”Todo o sofrimento do mundo vem do fato de pensarmos em nós mesmos. Toda felicidade do mundo vem do fato de pensarmos nos outros” – Shantideva
O estresse é um dos problemas mais graves de nossa vida. É muito comum e um tema importante a ser discutido. Como se trata de uma das maiores distrações, precisamos entender nossa relação com ele, descobrir sua causa, por que trabalhamos muito em troca de nada e cometemos tantos equívocos.
Meus amigos, pelo que me contam, vivem estressados por causa da economia, dos negócios, da família e de toda sorte das coisas. Só por curiosidade, consultei o dicionario para saber qual era a definição de estresse pelos modernos eruditos e encontrei o seguinte: ”Consequência da incapacidade de se adaptar as mudanças.” Acho que, até certo ponto, estão certos quanto a isso.
O estresse resulta da inflexibilidade e da noção de aceitação. Em outras palavras, é provocado pelo forte apego a certos objetos, maneiras, resultados ou expectativas. Quando há muita esperança ou expectativa, há também o medo de que ela não se concretize, de que nada saia de acordo com nosso plano ou nossa vontade. Daí vem o estresse.
Hoje, quase todas as pessoas que me consultam afirmam que se cansam facilmente e não conseguem dormir bem. O fato é que nossa mente é como elefantes selvagens, num constante tropel de pensamentos, projetos, prazos e mais prazos. Assim, mesmo sem muitas atividades físicas, estamos sempre ruminando alguma coisa e nos pressionando sem necessidade. Sentimos isso até em sonhos. Na maioria das vezes, sufocamos nossas próprias possibilidades por não saber parar. Creio que, em certa medida, a inquietude é o oposto da confiança. Por isso, começamos a nos sentir mal e estressados quando constatamos que nossa vida está literalmente nos arrastando e nós não sabemos como fazê-la parar ou mesmo andar em passos mais lentos.
Pensar nisso me deixa inquieto. Um de meus amigos estava quase chorando porque, a despeito de se sair muito bem nos negócios, sentia-se acuado pela necessidade de manter esse sucesso. Embora tenha adquirido uma grande fortuna, precisa trabalhar o dia inteiro para preserva-la. Acho que, quando começou o seu negócio, deve ter pensado ”Bem, se eu ganhar 1 milhão, ficarei muito feliz e plenamente satisfeito”. Agora, porém, que atingiu seu objetivo, arranjou outro pretexto para se estressar, estabelecendo um alvo ainda mais difícil. Assim, não há paz em sua mente em nenhum momento ele consegue relaxar, livre de pressões. Por isso veio até mim com lágrimas nos olhos e ignorando o que fazer para se livrar de semelhante fardo.
O mesmo acontece as pessoas em seus relacionamentos. Uma velha amiga me disse que, quando se casou, há alguns anos, supos que suas preces tinham sido atendidas, mas agora está se separando porque o casal não se suporta. Sucede que esses meus dois amigos buscaram fora a solução para sua felicidade, na riqueza ou num bom parceiro. Por isso insisto tanto na aceitação e na renúncia a todas essas expectativas pois só assim é possível valorizar o momento presente. Se você continuar buscando fora a solução, jamais se livrará do estresse, mas se estiver com os pés no chão, lúcido e se aceitando da maneira que você é, dominará as artes de viver o presente e deixará o estresse a beira do caminho.
”Enquanto outros estiverem desesperadamente empenhados na busca insaciável de riqueza e poder passageiro, eu me estenderei a sombra, cantando”. Frei Luís de León.
O que tenho feito de minha vida?
Se você é capaz de reconhecer esses sentimentos ou ajudar os outros a reconhece-los, então tem uma grande oportunidade de ver aí um convite para mudar as coisas, retardar o passo e contemplar a vida. Todos, inclusive eu, deveríamos ser tartarugas de vez em quando. Viaje de trem, sem pressa. Dê a si mesmo um pouco de tempo. Assim, verá as coisas com maior clareza e perceberá os detalhes da vida com um senso de gratidão. Ainda que enfrentemos inúmeras dificuldades no mundo, não seremos afetados porque saberemos valorizar até mesmo problemas e obstáculos, graças a nossa compreensão. Você não concorda que, quando vamos mais devagar , vemos as coisas com mais nitidez?
Quando meus amigos interrompem sua prática diária e eu lhes pergunto o motivo, respondem que é por falta de tempo. Alguns chegam a declarar que não posso entender isso, que não estou nos negócios e, portanto, não sei o que é estresse. Rio sozinho quando ouço tais absurdos, se eles soubessem por quanta gente sou responsável, quantas crianças alimento e de quantos mosteiros eu cuido, reconheceriam que posso entender isso muito bem. Lembro-me de que, ao planejar a criação de escolas para monjas – uma em Ladakh e outra no Nepal – fiquei muitíssimo inquieto. Passava o dia sentado, quebrando a cabeça com cálculos. A tarde, percebia que não tinha feito nada, exceto me preocupar. Não realizava nada, só perdia tempo.
Sim, ficar estressado é perder tempo, sufocar a criatividade e o potencial. Por isso, aconselho meus amigos a retomar a prática diária, em vez de perder horas e horas se preocupando. Quando você está sob pressão, fica paralisado e indeciso, portanto é muito útil reservar um tempinho para meditar e relaxar. Você então recordará o significado da transitoriedade e refletirá sobre como a vida é preciosa. Mesmo quando as circunstâncias exteriores forem adversas, ainda poderá banir o medo e ter a coragem de estar bem, de viver uma vida proveitosa e mostrar-se flexível. Podemos ser autenticamente felizes porque essa flexibilidade vem de dentro de nós, não depende do mundo que nos cerca para ser um caminho reto e seguro.
Sempre espero que meus amigos e alunos retomem sua caminhada e voltem a praticar, essa é a espinha dorsal da vida e da felicidade. Sem essa compreensão somos facilmente esmagados pelos altos e baixos da existência, mas com ela nos sentimos seguros para continuar antando, sem nos deixarmos envolver por emoções debilitantes.
O estresse é fruto do conformismo
Se vivermos nossa vida segundo um ritmo conservador levando-se em consideração os costumes, a tradição, a cultura ou os nossos próprios padrões inatingíveis, ele nos deixará estressados porque nos comportamos o tempo todo como conformistas. Achamos que, se não nos conformarmos, provocaremos confusão, seremos chamados de desordeiros. Isso é causa de muitas dores de cabeça.
Sem dúvida, precisamos de alguma estrutura. Mesmo no ensinamento budista há estrutura e forma que nos ajudam ao longo do caminho, algo em que podemos nos apoiar. Porém acreditamos também que as pessoas devam afrouxar um pouco suas estruturas internas para reduzir os estresse e os equívocos. Quando tentamos ser ou agir de determinada maneira o tempo todo, ficamos excessivamente nervosos. Podemos disfarçar e parecer bem por fora, mas por dentro, sentimo-nos presos ou apanhados numa armadilha. Isso ocorre porque temos uma estrutura interna muito rígida, encerramo-nos numa espécie de caixa e ficamos sujeitos a inúmeras pressões, sempre insistindo em obedecer as nossas próprias regras e aos nossos padrões. Pensamos que as coisas, as pessoas e até nós mesmos temos de seguir um modelo e ficamos inquietos quando isso não acontece. Também nos apegamos a ideia da perfeição, alimentada por nossas esperanças e nossos medos, mas pode alguma coisa neste mundo, ser perfeita? Esse é um conceito totalmente subjetivo. Nada é perfeito – nada é errado. Tentemos, apenas, fazer o melhor.
”Esqueça a vitória e a derrota e encontre a alegria”. – Buda
O que é ”o melhor” para você?
Não gosto de dizer coisas negativas sobre o mundo moderno no qual vivemos. Entretanto, percebo que o estresse se deve em grande parte ao modo como as pessoas são educadas: ele enfatiza demasiadamente a competição. Você precisa competir com os outros até para se dar conta de que existe. E precisa ser o melhor. Porém, como ninguém pode ser o melhor por muito tempo (as vezes, nem por pouco), essa atitude é causa de inúmeros problemas. As pessoas estão sempre perseguindo o impossível, provocando com isso muito estresse e aborrecimento.
Tomemos, como exemplo, os negócios. Você pode ganhar 1 milhão e depois até 1 bilhão – mas sempre haverá pessoas que ganharam mais. Diante delas, você não é nada! Ao fazer essa comparação, sente-se perturbado ou acha que alguma coisa está faltando. Procura trabalhar mais, podendo ou não. Precisa competir, correr atrás do arco íris. Ele é tão bonito que você tem de alcança-lo – mas não o alcançara, é claro.
”Que vida é esta se, cheios de cautela, não temos tempo de parar para contemplar?”. – William Henry Davies
Você talvez receie – se for mais devagar e ouvir o coração – perder dinheiro e não ser mais capaz de cuidar bem de sua família. Essa é uma preocupação bastante compreensível, que afeta mutia gente. No entanto procure visualizar o tipo de pessoa que você é quando está muito estressado. É generoso, paciente e amável o tempo todo ou irritadiço, frustrado e quase sempre ausente de ”corpo e alma”? Vive mergulhado nos negócios, adquirindo ou conservando bens, ou dá a necessária atenção à vida e às pessoas que o cercam? Sim, você tem de trabalhar e ganhar o pão de cada dia, mas isso não significa que deva se tornar um escravo desse compromisso e achar que só existe vida fora do período das 9h as 17h. Um pouco mais de simplicidade e um pouco menos de expectativa na vida lhe darão um amplo senso de liberdade, que por sua vez dilatará o tempo num ritmo bem mais descontraído. Não exagere, não se esforce a ponto de não poder sequer respirar. Encontre o equilíbrio na vida ou siga o caminho do meio para usufruir de uma alegria serena, profunda e exuberante.
Os ensinamentos budistas são como o espaço
Falo aqui com base em minhas próprias experiencia ou nas de meus amigos e das pessoas que me cercam. A amplitude dos ensinamentos budistas não cabe numa caixa. Temos tradições de meditação, terapias, exercicios mentais e físicos, mas isso só serve para nos manter num estado de paz e serenidade.
Se você quer obter espaço e liberdade, primeiro liberte-se dos rótulos e equívocos que alimenta a respeito de si mesmo, de seus amigos, de seus familiares, de todos! Quase sempre, quando fazemos alguma coisa, seguimos uma crença. As vezes isso é bom porque nossas crenças costuma ser positivas. Mas ainda assim estamos nos sujeitando a um sistema muito rígido de crenças, pois a determinada altura alguém pode nos desapontar ou nós próprios nos desapontaremos por infringir o código de normas e regulamentos que instituímos.
Precisamos aprender a ser bons ouvintes e atratar bem aqueles que tem opiniões diferentes. Muitos de meus colegas frequentemente discordam das minhas opiniões, mas não me importo, fico feliz em examinar seus pontos de vista e respeito sua maneira de ser. Não podemos ser dogmáticos se quisermos viver felizes e sem estresse nesse mundo. Uma mente feliz é uma mente aberta e espaçosa. Se ela for estreita, não haverá espaço nem mesmo para nos aceitarmos – e o estresse virá. As pessoas tem inveja e brigam por todo tipo de insignificância. Não devemos ser rígidos, devemos ser flexíveis e dar espaço também aos outros.
”Precisamos renunciar à vida que planejamos para ter a vida que nos espera” – E. M. Forster
Lembre-se sempre de que tudo muda, nada permanece. Por isso é tão importante nos libertarmos do apego a esperanças, desejos ou mesmo pessoas. Isso não quer dizer que não devamos ter esperanças, desejos ou relações, mas, sim, que não convém considera-los definitivos, pois isso só pode trazer estresse. Não é preciso renunciar a tudo e ir viver numa caverna, basta reconhecer que na vida a verdade é relativa.
Tudo muda de um momento a momento, então para que gastar tanto tempo e energia com o que aconteceu ou vai acontecer? Essa teoria é importante tanto para praticarmos a meditação quanto para vivermos de maneira mais intensa, tranquila e feliz. É bom não levar as coisas muito a sério. Essa compreensão, por singela que seja, vai nos ajudar bastante em nossa caminhada. Uma pequena mudança na mente pode fazer uma enorme diferença na vida.
Ouça as lições que a própria natureza dá: o dia se transformando em noite, a mudança das estações, a brisa, o som de uma cachoeira. Isso nos mostra que tudo na vida é relativo, nada é permanente e, portanto, devemos ignorar as emoções e os pensamentos que obscurecem nosso gozo da vida e nos arrastam para o estresse ou o nervosismo. As coisas não precisam ser deste ou daquele modo. Só precisam ser.
Sejamos nós mesmos
Pense em quanto imitamos uns aos outros e agimos de acordo com o que nos ensinam ou com o que nossos amigos estão fazendo. Copiamos o modo como as outras pessoas vivem, comem, se vestem, etc. Depois, ao fazer comparações, as vezes, achamos que somos melhores que elas, as vezes piores. O tipo de vida que muita gente leva parece uma montanha russa. Multiplicamos nossos desejos e nsosas necessidades, gastamos cada vez mais dinheiro para nos sentirmos melhor. As vezes, armazenamos na mente milhares de imagens com as quais nos comparamos – imagens de uma pessoa ‘mais bonita’, de um empresário ”mais bem sucedido”… Sempre saímos perdendo na comparação, o que nos humilha e nos faz sofrer.
Quando não estamos nos comparando com ninguém, estamos julgando as outras pessoas, se são boas ou más, se agem corretamente ou não. Quando, no curso de uma conversa, algum amigo diz que certa pessoa é muito má, sempre fico triste. Talvez essa pessoa esteja faezendo coisas erradas, mas quem pode saber se é verdadeiramente má?
Sem dúvida, você pode se vestir bem e querer ter uma boa aparência, desde que não se sinta obrigado a competir com ninguém. Aceite-se como é. Você pode ser feliz ainda que os outros sejam mais altos, mais bonitos ou mais feios que você. Apenas vá ao seu encontro marcado ou à sua festa e volte satisfeito porque esta vivo. Não terá então inveja e poderá partilhar sentimentos genuinamente positivos com outras pessoas. É disso que nossa época precisa.
Lembre-se de que nossas experiencias na vida são apenas isso: experiências. Não tomam nosso lugar nem nos refletem. Não se agarre aos seus erros ou ao seu espírito crítico. Tenha a coragem de aceita-los, aprender com eles e ir em frente. O cotidiano deve ser vivido com descontração. Sei que isso é mais fácil de dizer que de fazer, mas você sabe que é bem mais produtivo quando está descontraído do que quando é assaltado por dúvidads e questionamentos.
Trecho do livro “Iluminação Diária – o Caminho Para A Felicidade No Mundo Moderno” de Gyalwang Drukpa. Compre o Livro Aqui.
Sua Santidade Gyalwang Drukpa
Uma breve introdução
Como um grande incentivador do humanitarismo, desde a década de 1980 ele tem trabalhado com projetos inovadores e já estabeleceu 16 organizações beneficentes e centros de Dharma na Europa, Estados Unidos, América do Sul e Ásia.
Além disso, Sua Santidade tem orientado uma escola reconhecida e premiada internacionalmente – Druk Pema Karpo School (Escola do Lótus Branco do Dragão) – em Ladakh, na Índia, oferecendo a seus estudantes uma educação moderna que, ao mesmo tempo, preserva a cultura local através de aulas e cursos especiais sobre os costumes, língua e a história de Ladakh.Em abril de 2009 este incansável mestre fundou o primeiro Concílio Drukpa Anual (ADC) – , dando início a um encontro que visa proporcionar , construir e nutrir as relações multi-laterais e inter-grupais dentro da Linhagem Drukpa. Como uma Tradição de yôguis e yôguinis que possuem ênfase na vida espiritual em solitude nos eremitérios e cavernas, as práticas por eles originadas estiveram em risco de se perder. O ADC é, portanto, um momento no qual a Linhagem pode se reconhecer, fortalecer e ampliar, apresentando a riqueza da visão, da ação e da herança espiritual budista ao mundo.
Desde sua juventude o líder espiritual Gyalwang Drukpa engaja-se em longas peregrinações a pé (Pad Yatras) para visitar e prestar homenagens a realizados mestres e aos locais sagrados. Sua Santidade costuma explicar que a prática da Pad Yatra é uma ferramenta eficiente para cultivar as qualidades e o treinamento do caminho budista tais como a generosidade, a ética grupal, a paciência, a perseverança, a estabilidade e a clareza mental.
- Em maio de 2010 foi honrado com Prêmio Bharat Jyoti (O Prêmio Glória da Índia), apresentado pela India International Friendship Society em Nova Delhi, capital do país.
- Em setembro de 2010 foi honrado e premiado pela Organização das Nações Unidas (ONU) com o prêmio “Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM)”.
- Também em setembro de 2010 foi convidado a participar da mesa do Comitê de Seleção da Premiação Terra (Earth Award Selection Commitee) em Londres, na Inglaterra, no dia do lançamento das atividades Live to Love naquele país.
- Em outubro de 2010 foi reconhecido por ter liderado um novo marco de Recorde Mundial Guiness (Guinness World Record-GWR) em prol da preservação ambiental da região himalaica de Ladhak, no norte da Índia, onde organizou e liderou 9.313 pessoas na plantação de 27.166 mudas em uma hora, a maior quantidade de árvores plantadas simultâneamente no mundo. Isso ocorreu como uma forma quase instantânea ou até mágica, de transformar e beneficiar o meio ambiente local, logo após grandes enchentes devastarem a região.
- Em dezembro de 2010, pelas suas iniciativas de preservação do meio ambiente e de soluções ecológicas para os problemas sociais na Índia, recebeu o prêmio “Herói do Meio-Ambiente” (Green Hero) do ano em Nova Delhi, das mãos do presidente do país Pratibha Patil..
- Em janeiro de 2011 lhe foi conferida a premiação “Orgulho da Índia” (Bharat Gaurav)pelas suas meritórias ações através do programa Live do Love – Viver para Amar.
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