O budismo é às vezes acusado de ser individualista e indiferente às necessidades dos outros e do mundo. Essa crítica é paradoxal se entendermos que um dos pilares da abordagem budista é desconstruir o ego, e um de seus principais objetivos é dar origem à compaixão incondicional por todos os seres.
Tais preconceitos resultam de um mal-entendido das idéias budistas de “renúncia” e “desapego”. A renúncia não é uma questão de se afastar do que é verdadeiramente bom na vida – isso seria um absurdo. Ao invés disso, é deixar de lado o vício contínuo que temos às causas do sofrimento, como malícia, arrogância, inveja, ciúme e outros estados mentais que prejudicam os outros e a nós mesmos.
Quanto ao não-apego, não tem nada a ver com indiferença. O objetivo do não-apego é libertar-nos de hábitos que são baseados em nosso senso inflado de auto-importância. Esses hábitos nos levam a ver o mundo e os outros através das lentes de uma dinâmica de “atração-repulsão”.
O voto de um bodhisattva é alcançar a iluminação para poder libertar todos os seres do sofrimento. Se nos familiarizarmos com os textos budistas que apresentam o amor e a compaixão altruístas como as principais fontes de progresso em direção à Iluminação, é difícil ver de onde essa ideia de auto-absorção narcísica viria. Como o meu amigo filósofo Alexandre Jollien gosta de dizer: “Dentro da bolha do ego, o ar está parado.” O egoísmo é uma rua sem saída para alguém que deseja se tornar um ser humano melhor. Como afirmado em um famoso texto budista, “o que não é feito pelo bem dos outros não vale a pena ser feito”.
O Dalai Lama, em particular, nunca para de enfatizar a importância vital do altruísmo e da compaixão, tanto para nossa vida pessoal quanto para o bem da sociedade. Alguns anos atrás, quando pedi a ele alguns conselhos na véspera de um retiro de meditação, ele me disse: “Primeiro, medite sobre a compaixão; no meio medite sobre a compaixão e, no fim, medite sobre a compaixão. ”
Eu me inspirei muito nesses ensinamentos e tive a preciosa oportunidade de aplicá-los de acordo com as minhas habilidades limitadas. Eles me encorajaram a co-fundar, com Rabjam Rinpoche, o abade do Monastério Shechen no Nepal, a organização humanitária Karuna-Shechen que hoje beneficia mais de 250.000 pessoas anualmente nos campos da saúde, educação e serviços sociais na Índia, Nepal e Tibete. Mais informações em Karuna-Shechen.org.
Texto publicado originalmente no site de Matthieu Ricard e traduzido por Daniele Vargas.