Alemã passa um ano sem comprar nada e relata a experiência

Já imaginou se nosso sistema econômico atual entrasse em colapso, e de um dia para o outro você não tivesse mais como se sustentar usando dinheiro?

Foi isso que a jornalista alemã Greta Taubert, 30 anos, fez, deixando seu apartamento em Leipzig, cidade próxima de Berlim, e colocando uma mochila nas costas para ir de carona até à região de Barcelona, onde ficou durante 12 meses longe das facilidades do consumo, de lojas e sem gastar um único centavo.

A decisão de fazer o experimento aconteceu em uma tarde comum de domingo, na casa de seus avós, onde estavam todos ao redor de uma mesa farta, comendo as mais variadas iguarias. Ela então se deu conta que todos os membros da família que estavam sentados à mesa já haviam experimentado a falha de um sistema: seus pais formaram família, tinham empregos até 1989, quando o muro caiu, seus avós eram pequenos quando Hitler tentou construir o ‘Reich de 1000 anos’ (que, felizmente, 12 anos depois, acabou) e seus bisavós nasceram durante a monarquia. Ou seja, três gerações com três ideologias e experiências limite.

Ela então concluiu: “O que me tornou tão segura que este capitalismo ocidental com todas as suas perversões — hiper-consumismo, recursos finitos e desigualdades — deveria durar para sempre?”

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A reação da família foi de total desaprovação, argumentando que esta geração não está acostumada a viver com problemas existenciais, não está habituada a fazer trocas, não sabe consertar coisas, plantar e colher para ser auto-suficiente: tudo o que sabe é ir ao supermercado e comprar, o que a torna totalmente dependente. Com isso, consumimos, consumimos e consumimos.

Durante o ano que passou fora do mundo do consumo, Greta perdeu 20 quilos, seguiu uma comunidade de 30 agricultores, com a qual aprendeu a plantar seus próprios alimentos, aprendeu a caçar, pescar, construir móveis, conseguiu roupas usadas em forma de escambo, e conseguiu frutas e legumes que os supermercados consideram “feias demais” para serem vendidas. Aprendeu inclusive a preparar seu próprio xampú, desodorante, creme para o rosto e creme dental, tudo 100% orgânico.

Uma de suas grandes descobertas e aprendizados foi saber que não há um círculo fechado de pessoas que procuram uma forma alternativa de pensar e agir: “encontrei jardineiros, “hackers”, “hippies”, homens de negócios, agricultores, anarquistas, artistas, bobos… E percebi que todos tinham o mesmo desejo de se manterem unidos e resistentes a tudo o que está acontecendo.”

Toda a experiência foi relatada no livro “Apocalipse Now“, que apesar do nome aparentemente pessimista, se trata de um novo olhar para muitas possibilidades de conseguir viver em comunidade e de como isso é essencial para nosso futuro. Mas também fica uma conclusão certeira: “Não é possível não consumirmos. Tudo o que fazemos está ligado à sociedade de consumo. Mas podemos lutar contra o lado perverso disto: o hiper-consumismo”.

A sociedade ocidental moderna estabeleceu um exemplo ruim para o mundo. Criamos um ideal no qual uma boa vida é resultado de um consumo massivo. Esse modelo se espalhou pelo planeta. Se as mais de seis bilhões de pessoas do mundo perseguem este ideal de consumo, então, estamos condenados. Isso é uma declaração científica: nosso planeta não pode consumir nesta proporção, especialmente com uma população em crescimento. Esse é um ideal materialista, sempre olhando para fora em busca de felicidade. Valores e estilos de vidas materialistas estão entrelaçados.

O século XX foi um grande experimento para o materialismo, em alguns aspectos, foi um sucesso, como na medicina, no transporte etc. Mas o mesmo século testemunhou a maior luta entre os homens. Nunca demonstramos tamanha crueldade contra nós e contra o meio ambiente. Neste momento, podemos estar cavando os túmulos de nossa espécie, pois o que está ocorrendo é uma receita para o suicídio. Precisamos encontrar um novo ideal, uma nova visão, e isso é impossível se uma ideologia se impõe à outra forçando uma solução. Vivemos em um mundo pluralista, as pessoas não querem seguir apenas uma ideologia. Para pensarmos em sustentabilidade, temos de fazer duas perguntas: como podemos sobreviver e como podemos florescer, pois não estamos no mundo apenas pela sobrevivência.

Vivemos em um mundo com muitas tarefas a serem feitas, no qual somos bombardeados por estímulos de consumo, que não se restringem ao Ocidente. O ritmo da vida está muito rápido e complexo, então, a fragmentação da mente está se tornando comum. O budismo tem métodos eficazes, comprovados cientificamente, que ajudam a gerar uma melhor postura interna da atenção. Dessa forma, podemos nos concentrar sem ficar tensos ou exaustos, com continuidade e clareza em qualquer situação da vida.

Essa habilidade é extremamente importante em qualquer empenho humano com significado, e o mundo moderno não tem quase nada para oferecer nesse sentido. A primeira intervenção são as drogas, mas elas não curam o problema. Podem ser muito úteis, mas é um fato que as drogas apenas suprimem os sintomas. Por isso, existem diversos treinamentos que não exigem crença religiosa para acalmar a mente, cujo propósito é nos tornar mais cientes e atenciosos com as relações internas e externas, como práticas de meditação e treinamentos mentais, que são muito eficazes. Por outro lado, somos seres de emoções, e o budismo tem práticas para regular essas emoções com o objetivo de manter um equilíbrio emocional. Não apenas lidando com ansiedades, frustrações e raiva, mas para cultivar as emoções positivas.

A força da sociedade moderna tem sido para acentuar nosso bem-estar externo, mas a ciência e a tecnologia oferecem muito pouco em termos de explorar nossos recursos internos. Nessa fixação pelo exterior, falhamos sobre o que está acontecendo por dentro. O budismo complementa a ciência moderna e a tecnologia explorando e permitindo que manifestemos nosso interior.

Felicidade, sustentabilidade e o papel da mídia na visão de Alan Wallace

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Alan Wallace, monge budista e PhD

O desenvolvimento da sociedade moderna, impulsionado pela ciência e pela tecnologia, criou um mundo no qual a felicidade está relacionada ao consumo, o que nos faz esquecer de olhar para dentro em busca do autoconhecimento. Alan Wallace, monge budista e PhD em estudos religiosos pela Universidade de Stanford (EUA), falou em entrevista ao Nós da Comunicação sobre o conceito de “Ciência da Felicidade” e suas aplicações para o cotidiano profissional.

Formado em física e filosofia da ciência pela Amherst College (EUA), o discípulo de Dalai Lama, que fará palestras no Brasil até o dia 15 de junho, defende o discurso plural da mídia e uma mudança radical no ideal de consumo, que impossibilita o crescimento sustentável do planeta.

Confira, abaixo, a entrevista.

Nós da Comunicação – Você poderia explicar o conceito “Ciência da Felicidade”? Como é possível ser feliz no trabalho?

Alan Wallace – Existe distinção entre dois tipos de felicidade que são complementares, porém, uma delas é mais essencial que a outra. Há a felicidade hedonista, que não pretendo depreciar, mas que envolve o prazer mundano. Esse tipo de felicidade inclui qualquer tipo de prazer, que é despertado porque encontramos estímulos: nosso programa de TV favorito, músicas que gostamos, o prazer sexual, os sentidos etc. Existe um fator comum nesse tipo de felicidade: ao tirar o estímulo, ela vai embora. A força da ciência e da tecnologia nos ajuda com a felicidade hedonista.

Para muitos de nós, isso é a felicidade como um todo, no entanto, grandes sábios da história humana disseram: “o significado da vida é a busca pela felicidade”. Quando eles dizem isso, não se referem à felicidade hedonista, mas ao que os gregos chamavam de ‘eudaimonia’, que significa felicidade genuína ou florescimento humano. Isso é uma qualidade de bem-estar que não vem do que você consegue tirar do mundo, mas do que você consegue trazer para ele. Por exemplo, viver um estilo de vida ético, quando fazemos o melhor pelos outros, de maneira decente, honesta, da forma como gostaríamos de ser tratados. Não por algo que aconteceu com você, mas com algo que você trouxe para o mundo. Esse é um nível de felicidade genuína, perfeitamente relevante no mundo moderno.

Outra dimensão vem de cultivar a mente como um fazendeiro cultiva o campo e tem uma boa colheita. Cultivar a mente, a atenção, que é central nessa questão, cultivar desejos significativos. Quando ficamos fixados em pegar algo do mundo, não ganhamos nenhuma felicidade genuína, pois o mundo nos prepara para sentimentos como inquietação, ansiedade, talvez arrogância em caso de sucesso. Portanto, é uma questão de estar consciente de nossos desejos e cultivá-los com significado e como valores.

Somos seres com emoções exageradas, desequilibradas. Quando um colega recebe uma promoção, nossa resposta pode ser indiferença ou inveja, que não são benéficas. Por outro lado, se você reconhece o trabalho do outro, todos ganham. Você fica feliz pela promoção do outro e essa pessoa fica feliz por si. Devemos perceber que o mais profundo nível é expresso na meditação, uma verdade profunda. A qualidade do bem-estar vem pelo conhecimento da realidade como ela é, num sentido profundo e existencial. É além da ética, do bem-estar psicológico, é existencial e espiritual. Precisamos incluir a mente na natureza, e não apenas considerá-la um epifenômeno do cérebro.

Nós da Comunicação – Vivemos em um mundo onde o tempo é escasso. Como seria possível manter-se equilibrado espiritual e mentalmente no cotidiano intenso de tarefas?

A. W. – Ao longo dos dias, realizamos diversas práticas de higiene física. Tomamos banho, escovamos os dentes, fazemos exercícios.

Com isso, mantemos nossa saúde. Não temos a expectativa de ficar melhor nisso, mas esperamos manter uma média de vitalidade e saúde. O que sugiro é que possamos praticar também internamente, fazendo a higiene psicológica e espiritual para complementar nossa higiene física. Somos tão bons para o corpo que esquecemos de explorar a mente.

O que pode ser muito útil é separar um tempo todo dia, considerando a importância da mente, cultivando a atenção, a tranquilidade, o relaxamento e, também, o coração. Existem formas práticas de cultivar esses sentimentos. Nossos diversos tipos de felicidade são conduzidos por estímulos. Quando recorremos a nossos recursos internos para que um senso de bem-estar possa fluir da mente, sem ser por causa de um estímulo, é por que a mente está saudável. Não é preciso ser um monge, uma pessoa reclusa para cultivar essas práticas, mas é necessário estudo e esforços contínuos para desenvolvê-las no dia a dia. Pequenas sessões durante o curso do dia podem ser de grande ajuda.

Nós da Comunicação – Qual o papel da mídia na difusão desse conceito de felicidade? Os comunicadores têm responsabilidade nesse aspecto?

A. W. – Todos nós somos mídia, portanto, a responsabilidade é geral. Quando uma mãe está falando com a filha, ela a informará sobre a natureza do mundo. Então, o jornalista primário para uma criança é a mãe, e isso se aplica no cotidiano quando nos informamos sobre a vida e o que está acontecendo no mundo com uma responsabilidade moral. Na mídia, temos acesso a um extenso conhecimento. Devido a seu impacto social e a seu papel iluminador sobre o mundo, a mídia tem uma responsabilidade enorme de equilibrar e ser crítica com o que o mundo está nos dizendo.

Não é uma questão de dizer o que está acontecendo, mas também por que está acontecendo. No entanto, a mídia, às vezes, é tão tendenciosa que se torna enganosa no próprio preconceito. Nessa situação, ela faz um desserviço. Agora, quando a mídia apresenta perspectivas múltiplas e um conteúdo plural, é um convite ao consumidor para fazer sua mente pensar. Isso é respeitar a audiência dando o maior número de informações, da forma mais equilibrada possível, e acreditando que ela fará um julgamento crítico, em vez de uma interpretação preestabelecida em cima de visão única. Então, se a mídia tem responsabilidade? É claro que sim.

Em minha experiência com a mídia americana, já a vi fazer um trabalho muito responsável, dando uma visão equilibrada, encorajando a audiência a tomar decisões próprias. Em outras ocasiões, eu a percebi muito tendenciosa, ressaltado o consumo na sociedade. A mídia tem a responsabilidade de ser crítica, e não apenas aceitar pressupostos.

O Alto Preço do Materialismo

Olhar para aquilo pelo quê trabalhamos e aquilo que desejamos – e portanto ao que dedicamos tempo e recursos – nos dá algum insight sobre as nossas prioridades. E nossas prioridades muitas vezes se baseiam em premissas que nem sempre desafiamos, não é mesmo?

Longe de ser apenas um apelo ativista contra o consumismo, contemplar os efeitos do materialismo é um tema diretamente relacionado ao equilíbrio emocional e ao bem-estar, mais especificamente ligado ao equilíbrio conativo.

“O termo conação se refere às nossas faculdades de desejo e vontade. O equilíbrio conativo, um elemento crucial da saúde mental, se expressa quando os nossos desejos nos conduzem à felicidade, nossa e dos outros”, como explica o Prof Alan Wallace em seu livro “A Revolução da Atenção“.

“Um dos livros mais notáveis publicados sobre este assunto é “The High Price of Materialism” do psicólogo Tim Kasser”, diz o Professor Alan Wallace em “Genuine Happiness“.

Kasser descreve detalhadamente as nossas necessidades psicológicas, que motivam nosso comportamento, dentro destes grupos: segurança, proteção e sustento; competência, eficácia e auto-estima; conexão com outras pessoas; e autonomia e autenticidade.

A partir disso, Kasser explica como os valores materialistas nos levam a um estilo de vida e a uma forma de experienciá-la que falham em satisfazer nossas necessidades e em trazer significado e qualidade à nossa vida.

“O problema dos valores materialistas é que, uma vez incorporados ao nosso sistema de valores, tornam-se o ideal pelo qual lutamos e mensuramos nossa competência e o nosso próprio valor. Como resultado, estamos constantemente nos avaliando com base em parâmetros cada vez mais inatingíveis e nos tornamos cada vez mais insatisfeitos com o que conquistamos.”

Aqui neste vídeo, traduzido por Bruno Bártulitch – a quem agradeço profundamente – é possível ter uma boa idéia dos resultados do trabalho de Kasser:

Contemplar todos esses pontos pode ser também fundamental para todas as nossas relações.

A fixação a aquisição material não apenas mina a nossa felicidade como também distorce a forma como nos relacionamos com as outras pessoas. Kasser comenta a esse respeito: “quando as pessoas colocam grande ênfase em consumir e comprar, ganhar e gastar, pensar no valor monetário das coisas, e pensar em coisas durante grande parte do tempo, podem mais facilmente começar a tratar pessoas como coisas”.

Fonte 1

Fonte 2

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