“Dentre todas as pessoas que mencionei, todos são físicos respeitáveis, talvez até mesmo ilustres, e todos brancos, do sexo masculino, pertencentes à tradição dominante do século XX. Mas o que tenho notado nas minhas leituras dos últimos 30 anos, mais ou menos, desde que era um estudante em Amherst, é o quanto esse discurso revela uma cegueira na ciência moderna em geral (e não estou acusando esta ou aquela pessoa, é só uma generalização, avalie se é verdadeira). Essa cegueira diz respeito a quaisquer insights possíveis a respeito da natureza fundamental da realidade, sobre a natureza subjacente da realidade, de todas grandes civilizações asiáticas nos últimos 5000 anos. China, Japão, Índia, Sudeste Asiático, Tibete… Onde conseguimos encontrar qualquer referência a descobertas feitas na Ásia que possam ser relevantes há 5000 anos e nunca são divulgadas? Isso sem falar nas culturas indígenas por toda a América do Sul, África, Austrália, e assim por diante. Em outras palavras, esta é uma fatia muito estreita da humanidade que parece se considerar o centro do universo. Então as questões surgem, nós as ouvimos e,… Há vida inteligente em algum outro lugar do universo? E a resposta é: sim, na Ásia! É realmente uma negligência. Eu entenderia se isso ocorresse no século XIX, mas ignorar civilizações inteiras no século XXI…
Estamos cegos de outra forma: temos essa maravilhosa variedade, todos os diversos ramos da ciência moderna que, para todo mundo, é descrito como tendo desenvolvido métodos sofisticados, rigorosos e precisos de medição e observação do que se está tentando entender. Certo? Com uma exceção. Sabe qual é? A mente.
Os behavioristas estudam a mente indiretamente ao estudar o comportamento,os cientistas do cérebro estudam os correlatos mente-cérebro. Mas onde há, na academia tradicional, um treinamento rigoroso de observação da única mente à qual você tem acesso direto? Na psicologia não há. Nem na neurociência cognitiva. Então onde? Tenho procurado, mas não encontro. Porque não foi feito. Estudamos coisas relacionadas à mente, mas não estamos olhando para ela de uma forma rigorosa e sofisticada. E é nisso que a Ásia se destaca há 5000 anos (e a tradição budista há 2500). Eles têm maneiras altamente desenvolvidas e sofisticadas de treinar, em primeiro lugar, a atenção – algo no qual nós, do mundo moderno, somos péssimos. E estamos ficando piores. Estamos escorregando para uma vala de TDAH de onde talvez nunca conseguiremos sair. Não apenas desenvolver a atenção — o que só pode ser positivo (e eles são muito bons nisso) e nem mesmo temos a consciência de que isso está disponível há 2500 anos -, mas também desenvolver e refinar a habilidade metacognitiva de observar pensamentos e explorar as múltiplas dimensões e camadas da consciência.
Há todo um mundo aqui que não estamos prestando atenção, por isso temos a impressão de se tratar apenas de uma maneira de falar sobre o cérebro, Mas não é. E eu posso provar isso em dez segundos. Vou lhes pedir para fazer algo muito simples, por dez segundos. Mentalmente, fique totalmente em silêncio. Não se mexa, não faça nada, apenas fique consciente do que surge em sua mente, por dez segundos. [A plateia faz a experiência.] Eu diria, com toda confiança, que o que vocês acabaram de experimentar não é uma forma de falar sobre o cérebro, porque vocês não estavam falando. Não é uma forma de agir, porque vocês não estavam agindo. É algo subjacente, é o que acontece antes de falar e de agir, agir deliberada e conscientemente.
Temos negligenciado algo, fingindo que o problema mente-corpo está resolvido. Não está! Ficamos apenas falando sobre uma solução, como se soubéssemos. O problema de medição da mecânica quântica não foi resolvido. Não houve nenhum progresso em 90 anos. Problema corpo-mente: nenhum progresso! Temos negligenciado algo há 130 anos e é exatamente essa a fraqueza da ciência moderna: negligenciamos a natureza do observador. Não estamos tendo um olhar científico com relação à natureza do observador.
Deixamos algo de lado: nós mesmos! A natureza da mente, da própria consciência. Sabemos menos sobre a nossa consciência do que sobre galáxias distantes que se formaram há dez bilhões de anos. Sabemos menos sobre a consciência do que sobre o núcleo de um átomo. Por quê? Porque não estamos olhando.
É isso que o budismo traz à mesa. Não um dogma “Por favor, acredite nisso. Por favor, acredite naquilo.” São métodos rigorosos e refinados de investigação da mente em primeira pessoa, para complementar as realizações gloriosas e magníficas da ciência objetiva, que é a potência do ocidente.
Obrigado.”
Trecho da fala de Alan Wallace na conferência “The Nature of Reality: A Dialogue Between a Buddhist Scholar and a Theoretical Physicist”, com a presença de Sean Carroll e moderação de Marcelo Gleiser. Assista ao vídeo na íntegra.
Transcrição: Gustavo Gitti. Tradução e revisão: Thais Giammarco e Jeanne Pilli.