“Faça de Sua Mente um Oceano”. Parte 2: Uma Abordagem budista para a ‘Doença Mental’ Lama Thubten Yeshe

Capítulo Dois: Uma Abordagem budista para a ‘Doença Mental’

Eu nasci perto de Lhasa, capital do Tibete, e fui educado na Universidade Monástica Sera, um dos três grandes mosteiros em Lhasa. Lá eles nos ensinaram a pôr fim aos problemas de humanos – nem tanto os problemas que as pessoas enfrentam em sua relação com o ambiente externo, mas os problemas mentais, internos, que todos nós enfrentamos. Isso foi o que eu estudei – psicologia Budista; como tratar a doença mental.

Nos últimos dez anos, tenho trabalhado com os ocidentais, experimentando para ver se a psicologia Budista também funciona com a mente ocidental. Pela minha experiência, tem sido extremamente eficaz. Recentemente, alguns desses alunos me convidaram para vir ao Ocidente dar palestras e cursos de meditação, por isso estou aqui.

Nós, lamas, achamos que o ponto principal é que os problemas humanos surgem principalmente a partir da mente, não do ambiente externo. Mas ao invés de falar de coisas que você pode achar irrelevante, talvez seria melhor para você fazer perguntas específicas para que eu possa abordar diretamente as questões que são de maior interesse para você.

Dr. Stan Gold: Lama Yeshe, muito obrigado por ter vindo. Eu poderia começar perguntando o que você quer dizer com “doença mental”?

Lama Yeshe: Por doença mental eu quero dizer o tipo de mente que não vê a realidade; uma mente que tende a querer exagerar ou subestimar as qualidades da pessoa ou objeto que percebe, o que sempre causa problemas. No Ocidente, vocês não consideram que esta seja uma doença da mente, mas a interpretação da psicologia ocidental é muito estreita. Se alguém está, obviamente, emocionalmente perturbado, você considera que isto é um problema, mas se alguém tem uma incapacidade fundamental para enxergar a realidade e compreender a sua verdadeira natureza, você não vê isso como problema. Não conhecer a sua própria atitude mental é um problema enorme.

 Os problemas dos seres humanos são mais do que apenas estresse emocional ou relacionamentos conturbados. Na verdade, esses são pequenos problemas. É como se houvesse um enorme oceano de problemas abaixo, mas tudo o que vemos são as pequenas ondas na superfície. Nós nos concentramos nestes problemas – “Oh, sim, isso é um grande problema”, ignorando a verdadeira causa, a natureza insatisfeita da mente humana. É difícil de ver, mas consideramos as pessoas que não têm conhecimento da natureza de sua mente insatisfeita serem doentes mentais; suas mentes não são saudáveis.

P: Lama Yeshe, como você trata a doença mental? Como você ajuda as pessoas com doença mental?

 Lama: Sim, bom, maravilhoso. Minha maneira de tratar a doença mental é levar a pessoa a analisar a natureza básica de seu próprio problema. Eu tento mostrar-lhe a verdadeira natureza da sua mente, para que com a sua própria mente, ela possa entender os seus próprios problemas. Se ela pode fazer isso, pode resolver seus próprios problemas. Eu não creio que eu possa resolver os seus problemas simplesmente conversando com eles um pouco. Isso pode fazer com que se sintam um pouco melhor, mas é um alívio muito transitório. A raiz de seus problemas atinge profundamente a sua mente; enquanto estiver lá, alterar as circunstâncias irá causar mais problemas ainda.

Meu método é fazer com que ele analise sua própria mente, a fim de ver gradualmente a sua verdadeira natureza. Eu tive a experiência de dar um pouco de aconselhamento a alguém e levá-lo a pensar: “Ah, ótimo, o meu problema foi embora; Lama resolveu com apenas algumas palavras “, mas isso é uma invenção. Ele só está inventando. Não há nenhuma maneira de você entender os seus próprios problemas mentais sem se tornar seu próprio psicólogo. É impossível.

P: Como você ajuda as pessoas a compreender os seus problemas? Qual é o seu método?

Lama: Eu tento mostrar-lhes o aspecto psicológico de sua natureza, como analisar suas próprias mentes. Uma vez que eles sabem isso, eles podem analisar e resolver seus próprios problemas. Eu tento ensinar-lhes esta abordagem.

P: Qual é, exatamente, o método que você ensina para conhecer a verdadeira natureza de nossa mente?

Lama: Basicamente, é uma forma de examinar, ou analisar, a sabedoria.

P: É uma espécie de meditação?

Lama: Sim, uma meditação ou avaliação analítica.

P: Como você faz isso? Como você ensina alguém a se avaliar?

Lama: Deixe-me dar um exemplo. Digamos que eu tenha uma boa impressão de alguém. Eu tenho que me perguntar: “Por que me sinto bem com esta pessoa? O que me faz sentir desse jeito?” Analisando este pensamento, eu poderia achar que é só porque ela me tratou bem uma vez, ou que há algum outro motivo semelhante, ilógico. “Eu o amo porque ele fez isso ou aquilo.”  É a mesma coisa se eu tiver uma má impressão de alguém; Eu não gosto dele porque ele fez coisa tal. Mas se você olhar mais profundamente para ver se essas boas ou más qualidades realmente existem dentro da pessoa, você pode ver que a sua discriminação de amigo ou inimigo é baseado em um raciocínio muito superficial, ilógico. Você está baseando o seu julgamento em qualidades insignificantes, e não na totalidade do ser da outra pessoa. Você vê alguma qualidade e você rotula como bom ou ruim, talvez algo que a pessoa disse ou fez, e segue com seu raciocínio exagerado. Então você fica abalado com o que você percebe. Através da análise pessoal, você pode ver que não há nenhuma razão para discriminar desta forma; isso só o deixa irritado, tenso e em sofrimento. Este tipo de avaliação não analisa a outra pessoa, mas sua própria mente, a fim de ver como você se sente e determina que tipo de mente discriminativa te faz sentir assim. Esta é uma abordagem essencialmente diferente da análise ocidental, que se concentra excessivamente em fatores externos e não o suficiente no papel desempenhado pela mente na vivência das pessoas.

P: Então você diz que o problema está dentro da pessoa e não concorda com o ponto de vista de que é a sociedade que faz com que as pessoas fiquem doentes?

Lama: Sim. Por exemplo, eu conheci muitas ocidentais que tiveram problemas com a sociedade. Elas estão com raiva da sociedade, de seus pais, de tudo. Quando eles entendem a psicologia que eu ensino, eles pensam: “Ridículo! Eu sempre culpei a sociedade, mas, na verdade, o verdadeiro problema está dentro de mim esse tempo todo.”  Então eles se tornam seres humanos corteses, respeitosos à sociedade, à seus pais, seus professores e aos demais. Não podemos culpar a sociedade por nossos problemas.

P: Por que as pessoas confundem as coisas assim?

Lama: É porque elas não conhecem a sua verdadeira natureza. O meio ambiente, as ideias e filosofias podem ser causas que contribuem, mas a princípio, os problemas vêm de sua própria mente. Claro, a maneira como a sociedade está organizada perturba algumas pessoas, mas os problemas são geralmente pequenos. Infelizmente, as pessoas tendem a exagerar e ficar chateadas. É assim que funciona a sociedade, mas quem pensa que o mundo pode existir sem ela, está sonhando.

P: Lama, o que você encontra no mar da natureza de alguém?

Lama: Quando eu uso essa expressão, eu estou dizendo que os problemas das pessoas são como um oceano, mas nós vemos apenas as ondas superficiais. Nós não vemos o que está no seu interior, além das ondas superficiais. “Oh, eu tenho um problema com ele. Se eu me livrar dele eu vou resolver os meus problemas.”  É como olhar para os aparelhos elétricos sem entender que é a eletricidade que os faz funcionar.

P: Que tipo de problemas encontramos sob as ondas?

Lama: Insatisfação. A mente insatisfeita é o elemento fundamental da natureza humana. Estamos insatisfeitos conosco; estamos insatisfeitos com o mundo exterior. Essa insatisfação é como um oceano.

P: Você pergunta as pessoas sobre si mesmo ou como elas se sentem para ajudá-las a compreenderem a si mesmas?

Lama: Às vezes, mas geralmente não fazemos isto. Algumas pessoas têm problemas muito específicos; em tais casos, ajuda saber exatamente o que são esses problemas para que possamos oferecer as soluções certas. Mas geralmente não é necessário porque, basicamente, os problemas de todos são os mesmos.

P: Quanto tempo você gasta conversando com essas pessoas para saber mais sobre seus problemas e como lidar com eles? Como você sabe, na psiquiatria ocidental, passamos grande parte do tempo com os pacientes para ajudá-los a descobrir a natureza dos seus problemas por si mesmos. Você faz a mesma coisa, ou você faz isso de forma diferente?

Lama: Nossos métodos não nos obrigam a gastar muito tempo com as pessoas individualmente. Explicamos a natureza fundamental dos problemas e a possibilidade de transcendê-las; então ensinamos técnicas básicas de como lidar com os problemas. Eles aplicam estas técnicas; depois de um tempo, conferimos para ver quais tem sido os resultados.

P: Você está dizendo que, basicamente, todo mundo tem os mesmos problemas?

Lama: Sim, certo. Leste, Oeste, é basicamente a mesma coisa. Mas no Ocidente, as pessoas precisam estar clinicamente doentes antes de dizer que eles estão enfermos. Isso é muito superficial para nós. De acordo com a psicologia de Buda e a experiência dos lamas, a doença é mais profunda do que apenas a evidente expressão de sintomas clínicos. Enquanto o oceano de insatisfação permanece dentro de você, uma leve alteração no ambiente pode ser o suficiente para trazer problemas. Tanto quanto sabemos, mesmo sendo suscetível a futuros problemas, significa que sua mente não seja saudável. Todos nós somos basicamente os mesmos, ou seja, nossas mentes estão insatisfeitas. Como resultado, uma pequena mudança em nossas circunstâncias externas pode nos fazer mal. Por quê? Porque o problema principal está dentro de nossas mentes. É muito mais importante erradicar o problema na raiz do que gastar todo o nosso tempo tentando lidar com os problemas superficiais e emocionais. Esta abordagem não faz com que os problemas cessem; ela apenas substitui um problema que pensamos ter resolvido por um problema novo.

P: O meu problema fundamental é o mesmo que o seu problema?

Lama: Sim, o problema principal de todos é o que chamamos de ignorância – não entendemos a natureza da mente insatisfeita. Enquanto você tem esse tipo de mente, você está no mesmo barco que os outros. Essa incapacidade de ver a realidade não é um problema exclusivamente ocidental ou um problema exclusivamente oriental. É um problema humano.

P: O problema principal é não saber a natureza da sua mente?

Lama: Certo, sim.

P: E a mente de todos tem a mesma natureza?

Lama: Sim, a mesma natureza.

P: Cada pessoa tem o mesmo problema fundamental?

Lama: Sim, mas há diferenças. Por exemplo, há cem anos, as pessoas no Ocidente tinham certos tipos de problemas. Em grande parte, através do desenvolvimento tecnológico, eles resolveram muitos deles, mas agora problemas diferentes surgiram em seu lugar. Isso é o que eu estou dizendo. Novos problemas substituem os antigos, mas eles ainda são problemas, por que o problema fundamental e principal permanece. O problema fundamental é como um oceano; os que tentamos resolver são apenas as ondas. É o mesmo no Oriente. Na Índia, os problemas que as pessoas sentem nas aldeias são diferentes dos problemas das pessoas na capital, Nova Deli, mas eles continuam sendo problemas. Leste, Oeste, o problema fundamental é o mesmo.

P: Lama, no meu entender, o problema principal é que as pessoas perdem o contato com a sua própria natureza. Como é que perdemos o contato com a nossa própria natureza? Por que isso acontece?

Lama: Uma das razões é que estamos preocupados com o que está acontecendo do lado de fora. Estamos tão interessados ​​no que está acontecendo no mundo ao redor que não temos tempo para examinar o que está acontecendo em nossas mentes. Nós nunca nos perguntamos por que o mundo dos sentidos é tão interessante, por que as coisas são como são, por que reagimos como reagimos a este mundo. Eu não estou dizendo que devemos ignorar o mundo exterior, mas devemos gastar pelo menos a mesma quantidade de energia analisando nosso relacionamento com ele. Se pudermos compreender a natureza tanto do sujeito e do objeto, então podemos realmente colocar um fim aos nossos problemas. Você pode sentir que materialmente a sua vida é perfeita, mas você ainda pode se perguntar: “Será que isso realmente me satisfaz? Isso é tudo o que existe?”  Você pode examinar sua mente, “De onde realmente vem a satisfação?”  Se você entender que a satisfação não depende somente de coisas externas, você pode desfrutar de ambas as posses materiais e a paz de espírito.

P: A natureza da satisfação humana é diferente ou é o mesmo para todos no geral?

Lama: Relativamente falando, cada indivíduo tem sua própria maneira de pensar, de sentir e de discriminar as coisas; portanto, a alegria é algo individual. Relativamente. Mas se você analisar mais profundamente, se você olhar para os ​​níveis mais profundos e imutáveis dos sentimentos, da  felicidade e da alegria, você vai ver que todo mundo pode atingir níveis idênticos de prazer. No mundo relativo pensamos: “Meus interesses e prazeres são tal e tal, por isso eu tenho que ter isso ou aquilo. Se eu me encontrar nessa ou aquela circunstância, serei miserável.”  Relativamente, as nossas experiências são individuais.; cada um discerne de sua própria maneira. Mas absolutamente, podemos experimentar um nível idêntico de felicidade.

P: Lama, você resolve os problemas das pessoas fazendo com que eles se retirem em meditação ou se isolem do mundo exterior? É esta a forma que você trata as pessoas?

Lama: Não necessariamente. As pessoas devem estar totalmente conscientes do que acontece em suas próprias mentes, bem como suas mentes estão se relacionando com o mundo exterior, qual o efeito que o ambiente tem sobre suas mentes. Você não desliga a sua vida do mundo afora. Você tem que enfrentá-lo; você tem que estar aberto a tudo.

P: Seu tratamento é sempre bem-sucedido?

Lama: Não. Não necessariamente.

P: O que faz com que seja bem-sucedido em certos casos?

Lama: Às vezes, há um problema na comunicação; as pessoas não compreendem o que estou dizendo. Talvez as pessoas não tenham paciência para colocar os métodos que eu recomendo em ação. Leva tempo para tratar a mente insatisfeita. Mudar a mente não é como pintar uma casa. Você pode mudar a cor de uma casa em uma hora. É preciso muito mais do que isso para transformar uma atitude da mente.

P: De quanto tempo você está falando? Meses? Anos?

Lama: Depende da pessoa e do tipo de problema que estamos falando. Se você está tendo um problema com seus pais, talvez você possa resolvê-lo em um mês. Mas mudar e superar a mente insatisfeita pode levar muitos, muitos anos. As ondas são fáceis; o oceano é mais difícil. Obrigado, esta foi uma ótima pergunta.

P: Você tem algum processo pelo qual você seleciona as pessoas que você tenta ajudar?

Lama: Não, nós não temos nenhum processo de seleção.

P: As pessoas simplesmente vêm até você?

Lama: Sim. Qualquer um pode vir. Independentemente da cor, raça, classe ou gênero, todos os seres humanos têm o mesmo potencial para resolver os seus problemas. Não há nenhum problema que não possa ser resolvido pela sabedoria humana. Se você é sábio, você pode resolvê-los todos.

P: E quanto às pessoas que não são tão sábias?

Lama: Então, você tem que ensinar essas pessoas a serem sábias. A sabedoria não é intuitiva; você tem que abrir a mente das pessoas a ela.

P: Você pode ajudar crianças a resolverem seus problemas desta maneira?

Lama: Isso é definitivamente possível. Mas com as crianças nem sempre é possível intelectualizar. Às vezes, você tem que mostrar-lhes as coisas através da arte ou por suas ações. Às vezes não é tão sábio dizer-lhes para fazer isso ou aquilo.

P: Lama, que tipo de conselho você daria aos pais para ajudar seus filhos a conhecerem a sua natureza interior?

Lama: Primeiro, eu provavelmente diria que é melhor não intelectualizar verbalmente. Ao agir corretamente e criar um ambiente de paz há uma probabilidade maior de ser eficaz. Se você fizer isso, as crianças irão aprender automaticamente. Até as crianças pequenas percebem as vibrações. Eu me lembro que quando eu era criança, quando meus pais discutiam, eu me sentia péssimo; era doloroso. Você não precisa dizer muito às crianças, mas sim se comportar adequadamente, de forma pacífica e suavemente, e criar um bom ambiente. Isso é tudo; especialmente quando eles são pequenos demais para entender a linguagem.

P: Qual a importância do corpo na felicidade humana?

Lama: Se você quer ser feliz, é muito importante que o seu corpo seja saudável, por causa da estreita ligação entre o sistema nervoso físico e sua mente. Uma alteração em seu sistema nervoso irá causar uma alteração em sua mente; mudanças em seu corpo mudam também a sua mente. Há uma forte ligação entre os dois.

P: Você tem algum conselho no que diz respeito à dieta ou comportamento sexual para manter o corpo saudável?

Lama: Ambos podem ser importantes. Claro, somos todos diferentes, então você não pode dizer que a mesma dieta vai atender a todos. Como indivíduos, os nossos corpos estão habituados a dietas específicas, então mudanças radicais na dieta podem chocar nossos sistemas. Além disso, muita atividade sexual pode enfraquecer nosso corpo, que por sua vez pode enfraquecer nossas mentes, o nosso poder de concentração e sabedoria.

P: O que é demais?

Lama: Mais uma vez, isso depende do indivíduo. Não é o mesmo para todos. O poder do corpo de cada um varia de pessoa em pessoa; analise através de sua própria experiência.

P: Por que estamos aqui? Qual é a nossa razão de viver?

Lama: Enquanto nós estamos ligados ao mundo, estamos ligados ao nosso corpo, por isso temos de viver nele.

P: Mas para onde é que eu vou? Eu tenho que ir a algum lugar?

Lama: Sim, claro, você não tem escolha. Você é impermanente, então você tem que ir a algum lugar. Seu corpo é composto de quatro elementos em constante mudança: terra, água, fogo e ar. Quando eles estão em equilíbrio, você cresce adequadamente e fica saudável. Mas se um deles fica fora de equilíbrio com o resto, ele pode causar um caos em seu corpo e acabar com sua vida. A psicologia de Buda ensina que relativamente, a característica da mente é bem diferente da do corpo físico.

P: Será que vivemos continuamente em aperfeiçoamento? Quando você envelhecer, você será melhor do que você é agora?

Lama: Você nunca pode ter certeza disso. Às vezes, os velhos são piores do que as crianças. Depende de quanta sabedoria você tem. Algumas crianças são mais sábias do que os adultos. Você precisa de sabedoria para progredir durante toda sua vida.

P: Se você entender a si mesmo melhor nesta vida, você melhora na próxima?

Lama: Quanto melhor você compreender a natureza de sua mente nesta vida, melhor será a sua próxima vida. Se você entender a sua própria natureza bem ainda nesta vida, ainda no próximo mês suas experiências serão melhores.

P: Lama, o que significa nirvana?

Lama: Nirvana é uma palavra Sânscrita que significa liberdade ou libertação. Libertação interior. Isso significa que o seu coração não está mais vinculado a uma mente descontrolada,  insubmissa e insatisfeita, em total desapego. Quando você percebe a natureza absoluta de sua mente, você libertar-se da escravidão e é capaz de encontrar prazer sem depender de objetos materiais. Nossas mentes estão presas por causa da concepção do ego; para nos livrar das ataduras, temos que abrir mão do nosso ego. Isso pode parecer estranho para você, que você deve abrir mão do seu ego. Certamente não é algo falamos sobre aqui no Ocidente. Pelo contrário, aqui somos ensinados a construir nossos egos; se o seu ego não for forte, você está perdido, você não é humano, você é fraco. Esta parece ser a visão da sociedade. No entanto, do ponto de vista da psicologia budista, a concepção do ego é o nosso maior problema, o rei dos problemas; as outras emoções são como ministros, o ego é rei. Quando você chegar além do ego, as outras ilusões desaparecem, a mente atada e desequilibrada desaparece, e você alcança um estado de espírito de bem-aventurança eterna. Isso é o que chamamos de nirvana, liberdade interior. Sua mente já não está condicionada, amarrada a outra coisa, como ela está no momento. Atualmente, porque nossa mente depende de outros fenômenos, quando esses outros fenômenos acontecem, eles cativam a nossa mente.  Nós não temos nenhum controle; nossa mente é levada como um animal com um anzol em seu nariz. Nós não somos livres; não temos independência. Claro, pensamos ser livres, pensamos ser independentes, mas nós não somos; não somos livres interiormente. Toda vez que a mente descontrolada surge, nós sofremos. Portanto, a libertação significa liberdade da dependência de outras condições e experimentar a estável, bem-aventurança eterna, ao invés dos altos e baixos de nossa vida cotidiana. Isso é o nirvana. Claro, esta é apenas uma breve explicação; poderíamos falar sobre isso durante horas, mas não agora. No entanto, se você entender a natureza da liberdade interior, você percebe que os prazeres sensoriais são transitórios e insuficientes, e que eles não são o ponto mais importante. Você percebe que como ser humano você tem a capacidade e os métodos para chegar a um permanente estado de eterna alegria. Isso te dá uma nova perspectiva da vida.

P: Por que você acha que os métodos da psicologia Budista oferecem ao  indivíduo a chance de alcançar a felicidade eterna, enquanto outros métodos apresentam grandes dificuldades em alcançá-la e, e as vezes, nunca alcançam?

Lama: Eu não estou dizendo que, porque métodos budistas funcionam, não precisamos de quaisquer outros. As pessoas são diferentes; problemas individuais exigem soluções individuais. Um método não funciona para todos. No Ocidente, não se pode dizer que o cristianismo oferece uma solução para todos os problemas humanos, por isso não precisamos da psicologia ou do hinduísmo ou qualquer outra filosofia. Isso é errado. Precisamos de uma variedade de métodos, porque diferentes pessoas têm diferentes personalidades e diferentes problemas emocionais. Mas a verdadeira questão que temos que perguntar sobre qualquer método é se este pode realmente solucionar completamente os problemas da humanidade, para sempre. Na verdade, o próprio Buda ensinou uma incrível variedade de soluções psicológicas para uma vasta gama de problemas. Algumas pessoas pensam que o budismo é um assunto pequeno. Na verdade, Buda ofereceu bilhões de soluções para os inúmeros problemas que as pessoas enfrentam.  Quase que uma solução personalizada foi dada a cada indivíduo. O Budismo nunca diz que há apenas uma solução para cada problema, que “Este é o único caminho.” Buda deu uma incrível variedade de soluções para cobrir todos os problemas humanos que se possa imaginar. Também não há um problema em particular que possa ser resolvido de uma só vez. Alguns problemas têm de ser superados de forma gradual, por etapas. Métodos budistas também levam isso em consideração. É por isso que precisamos de muitas abordagens.

P: Às vezes, vemos pacientes que estão seriamente perturbados e que precisam de grandes doses de vários tipos de remédios, ou apenas uma quantidade extra de tempo antes que você possa se comunicar com eles. Como você se aproxima de alguém com quem você não pode se comunicar intelectualmente?

Lama: Primeiro vamos aos poucos, lentamente,  formando uma amizade, a fim de ganhar a confiança deles. Então, quando melhoram, começamos a nos comunicar. É claro que nem sempre isso funciona. O ambiente também é importante, uma casa tranquila no interior; um lugar tranquilo, imagens adequadas, cores terapêuticas, esse tipo de coisa. É difícil.

P: Alguns psicólogos ocidentais acreditam que a agressão é uma parte importante e necessária da natureza humana, que a raiva é uma espécie de força motriz positiva, mesmo que às vezes nos coloque em apuros. Qual é a sua visão da raiva e da agressividade?

Lama: Eu encorajo as pessoas a não expressar sua raiva, e não se expor. Pelo contrário, eu levo as pessoas a entenderem por que eles ficam com raiva, qual é a causa e como ela surge. Quando você percebe essas coisas, ao invés de se manifestar externamente, sua raiva se dissolve sozinha. No Ocidente, algumas pessoas acreditam que se você se livrar da raiva ao expressá-la, ela deixa de existir. Na verdade, neste caso, o que acontece é que você deixa uma marca em sua mente até se enfurecer novamente. O efeito é exatamente o oposto do que eles acreditam. Parece que a sua raiva desapareceu, mas na verdade você está apenas coletando mais raiva em sua mente. As impressões que a raiva deixam em sua consciência simplesmente reforçam sua tendência para responder a situações com mais raiva. Mas não permitir que ela saia não significa que você está suprimindo-a. Isso também é perigoso. Você tem que aprender a investigar a natureza profunda da raiva, agressividade, ansiedade ou o que é que o incomoda. Quando você olhar para a profunda natureza da energia negativa, você verá que é realmente sem fundamento, insubstancial, que é apenas mental.  Quando a sua expressão mental muda, a energia negativa desaparece, e é digerida pela sabedoria que compreende a natureza do ódio, da raiva, da agressividade e assim por diante.

P: De onde vem o primeiro momento de raiva? A raiva que deixou marca após marca após marca?

Lama: A raiva vem do apego ao prazer. Perceba isso. Esta é a psicologia, que é maravilhosa, mas pode ser difícil de entender. Quando alguém toca em algo que você tem muito apego, você surta. O apego é a fonte da raiva.

Dr. Gold: Bem, Lama, muito obrigado por ter vindo nos visitar. Tem sido muito, muito interessante.

Lama: Muito obrigado, estou muito feliz por ter conhecido todos vocês.

Lama teaching at UCSC, 1978

Lama Yeshe nasceu no Tibete e teve formação na distinta Sera Monastic University (Universidade do Mosteiro Sera), em Lhasa. Em 1969, juntamente com o seu discípulo, o Lama Thubten Zopa Rinpoche, começou a ensinar o Budismo aos Ocidentais no seu Mosteiro Kopan, em Katmandu, no Nepal. Em 1974, começaram a viajar por todo o mundo para espalhar o Dharma. Em 1975, criaram a Fundação para a Preservação da Tradição Mahayana: uma rede de projetos budistas que inclui mosteiros em seis países e centros de meditação em mais de trinta.

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