“Conversations in the spirit”: Entrevista com Dudjom Rinpoche

De uma coleção de Entrevistas da WBAI “In the Spirit” de Lex Hixon traduzido por Daniele Vargas

Lex Hixon foi um talentoso praticante espiritual, erudito, autor que explorou extensivamente as grandes tradições religiosas. Ele publicou nove livros e passou 17 anos apresentando o programa de rádio “In the Spirit” na WBAI, onde entrevistou as principais luzes espirituais atuais. Trinta e três dessas entrevistas, cuidadosamente editadas, aparecem pela primeira vez impressas em Conversations in the Spirit. Os entrevistados incluem os gigantes espirituais Ram Dass, Alan Watts, Daniel Berrigan, Swami Muktananda, Kalu Rinpoche, Madre Teresa e Stephen Gaskin.

Dudjom Rinpoche – 4 de julho de 1976

Dudjom Rinpoche nasceu em 1904 na província tibetana de Pemakö, uma das quatro terras escondidas de Padmasabhava, e foi considerado um revelador dos tesouros (termas) ali escondidos. Como mestre Dzogchen, ele liderou a linhagem Nyingma. Ele também era um astrólogo, curador, poeta e erudito, e escreveu várias histórias tibetanas. Ele deixou o Tibete em 1958, estabelecendo comunidades para refugiados tibetanos na Índia e no Nepal. Em 1972, ele visitou Londres como convidado de Sogyal Rinpoche. Ele fundou muitos centros de Dharma no Ocidente, incluindo Dorje Nyingpo e Orgyen Samye Choling na França, e Yeshe Nyingpo e Orgyen Cho Dzong nos Estados Unidos. Dudjom Rinpoche era um yogui chefe de família. Ele se casou duas vezes e teve 10 filhos, muitos dos quais são Tulkus , incluindo seu filho Shenphen Dawa Rinpoche, um conhecido professor ocidental. Dudjom Rinpoche se estabeleceu com sua família no centro de Dordogne e morreu em 1987. Seu corpo está em uma stupa em seu mosteiro em Boudanath, Nepal.

Lex Hixon:   Nós temos um visitante muito especial conosco no estúdio esta manhã, Sua Santidade Dudjom Rinpoche, que é o chefe da mais antiga linhagem do Budismo Tibetano. Ele tem 74 anos. Ele fez um grande esforço para descer até a estação para falar diretamente com você. Eu acho que é especial que [hoje], no aniversário de 200 anos do nosso jovem país, tenhamos o representante da linhagem mais antiga do budismo tibetano aparecendo e falando sobre os mais elevados ensinamentos da mente. Sua Santidade quer dizer algumas palavras em saudação, e depois vou fazer-lhe algumas perguntas. Ele estará respondendo através de um tradutor.

Dudjom Rinpoche:   Estamos aqui em Nova York, nos Estados Unidos da América, por insistência e pedido de alguns dos meus discípulos e muitos outros seguidores interessados. Esses são seguidores do Dharma, particularmente na linha do Guru Padmasambhava, o grande mestre tântrico. E é muito auspicioso que isso coincida com o 200º aniversário da fundação da América. Estou muito feliz de estar aqui, em meios a vocês, e falando com vocês dessa forma.

Eu pude falar um pouco sobre Dharma e dar um pouco de informação a respeito disso. Ouvir é uma coisa tão importante na meditação – a qualidade da nobre audição. Por causa do interesse iniciado pela conversa, muitos seguidores tomaram refúgio. E também muitos receberam a iniciação do Guru Padmasambhava e de Vajrasattva, representando todas as divindades tântricas. O significado e o simbolismo que estão relacionados com eles, foram ensinados e explicados aos destinatários. Eu senti que isso teve algum efeito profundo.

Lex Hixon:  Eu gostaria de dizer que tive a sorte de receber a iniciação em Guru Padmasambhava. Foi muito notável. Sua Santidade deu uma série de três palestras públicas na Igreja da Comunidade de Nova York, onde ele apareceu em uma jaqueta tibetana muito simples e com o cabelo puxado para trás. Ele parecia talvez um pouco como o Dr. Suzuki dando palestras sobre Zen na Columbia. Então, quando fomos para o lugar onde as iniciações foram realizadas, ele parecia completamente diferente de mim. Seu cabelo parecia estar fluindo em todas as direções, e ele tinha uma linda túnica branca com uma borda vermelha de brocado. Foi uma experiência muito marcante. Quantas pessoas você acha que estavam lá?

Dudjom Rinpoche:  Eu penso em 200 pessoas. Estou muito feliz em descobrir que há um tremendo interesse aqui na América e receptividade aos ensinamentos espirituais em geral, e não apenas um mero interesse, mas um interesse genuíno foi gerado. E além disso, há uma conexão especial sentida por muitos ao Guru Padmasambhava, este grande mestre que trouxe o budismo tântrico para o Tibete e o colocou à disposição de todos, porque Guru Padmasambhava é aquele que é especialmente apto a nos acalmar nesta turbulenta e rápida jornada a qual estamos passando. Então, como eu pertenço à linhagem do Guru Padmasambhava, sinto-me especialmente feliz em ver que isso está acontecendo.

Lex Hixon:   No caso de uma figura como Guru Padmasambhava, isso é apenas uma projeção da mente em meditação, ou ele é uma figura viva real que existe tanto quanto nós?

Dudjom Rinpoche:   O Guru Padmasambhava é um com o Dharmakaya ou com o Buda primordial em essência. Portanto, ele é a essência de todos os Budas, mas ele manifesta-se neste mundo nosso por compaixão para ajudar os seres sencientes. Ele é, em essência, o Buda Amitaba, que se manifestou a partir de um lótus no lago Danakosha. Ele é conhecido como o guru nascido em lótus.

Seria difícil para nós seres humanos apreciarmos o Guru Padmasambhava se ele não se manifestasse nesta forma humana. Mas a essência do Guru Padmasambhava é sem qualquer limite de vidas, esferas ou tempo. Então ele veio em forma física, mas sua forma de sabedoria está em todo lugar e em todos os tempos. Historicamente falando, ele se afastou de nós. Mas [do ponto de vista da] sabedoria-sábia, ou intrinsecamente falando, ele está em todo lugar que há devoção. Se realmente percebermos que tudo isso é apenas uma mera manifestação da mente intrínseca, então o Guru Padmasambhava se torna um com a nossa mente quando esta natureza é verdadeiramente realizada.

Lex Hixon:   Sua Santidade sente alguma presença especial de Guru Padmasambhava em sua própria consciência, em seu próprio estado desperto?

Dudjom Rinpoche:   Ele vem em diferentes estágios ou esferas. Ele vem em uma forma visionária. Isso vem através dos sonhos, onde quer que a devoção seja mais receptiva. Quando a ajuda é mais necessária, a presença de Guru Rinpoche se faz percebida.

Lex Hixon:   Pode-se começar imediatamente a partir de uma posição não-dual de considerar a mente como pura, embora ainda haja obscurecimentos?

Dudjom Rinpoche:   No momento ainda estamos nos agarrando, ainda temos um problema com essa manifestação. Então, como resultado, temos que lidar com isso primeiro. A fim de lidar com isso, Guru Rinpoche manifestou-se compassivamente externamente e através da prece, para que esse apego de manifestação pudesse ser purificado. Uma vez que isso [os obscurecimentos] é removido, a mente intrínseca perceberá que é Guru Rinpoche.

Lex Hixon:  A mente intrínseca está em repouso ou em jogo? Ou ambos? Ou nenhum?

Dudjom Rinpoche:   Entre a interação dos dois, nós vivemos e nós existimos, nós pensamos. E assim, quando observamos a mente, quando observamos as mudanças e tentamos entendê-las, podemos obter certa compreensão. Mas para que esse entendimento seja mantido, ou para que possamos sustentá-lo, é necessário um esforço longo e árduo, quase um esforço sem esforço, para manter esse estado de mente. Nós temos que trabalhar para isso.

Lex Hixon:   Já que Sua Santidade experimenta essa mente natural, você poderia nos dizer quais são as marcas dessa mente natural? Por quais características você reconhece isso?

Dudjom Rinpoche:   Nossa mente está intrinsecamente vazia, ou shunyata, mas devido à manifestação, não a vemos como vacuidade. Coloque desta forma: nós colocamos nosso pensamento ou concentração mais no brilho da manifestação da mente, e não prestamos atenção ao que realmente somos. Preferimos nos agarrar aos aspectos manifestos disso. Esse é o problema.

Lex Hixon:   Quais são as características da mente quando ela não está se apegando?

Dudjom Rinpoche:   Quando a mente está sem o nosso apego, ela está em seu estado natural, destituída de um eu, clara e tudo permeia como o céu. Mas o nosso agarramento a ela é como uma nuvem que obscurece o céu, como segurar essa manifestação vazia quase de mãos vazias. É disso que se trata o nosso apego. E é por isso que é tão fútil.

Lex Hixon:   A mente básica e suprema, que é a nossa mente natural – quando a percebemos – flui como um córrego, ou é absolutamente imóvel, digamos, como espaço vazio ou céu?

Dudjom Rinpoche:   Embora a mente esteja intrinsecamente toda permeante como o céu, em sua manifestação surge um problema, como explicado anteriormente. É por isso que para realizar a natureza intrínseca da mente, temos que respeitar a complicação relativa.

Portanto, ambas as práticas devem ser combinadas; isto é, respeitando o aspecto relativo da prática, porque às vezes as pessoas esquecem a importância disso e tentam entender a mente apenas pela meditação. Isso não é possível. Até que as nuvens de obscurecimentos sejam removidas, nenhuma mente intrínseca pode ser realizada. Então há de primeiro remover-se as nuvens e então você pode começar a olhar por trás. Mas, mesmo removendo essa nuvem, devemos sempre nos relacionar conosco. Caso contrário, torna-se uma complicação em si, se apenas nos agarrarmos à prática externa e não vermos a natureza intrínseca.

Lex Hixon:   Portanto, há uma prática relativa e uma prática absoluta?

Dudjom Rinpoche:  Inter-relacionadas, ambas inter-relacionadas.

Lex Hixon:  Então, mesmo para alguém que é iniciante, começar a prática relativa poderia, ao mesmo tempo, de maneira humilde e sensível, começar uma prática absoluta?

Dudjom Rinpoche:  É muito importante mesmo para um iniciante entender a natureza da mente intrínseca. Claro, é mais fácil para nós entendermos do que mantê-la ou compreendê-la completamente. Mas primeiro deve haver essa compreensão no fundo de nossas mentes a respeito do que a mente realmente é para que você possa relacionar até mesmo a prática relativa à luz disso. Isso faz toda a diferença.

Lex Hixon:   Uma das maiores bênçãos é a bênção da mente do lama, a mente do guru. Evidentemente há uma possibilidade de ensino e contato de mente a mente. Poderia Sua Santidade explicar isso?

Dudjom Rinpoche:  A essência dos Budas é por compaixão e habilmente manifestam-se ou tomam forma no lama externo como exemplo. Assim, em conexão com ele, e através de aprender e de segui-lo, desenvolvemos nossa mente e finalmente, através da ajuda desse símbolo externo, podemos obter insight e compreender o significado do lama interno. Em última análise, unificamos nossa mente com aquele lama absoluto, que está em nossa mente o tempo todo. Essa é a natureza de Buda.

Lex Hixon:  Poderia Rinpoche dizer algo sobre sua própria vida, como começou a prática da meditação? Eu imagino que foi ainda como um jovem menino. Pode Sua Santidade dizer algo sobre alguns dos estágios e compreensão pelos quais passou?

Dudjom Rinpoche:  Em primeiro lugar, tive muita sorte de ter nascido em uma família que é orientada espiritualmente ou tem esse background, então fui criado no caminho do Dharma. Também pude ver muitos e muitos grandes mestres e receber ensinamentos deles na forma de iniciações, instruções e de uma forma que é quase uma transferência direta de compreensão através da orientação do lama. Eu posso dizer que recebi quase todos os ensinamentos. No entanto, como assumi a responsabilidade de um lama, como praticante, muitas vezes fico muito ocupado trabalhando com os outros, como resultado, não tenho muito tempo para seguir minha própria prática.

Geralmente, se alguém segue a meditação e prática fielmente e corretamente, os efeitos que eles têm, quase os efeitos colaterais, são tremendos. Pode-se ser capaz de voar quase como um pássaro, sabe? Pode-se ganhar quase uma espécie de asas espirituais como tal. Também se pode viajar longas, longas distâncias em pouco tempo ou atravessar rios facilmente quase sem tocá-lo. Pode-se viver comendo pedras e coisas que normalmente não imaginaríamos que pudéssemos comer. Coisas assim são efeitos colaterais dessa experiência que podem ser obtidas.

Tradutor:  Minha experiência como tradutor é que as pessoas ficam muito obcecadas com esses efeitos colaterais e pensam em como elas são ótimas. A razão pela qual digo que são efeitos colaterais é porque a prática não é feita para atingir esses poderes sobrenaturais. Estes são apenas sintomas que expressam o que foi alcançado.

Dudjom Rinpoche:   Estou dizendo tudo isso apenas para indicar como a prática pode ter efeito, particularmente se seguirmos na linha de Guru Padmasambhava. Tem os efeitos extraordinários de trazer esses tipos de sintomas de meditação. Se alguém segue a prática corretamente, pode-se dissolver o corpo físico comum com a mente. Pode não deixar nada para trás. Ou, para satisfazer algumas pessoas que podem não pensar assim tão bem sobre isso, ele pode simplesmente desaparecer, mas apenas para indicar que não estava apenas desaparecendo para um outro reino, mas um verdadeiro desaparecimento: as unhas e o cabelo são deixados para trás. Então, esses tipos de sinais podem ser alcançados. Como exemplo, meu predecessor, Dudjom, tinha 13 discípulos que alcançaram esse tipo de realização espiritual, onde o corpo inteiro é transmutado virtualmente em raios de luz.

Lex Hixon:   Rinpoche, por que alguém quer que seu corpo desapareça em arco-íris em primeiro lugar? Por que alguém quer isso?

Dudjom Rinpoche:  Este corpo é o resultado de nossos próprios obscurecimentos cármicos. Este corpo é o que chamamos corpo grosseiro, não corpo sutil. Através do poder da prática e da meditação, esse corpo denso, que é o resultado de ilusões kármicas, pode se dissolver no corpo sutil. Mesmo que não possamos nos dissolver no Corpo de Luz do Arco-Íris através de práticas como as práticas Mantrayana [ou outras] que temos, podemos descobrir que temos a natureza intrínseca do Buda em nosso corpo. Nós temos essa natureza potencial. Através da prática, podemos aperfeiçoar e purificar tudo isso nas percepções puras, de modo que toda a aparência se manifestaria como as mandalas das diferentes divindades ou mantras. Não haveria obstáculos para atravessar montanhas e rochas ou ir para o espaço. Estes são os resultados, o poder da prática. Nós podemos ganhar todos esses poderes milagrosos.

Lex Hixon: É possível que um lama ou uma pessoa que tenha tido essa percepção mais elevada e que ainda esteja viva, que eles possam parecer ter um corpo comum que funciona da maneira comum, mas na verdade que todos os sistemas nervosos e tudo tenham sido completamente purificados? E, na verdade, o corpo não é um corpo comum?

Dudjom Rinpoche:  Sim, há muitos que através da prática interna aperfeiçoaram tudo em pureza de percepções, mas continuam sendo muito comuns. Há muitos grandes seres realizados que, mesmo quando alcançam o terceiro estágio de estar além das práticas e conceitos, para beneficiar os seres, eles permaneceram porque nossa prática e ensinamentos estão baseados no compromisso de salvar todos os seres sencientes. Eles podem beneficiar os seres através do seu corpo, por serem vistos, serem ouvidos, serem tocados ou serem lembrados.

Há muitos grandes professores, como o anterior Sua Santidade Dudjom Rinpoche, que teve o reconhecimento da verdadeira natureza e desenvolveu todos os tipos de realizações. Ele teve a visão do próprio Guru Rinpoche e parou sua prática. Ele explicou que Padmasambhava lhe disse: “Eu te enviei para beneficiar seres. Agora é hora de parar sua prática. Você tem que beneficiar seres. ” Assim, existem grandes seres que permanecem sem deliberar em transformação total nos Corpo de Luz do Arco-Íris.

Lex Hixon:  Sua Santidade, por favor, ore por nós que estamos ouvindo agora, que possamos domar nossas mentes e realizar que nossos corpos e mentes comuns são primordialmente puros.

Dudjom Rinpoche:  Sim, definitivamente todos nós devemos desejar isso e orar para que quem quer que tenha uma conexão com o grande Guru Padmasambhava, que este possa ser o último renascimento neste universo, e que nós possamos alcançar o nível primordial do Buda Samantabhadra. E mesmo se não pudermos alcançar esse nível através de práticas ainda, com quem nós temos conexões através de orações e desejos, poderemos renascer nos campos de Buda do Guru Nascido do Lótus na Montanha Cor-de-Cobre.

Lex Hixon:   Sua Santidade, você mencionou o reino transcendental de Padmasambhava. A maioria de nós completará nossa prática espiritual nesse reino transcendental? Ou seremos capazes de completá-lo aqui neste reino?

Dudjom Rinpoche:  Aqueles que rezam e desejam renascer no campo de Buda de Padmasambhava, quando vamos após a morte através da experiência do Bardo, o estágio intermediário entre a morte e o renascimento, naquele exato momento nós experimentaríamos todos os Dakas e dakinis   cumprimentando-nos no campo especial de Buda do Guru Nascido do Lótus, Padmasambhava. Lá, poderíamos receber ensinamentos e práticas e podemos alcançar a realização lá. Aqueles que obtiverem a realização lá, novamente, o Grande Guru nos enviará de volta para beneficiar os seres nesta terra, dizendo que você deve passar por essas práticas e beneficiar os seres.

Lex Hixon: Onde é esse campo de Buda? É longe daqui?

Dudjom Rinpoche:  Aquele campo de Buda, a montanha de cor cobre, depende apenas da nossa mente natural. É apenas ao nosso lado se temos as inspirações e orações. Não é um lugar onde possamos alcançar com nossos pés. Se tivermos a inspiração, é logo ao nosso lado.

É para beneficiar os seres que todos esses campos de Buda, como a Montanha de Cor Cobre e Shambhala, são manifestados. Todos esses reinos celestes não são lugares que podemos percorrer por meios comuns. Temos de alcançá-los através do nosso progresso interno e do desenvolvimento do nosso entendimento.

Lex Hixon at WBAI

Comentarios:

comments

  • ~omn~

    Magnífica entrevista com Sua Santidade Dudjom Rinpoche! 🙂 gratidão ^.^