O que é o amor? Essa é uma pergunta difícil de ser respondida. Talvez devêssemos perguntar o que não é.
Eu te amo
Bem, isso pode ser algo estranho de se ouvir de um site, mas parece ser o que um bocado de gente espera escutar. De modo que apenas contemplá-lo numa tela é o suficiente para animar alguém por alguns segundos antes de começar o dia. De qualquer maneira, é o que espero.
É engraçado como as pessoas colocam peso emocional nessa coleçãozinha de palavras. Não parece certo delegar a língua tamanha responsabilidade. Se você fosse buscar o significado dos sons de “Eu”, “amo” e “você”, e os aplicasse a toda uma nova coleção de sons — por exemplo, “passe o queijo” ou “alguém viu o grampeador?” — o mundo de repente se tornaria um lugar bem estranho, embora maravilhoso.
Passei um mês num monastério budista, em Nova Escócia, onde frequentei o Nitartha Institute. Ainda em sua infância, o instituto oferecia um estudo anual intensivo — de duração de 1 mês — do pensamento budista, da lógica (chamado Lorig) e do debate, cobrindo diversas escolas filosófica dos últimos 2,500 anos.
Muitos dos textos-chave do curso ainda estavam em processo de serem traduzidos para o inglês pela primeira vez. Então, com três mestres tibetanos em debate e um time de tradutores especialistas, as aulas tinham uma aura de excitação — como se estivéssemos abrindo uma antiga arca do tesouro.
Vamos excluir tudo que não seja “Eu”. Eu não é zangado (por enquanto). Eu não é imprudente (por enquanto). Eu não é uma pessoa que ama cães. Eu não é um trapaceiro.
Enquanto estive lá, fui desafiado a deixar de lado meu entendimento convencional da linguagem e examinar por completo o que é chamado de Sound Science — que inclui linguagem e gramática. Nós abordamos cada divisão linguística conceitual da realidade que você possa imaginar. Deparei-me com um oceano de informação, tendo apenas uma xícara de chá para levar para casa.
Todavia, uma das ideias que pude trazer comigo foi o conceito de uma isolada. Uma “isolada” é um rótulo conceitual. Por exemplo, “flor” é um rótulo que isola o conceito de flor de tudo que não seja uma flor. Quando você pensa “flor”, não há um objeto de referência específico; não surge algo como uma “flor genérica”, apenas a eliminação de todo o resto.
Isso é pra dizer que uma flor não é uma bicicleta, um despertador, um anjo, um político, um oceano, nem qualquer outra coisa que não seja uma flor. Uma flor é uma distinção conceitual. Ponto final. (Uma rosa é tudo que não é não-rosa)
De acordo com o Lorig, a forma como as pessoas decidem o que é uma flor é determinando a função do objeto. A mente aparenta concentrar-se bastante nisso. Por exemplo, se alguém lhe pergunta se você tem um relógio, e você o têm, independentemente de como ou de que cor ele é, você responderá “sim”.
Mas se o seu relógio não tem ponteiros e não tem funcionado há anos, você precisa mudar a sua resposta para algo do tipo, “sim, mas ele não tem ponteiros e não tem funcionado faz alguns anos”, criando um novo tipo de isolada para “relógios quebrados sem ponteiros” em que o seu objeto se encaixaria bem. Soa um pouco instável, mas assim funciona a comunicação.
Então uma flor é aquilo que faz, em todos os aspectos, o que uma flor deveria fazer. Essa é fácil.
Mas e o amor?
Eu te amo.
O que diabos isso quer dizer?
Talvez devêssemos começar pelo “Eu”, esse pequeno e inofensivo som, cuja escrita não é mais que um simples risco de tinta. Mas a que ele realmente se refere?
Primeiramente vamos excluir tudo que não é “Eu”. Eu não sou — ou melhor, é! — uma flor. Eu não é uma melancia. Eu não é zangado (por enquanto). Eu não é imprudente (por enquanto). Eu não é um trapaceiro.
Essa não foi tão difícil. Mas o que é Eu? O que funciona como Eu? Bem, sem querer entrar em milhares de anos de filo-sofisma — e o que Descartes disse a quem sobre o que —, podemos resumir em cinco princípios básicos. As cinco partes de mim.
(Esta é uma versão simplificada de um tradicional ensinamento budista de observação do Eu; chama-se os cinco skandhas ou agregados.)
- Eu sou meu corpo, que é feito de todos os tipos de partes;
- Eu sou as minhas emoções, que vem e vão dependendo da minha condição física e mental;
- Eu sou os meus valores, minhas crenças e o que considero ser moral e imoral;
- Eu sou a minha personalidade, meu personagem, minha inclinação e assim por diante;
- e por último, mas não menos importante, eu penso e sou consciente. (geralmente)
Claro que existem muitas, muitas facetas complicadas dentro de cada um desses aspectos, mas, superficialmente, isso é o que funciona como Eu.
Que nos leva ao amor.
Ah, o amor. Quantos poemas foram escritos a respeito do significado do amor? O que ele é? Sinto-me como se devesse segurar uma rosa ou contemplar a foto de uma linda mulher ao fazer essa pergunta.
Bem, detesto dizê-lo, mas a resposta óbvia é: amor é tudo que não é não-amor. (Os poetas se contorcem)
Quanto ao que funciona como amor, não posso falar. Não vou sequer tentar. Todos têm as suas próprias qualificações para a palavra amor, e elas são tão variadas e flexíveis quanto as línguas que as pronunciam.
A questão é, quando você leva em conta as cinco partes do Eu, combina elas com as igualmente (se não mais) intricadas partes do você, e digamos que elas se conectem com algo tão abstrato quanto amar, o significado dessa popular declaração fica tão claro quanto chocolate.
Portanto, acho que valeria a pena desconstruir de vez em quando essas três palavras. Se você deseja escutá-las, fale-as consigo mesmo uma dúzia de vezes até que você só escute vogais e consoantes desconexas. Tente dizer coisas do tipo “é uh ti a mu” ou algo parecido, até que todos os traços de significado tenham desaparecido do som que sai da sua boca.
Então, faça pra quem você ama uma deliciosa macarronada, um jantar a luz de velas, com música suave e nada no mundo que distraia um do outro. Encha o peito com aquele sentimento e sinta a garganta inchar.
E, quando o seu amante olhar bem nos seus olhos, diga: “passe o queijo”. Você pode sorrir.
Porque o mundo é um lugar estranho e maravilhoso.
Texto traduzido por Daniel Viana do original em inglês publicado em Lions Roar disponível aqui →