente de Sá.
Só vou pegar uma xícara de chá primeiro. Talvez bebê-la bem devagar, olhar pela janela. Opa, melhor olhar meu e-mail também…
Algumas manhãs, a parte da minha mente que preferiria meditar a qualquer hora mas não agora parece acordar cinco minutos antes do resto de mim. Quando meu alarme toca e meus olhos se abrem, é como se a Mente do Agora Não já estivesse sentada na beira da cama, tamborilando com os dedos, batendo o pé e piscando para mim.
A Mente do Agora Não geralmente usa a abordagem de provocar ansiedade – trazendo à mente a lista de tarefas com itens inacabados, a pilha de e-mails não respondidos e a agenda que parece um jogo de Tetris perdido. Ela usa o argumento de que simplesmente não tenho tempo para meditar, que eu devo me lançar imediatamente ao meu dia para não desperdiçar nenhum segundo possivelmente produtivo me sentando.
De vez em quando, talvez para variar, a Mente do Agora Não simplesmente me canta de volta para o sono, apontando o quanto estou cansada, o quanto eu me esforço e o quanto seria muito mais valiosa uma meia horinha de sono a mais do que meia hora de meditação.
Qualquer que seja sua tática, se eu morder a isca da Mente do Agora Não – me livrando das cobertas e indo para o computador sem nem mesmo espiar minha almofada, dormitando até o último minuto ou vagueando pela manhã, dançando ao redor da almofada de meditação mas, de alguma maneira, nunca me sentando nela – eu perco minha sessão de prática.
Quando estamos tendo problemas para cultivar ou manter uma prática meditação, muitas vezes citamos ocupação ou preguiça como os principais obstáculos da nossa meta de ter sessões regulares. Então criamos novas regras, nos damos ultimatos e prometemos que vamos pegar no batente e realmente fazer acontecer dessa vez. Nós barganhamos conosco mesmos comprando um novo banco de meditação, um novo timer, um novo livro para nos inspirar e tornar a prática mais atraente. Mas muitas vezes, passam-se somente alguns dias ou semanas até que voltamos a meditar… mais tarde. Hoje à noite. Amanhã (juramos).
O problema é que, para muitos de nós, a Mente do Agora Não não é, em princípio, uma questão de logística ou de gerenciamento do tempo. É uma questão de atitude. E, embora ela possa se disfarçar de preguiça ou agitação, minha experiência de trabalho com minha própria mente, assim como a mente de outros, revela que o perfeccionismo, impulsionado pelo medo e pela dúvida, tem um papel muito maior na resistência a sentar-se.
O mundo do budismo ocidental está lotado de perfeccionistas. Quem mais se sentiria atraído a uma prática com o objetivo expresso da emancipação total do sofrimento? No trabalho ou na escola, nosso perfeccionismo provavelmente foi validado durante nossas vidas todas. Mas quando voltamos para nossa prática, muitas vezes percebemos que as qualidades da impaciência, do esforço demasiado e da insatisfação, que parecem nos dar superpoderes na vida diária, tornam-se grandes obstáculos na meditação. Quando não conseguimos meditar perfeitamente, ou não conseguimos discernir nenhum ganho tangível imediato, preferimos não fazer mesmo isso. Ou adiar para… mais tarde.
Abaixo há algumas reflexões para acalmar a Mente do Agora Não e o ciclo de perfeccionismo e procrastinação que a alimenta. Em vez de tentar deixar nossas mentes em forma na base do chicote, o que só parece aumentar as apostas e torna a prática menos acessível, cultive atitudes pacificadoras. Elas não são exatamente dicas, são mais como lembretes do que já sabemos no fundo ser verdade.
1) Apareça.
Todos nós sabemos que devemos estabelecer metas gerenciáveis para nos prepararmos para o sucesso. Mas quando se trata da prática espiritual, talvez estejamos criando padrões que nenhum humano poderia alcançar e depois apontando para nosso insucesso como uma prova da nossa própria inadequação. Isso é simplesmente maldade. Por favor, não faça isso consigo mesmo.
Crie uma rotina que apoie sua vida e para a qual sua vida tenha um espacinho no momento, exatamente do jeito que é. Talvez você possa acordar um pouquinho mais cedo para encaixar uma prática matinal para começar bem o seu dia, ou suspender a hora do drinque para arrumar espaço para uma sessão após o trabalho, uma lombada para mudar a marcha da noite. Ou talvez seja antes de dormir que você consegue separar uns momentos para pausar e sentar-se antes de se entregar ao sono. Decida quanto tempo você consegue separar e ponha na sua agenda. Trate como um compromisso com um amigo querido: seu próprio coração e mente.
A Mente do Agora Não provavelmente vai dizer que seu plano não é bom o suficiente e sugerir que você espere até que possa meditar uma hora inteira, em lótus completa, em silêncio total, depois de uma prática de yoga de uma hora. Lembre-a somente de que a melhor hora para meditar, o melhor lugar, a melhor duração de prática é a que você realmente faz. Aparecer para a prática hoje, pelo tempo que for, é suficiente.
2) Relaxe.
Professores de meditação muitas vezes usam a analogia da meditação como fazer amizade com sua própria mente, e não é sem razão. Se, na nossa prática, nos sentimos convivendo com um caso sem solução que temos a responsabilidade de ajudar mas que receamos não conseguir, sentar-se não é nem um pouco divertido. Perderemos nossa sessão várias vezes.
Da perspectiva da Mente do Agora Não, a prática de meditação exige uma quantidade enorme de energia e habilidade e só “conta” se a fizermos perfeitamente. Se não conseguimos fazer direito, para que perder nosso tempo? Melhor esperar até encontrarmos um novo professor, aprendermos uma nova técnica de meditação ou irmos a um retiro de silêncio de dez dias. Tendo aperfeiçoado a prática ou adquirido um conhecimento clandestino, finalmente conseguiremos meditar do jeito certo.
Na verdade, a Mente do Agora Não até que tem razão nisso. Não é possível fazer meditação totalmente do jeito “certo” – não há, afinal de contas, nenhuma autoridade externa capaz de entrar nas nossas mentes e garantir que estejamos no caminho. A notícia boa, no entanto, é que também não é possível fazer meditação do jeito errado. Contanto que apareçamos com a intenção genuína de trabalhar de maneira compassiva com nossas mentes e corações, podemos relaxar e saber que, em algum sentido, já estamos de boa.
Sente de uma maneira fácil de manter. Leve a atitude de que não há nada na sua experiência que você precise controlar ou consertar e você estará disponível para vivenciar a perfeição que está sempre aqui, a verdade de que tudo o que você precisa para despertar está com você agora.
3) Não tem nada a ver com você.
Muitos poucos de nós começam a meditar porque queremos nos tornar profissionais em campeonatos de atenção plena. Começamos a meditar porque queremos estar presentes nas nossas vidas de maneira mais significativa, com menos estresse e mais relaxamento. Pensamos que, ao fazê-lo, estamos gerando uma grande quantidade de coragem, vulnerabilidade, paciência, determinação e amor, e temos confiança de que estamos beneficiando o mundo quando ajudamos a trazer mais dessas qualidades para ele.
Quando a Mente do Agora Não aparece, é fácil esquecer que nossa prática de meditação nunca teve a intenção de ser uma ferramenta para julgar nosso valor individual ou para comparar-nos com a pessoa que achamos que devemos ser. A prática de meditação parece funcionar melhor quando enfatizamos menos a avaliação do nosso progresso pessoal e mais a revelação de nossa capacidade humana inerente de nos conectarmos com os outros de maneira significativa.
Quando descobrimos que estamos resistindo a sentar em meditação, pode ser motivador estabelecer uma intenção de prática que inclua nosso desejo de manifestar carinho por nós mesmos e também por nossos amigos, família e entes queridos – até mesmo pessoas que não conhecemos. Podemos escolher dedicar os frutos da nossa prática para uma pessoa ou grupo de pessoas que precisa de conforto e paz. Se funcionamos bem com responsabilidade, combinar de trocar mensagens de texto com um amigo antes de sentar ou se inscrever em uma comunidade de meditação on-line pode nos lembrar que, quando oferecemos apoio aos outros, muitas vezes nos sentimos apoiados de volta.
Até mesmo para praticantes experientes, a Mente do Não Agora surge de tempos em tempos. Quando ela surge, se ficarmos atentos às sensações ou pensamentos que sinalizam sua presença, podemos vê-la claramente como ela de fato é: um conjunto de estratégias que nossas mentes criaram para nos proteger do sofrimento, mas que na verdade fazem-nos sofrer mais. À medida em que ganhamos confiança na nossa prática ao sentar-nos da melhor maneira possível, um dia de cada vez, os argumentos da Mente do Agora Não serão cada vez menos convincentes. Eles podem ir e vir, mas não vão nos impedir de sentar.
Se você encontrou dificuldades para começar sua rotina de meditação ou para recomeçá-la, não se preocupe. Distanciar-se da prática é, de alguma maneira, uma parte dela. Não deixe o perfeccionismo levá-lo à procrastinação. A melhor hora para aproximar-se novamente da prática é agora mesmo.
Kate Johnson fica mais feliz quando trabalha nas intersecções entre espiritualidade, justiça social e prática criativa. Ela mora no Brooklyn, NY
Flickr/Frédéric Poirot