Como um meditador lida com episódios de grave depressão?

Narayan Helen Liebenson, Tenzin Wangyal Rinpoche e Zenkei Blanche Hartman compartilham seu conselho sobre como um meditador lida com episódios de depressão.

Foto de Victorien Ameline.

Pergunta: Como um meditador lida com episódios de grave depressão?

Narayan Helen Liebenson: Uma depressão grave é uma das situações mais difíceis que podemos encontrar. Minha experiência é que a meditação pode ser benéfica, se praticada sob a supervisão de um terapeuta ou professor habilidoso.

Recomendo The Mindful Way through Depression, de Mark Williams, John Teasdale, Zindal Segal e Jon Kabat-Zinn. Com base em pesquisa de resultados, esse livro é fácil de ler e útil, com guia sonora para como a ferramenta do mindfulness (atenção plena) pode nos ajudar com os pensamentos e sentimentos que podem alimentar a depressão. Sua limitação é que a pessoa precisa estar automotivada, o que geralmente é um problema quando estamos deprimidos. Entretanto, se as ideias, conceitos e práticas puderem ser trabalhados em momentos em que não estamos deprimidos, então talvez possam ser praticados também durante um episódio depressivo.

Também pode ser útil trabalhar com um professor que conheça esse terreno pessoalmente, alguém que já trabalhou com isso em sua própria experiência. Há um professor birmanês chamado U Tejaniya que fala de sua própria história de depressão com muita candura, e que usa a prática de atenção plena para aliviar seu sofrimento. Ele sabe como a depressão pode ser um estado mental e físico terrível, e sabe também que libertar-se da depressão é possível.

Sinto que é crucial estar aberto à medicação antidepressiva. Embora os tempos tenham mudado, e os meditadores dos dias de hoje parecem estar mais abertos a medicar-se quando necessário, ainda assim pode ser um ponto difícil para aqueles que pensam que deveriam conseguir sair dessa condição sem medicamentos, ou que pensam em si como “sendo menos” por terem que se medicar, acreditando que deveriam confiar unicamente na prática budista.

Isso não é uma atitude sábia e aberta. Os antidepressivos podem ser uma medicina sagrada imensamente útil para equilibrar aquilo que está desequilibrado. Tomá-los pode ser uma ação compassiva, permitindo a alguém que se encontra incapacitado por esse tipo de sofrimento meditar de forma frutífera. É verdade que a questão da medicação é complexa e controversa, e que, embora os antidepressivos pareciam, alguns anos atrás, ser um grande milagre, isso nem sempre é verdade. Porém, para muitos, constituem claramente um auxílio.

 

Tenzin Wangyal Rinpoche: O poderoso suporte de um praticante do Budadarma é o refúgio nas três joias: o Buda, o darma e a sanga. É importante ter uma conexão com as três.

Podemos experimentar refúgio no Buda como uma conexão imutável, unívoca [single-faced], confiável que está sempre disponível e que é um tesouro inexaurível. A verdade está sempre aqui para ser encontrada. Com o segundo apoio, o darma, temos fé e confiança nos ensinamentos e no conhecimento que recebemos. Finalmente, há muito apoio em nossa conexão com a sanga, o calor daqueles que dedicam sua prática para o benefício de outros.

Temos a noção de refúgio porque, como seres sencientes, sofremos e precisamos de ajuda. A depressão é um momento em que podemos experimentar um forte sentimento de estar isolados, desconectados e desesperados. Se você é um praticante que está passando por essa dificuldade, é importante saber que isso não é uma falha pessoal. Não fique preso na armadilha de se sentir culpado, ou pensar que você não tem nenhum valor. Isso apenas agrega sofrimento ao sofrimento que faz parte da condição humana. 

Nesses momentos, é importante confiar no poder das três joias, a base do refúgio. A analogia familiar é que, quando o tempo está nublado e tempestuoso, você confia em que o sol ainda está ali, brilhando em um céu totalmente aberto. Mesmo se essa não for sua experiência no momento, você ainda sabe a direção geral do céu, e mesmo se você não puder ver o sol, você sabe que ele está ali. Da mesma forma, você pode confiar em que seu sofrimento é impermanente.

No Ocidente, algumas pessoas vêm para o estudo e a prática do budismo por causa de um sentimento de insatisfação com suas próprias crenças e sua cultura. O budismo pode parecer atraente porque é intelectualmente rico. Algumas pessoas se envolvem com os ensinamentos mais com uma compreensão intelectual do que com profundidade de experiência. Com frequência, o que está faltando é essa confiança experimental no refúgio e nas experiências internas que provêm disso. Quando a depressão vem, não é fácil confiar apenas em um refúgio que é um construto intelectual e não está profundamente enraizado na experiência.

Na vida diária, mesmo quando estamos nos sentindo bem, à parte das coisas que precisam ser feitas, como pagar impostos e contas, cuidar das crianças e comer, há muitas coisas que não precisam ser feitas. Algumas vezes, nos comprometemos a fazer coisas com base em um entusiasmo temporário sem saber o que significa no longo prazo, e nos exaurimos através do envolvimento em tarefas que não conseguimos cumprir. Mesmo dentro do suposto refúgio de seu próprio lar, você pode sentir que sua casa o chama a fazer algo – há louça para lavar, roupas para dobrar, pisos a aspirar. E há intermináveis conexões a serem mantidas através de retornar chamadas telefônicas e e-mails, sem mencionar nossos hábitos de passear pelo ciberespaço indefinidamente. Algumas vezes, há coisas que precisamos fazer, mas muitas vezes nosso fazer mascara uma inquietude subjacente. Do ponto de vista da prática meditativa, perdemos a qualidade de permanecer, ou descansar. Perdemos nossa conexão com o refúgio interno.

Qual é o refúgio interno que é nossa proteção em termos de dificuldade? Olhe para dentro e conscientize-se da quietude do corpo, do silêncio da fala interior e da vastidão da mente. Quando voltamos nossa atenção a esses três lugares, descobrimos as fundações do ser, ou a vastidão ilimitada, e a consciência que nos conecta com essa fundação, junto com o calor que genuinamente surge dessa conexão. Assim, eu prescrevo três “pílulas” para meus alunos – quietude do corpo, silêncio da fala interior e vastidão da mente – como forma de se conectar com o refúgio interior e como apoio para aqueles que sofrem com a depressão. Tome essas três pílulas com a maior frequência possível, noite e dia; elas não têm efeitos colaterais negativos. Tome-as no momento em que se sentir sobrecarregado ou sem chão firme. Precisamos de algo para o qual possamos imediatamente nos voltar quando estivermos instáveis. 

Algumas vezes, a depressão nos permeia tanto que não conseguimos sair da cama. Quando isso acontece, abra uma janela para experimentar o ar fresco e olhar para fora e contemplar o céu e a luz. Tente se conectar com o refúgio interno através dessa exposição para o céu e a luz no exterior. Isso pode abrir a porta da vastidão para você. Descanse, com os olhos abertos, por cinco ou dez minutos por vez, simplesmente olhando para o céu e a luz e não fazendo nada mais, como olhar para as esmagadoras coisas de sua casa que precisam ser atendidas. Em vez de olhar para sua cozinha, que está uma bagunça, descanse os olhos no céu e na luz como um apoio para se conectar com a vastidão interior. Lembre-se de que sua verdadeira natureza é ampla e clara como o céu, e que está apenas temporariamente obscurecida pelas nuvens da ansiedade e da depressão.

Como um praticante, é muito importante desenvolver confiança em si mesmo e na sua capacidade de experimentar o refúgio interior. As três pílulas são uma forma vivencial de passar a se conhecer e a confiar em você mesmo, e se conectar uma e outra vez com sua verdadeira natureza, sua natureza búdica. Através de se tornar cada vez mais familiar com o refúgio interior, interrompemos nossos padrões de ansiedade e podemos reconhecer um verdadeiro sentimento de lar interior. Encontramos o Buda interior. Embora esse conselho de darma não pretenda ser um substituto para uma atenção médica ou terapêutica adequada, a consciência de nossa própria natureza é, em última instância, a luz que trará clareza para a escuridão da depressão. 

Zenkei Blanche Hartman: Como minha prática pessoal nestes dias tem gravitado tão fortemente para o cultivo de metta, ou gentileza amorosa, minha primeira resposta é recomendar que você regularmente dê a si mesmo a maior quantidade de metta que puder reunir, especialmente quando estiver se sentindo deprimido. Porém, sei que a depressão profunda é uma doença séria e que eu não estou treinado para tratá-la, então me voltei para duas boas amigas que são psicoterapeutas treinadas e licenciadas, além de professoras Zen laicas, buscando uma resposta mais informada para sua pergunta. 

Uma delas sugeriu que é bom praticar com os outros pelo menos três vezes por semana. Você não quer ficar isolado. Ela também explicou que muito da depressão está relacionado com uma química do cérebro, e que se você fizer com que seu coração aumente seus batimentos durante vinte minutos por dia em uma caminhada firme, andando de bicicleta, nadando ou correndo, você aumentará seus níveis de serotonina e dopamina e produzirá endorfinas. Tudo isso, declara ela, ajudará a enfraquecer a depressão.

Ela indicou que é útil estar atento ao que está correndo por sua mente. Se você estiver ficando preso em ciclos negativos, é bom pausar quando perceber, então se dar os parabéns por ter percebido e encontrar alguma coisa (qualquer coisa) que você possa apreciar ao redor, mesmo que seja apenas uma cor agradável. É útil continuar com essa prática de apreciação sempre que pensar nela.

Minha outra amiga psicoterapeuta Zen explicou que, algumas vezes, os meditadores culpam a si mesmos por se sentirem deprimidos, como se estivessem no controle da causa de sua depressão (“Estou sofrendo e a culpa é minha.”). Ela indica que muitos de nós aprenderam que se sentir mal significa que somos maus, então podemos tentar nos livrar de uma experiência que pode ser entorpecente para alguns e excruciante para outros, ou consertá-la, ou remoer incessantemente sobre ela.

Ela observa que um professor experiente convidará um aluno para aceitar o que está acontecendo como simplesmente o que está acontecendo, e não colocar mais uma história por cima da experiência presente. O professor pode oferecer isto como um passo de apoio em direção a aceitar uma experiência desencorajadora interna como ela é (desencorajadora) ao mesmo tempo em que reconhece que isso é difícil para a maioria de nós, porque nossa tendência humana comum é fugir da dor.

Ela alerta que, quando estamos envolvidos em uma honesta meditação, podemos discernir que a meditação não é nada útil para a dor que estamos sentindo aqui e agora, e que algumas vezes é preciso dar as costas para o nosso sofrimento como a resposta mais compassiva que podemos ter. Um discernimento honesto, explica ela, nos ajuda a decidir se devemos ficar sentados sobre um joelho que está ficando inchado ou nos relacionarmos com uma dor de dente latejante ou dor no nervo ciático. Ela sugere que talvez precisemos fazer uma pausa na meditação por uns instantes e o professor pode oferecer uma companhia de profunda escuta para ver o melhor curso de ação neste momento, e depois no seguinte.

POR NARAYAN HELEN LIEBENSONGESHE TENZIN WANGYAL RINPOCHE E BLANCHE HARTMAN| 13/08/2019

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