ILUMINE-SE: Despertando a Alegria: uma meditação guiada.

O budismo não é algo assim tão bruto.

A vida, embora cheia de aflição, possui também fontes de felicidade e alegria, desconhecidas para a maioria. Deixe-nos ensinar as pessoas a procurar e encontrar a verdadeira alegria dentro de si mesmos, e de se alegrar com a alegria dos outros! Deixe-nos ensiná-los a manifestar a sua alegria a alturas cada vez mais sublimes! A alegria nobre e sublime não é estranha ao Ensinamento do Iluminado. Erroneamente, o ensinamento de Buda é, às vezes, considerado uma doutrina que difunde a melancolia. Longe disso: o Dharma leva, passo a passo, a uma felicidade mais pura e mais nobre.

(Nyanaponika Thera) (1901-1994)

“Eu não sabia que o budismo era sobre ser feliz”, me disse um dos convidados do casamento, após a cerimônia. Eu tinha acabado de oficializar o casamento de dois amigos, praticantes do Dharma de longa data. Como parte da cerimônia, eu havia convidado todos a participar de uma meditação de bondade para o casal. “Que vocês sejam felizes, que vocês se encham de alegria e amor”, havíamos repetido silenciosamente, com nossos desejos se aprofundando em cada frase. Com o poder vibrante da bondade despertada, a conclusão do convidado, de que o budismo é sobre a felicidade, era compreensível.

Apesar das imagens difundidas do Buda sorridente, a prática e os ensinamentos do budismo têm a reputação de serem mais sombrias do que alegres. Com tanta ênfase no “sofrimento e no fim do sofrimento”, não resta muito espaço para a felicidade e alegria. Alguns praticantes podem até pensar que expressar essas qualidades é “anti-budista”. Meu amigo Rick Foster, coautor de “Como Escolhemos ser Feliz”, frequentemente recebe chamadas de ouvintes quando fala sobre seu livro em programas de rádio. Ele diz que já espera que quando um ouvinte começa com “eu sou budista…”, quase invariavelmente a declaração continuará com algo como “e toda a sua ênfase em ser feliz parece ignorar o sofrimento na vida.”

Eu passei por um período, na minha própria prática, em que eu poderia ter sido um daqueles ouvintes. Por muitos e longos anos, a verdade do sofrimento tornou-se meu principal guia. A prática “real” significava o comprometimento de ”sair da roda”,me libertando de uma vida toda de sofrimento, enquanto eu vagava por ciclos intermináveis ​​de morte e renascimento. O “fim do sofrimento” ficou preso na minha mente com o “fim da vida”, o que significava serenidade, vivacidade, entusiasmo e diversão. Talvez tenha sido uma etapa necessária no processo de despertar, mas o Buda sorridente, que tão carinhosamente me inspirou durante os meus primeiros anos de prática, havia se transformado em um capataz sisudo. A prática tornou-se um sério esforço.

Tocar guitarra e cantar havia sido uma alegre profissão para mim desde os tempos dos Beatles. Agora eu raramente fazia qualquer um deles, e quando eu fazia, notava um sentimento implícito de culpa. Como eu poderia ser um praticante sério e passar o meu tempo apenas me divertindo? Fanático por esportes por toda a vida, entrei em conflito quando me peguei gritando para a televisão enquanto assistia o meu time jogar. Minha família e companheiros da casa tiveram que lidar com a minha personalidade sombria quando eu reprimi minha inclinação natural para celebrar a vida. Eu levei essa mesma tendência para o meu trabalho como professor de dharma, uma leve desconfiança rastejando em minha atitude para aqueles aspectos da vida que eram divertidos e atraentes, que poderiam seduzir alguém a permanecer “na roda”. Este foco no sofrimento, na verdade, tinha um efeito entorpecente. Desligar a minha vitalidade me fez sentir um pouco desconectado de mim mesmo e dos outros, e menos capaz de responder com compaixão ao sofrimento das pessoas mais próximas de mim.

Através da luta e da crise desses anos, eu aprendi algo importante: a falta de vivacidade e alegria não é um sinal de despertar. Na verdade, é exatamente o oposto. Como um dos sete fatores da iluminação, a alegria não é apenas um resultado do despertar, mas também um pré-requisito. A alegria cria um espaço na mente que nos permite manter o sofrimento que sentimos dentro de nós e ao nosso redor sem ficarmos sobrecarregados e sem desabarmos em desamparo ou desespero. Ela traz inspiração e vitalidade, dissipando a confusão e o medo enquanto nos conecta com a vida. Uma profunda compreensão do sofrimento não impede o despertar para a alegria.

Na verdade, pode nos inspirar ainda mais para celebrar alegremente a bondade na vida. Dalai Lama e o Desmond Tutu são bons exemplos de pessoas que presenciaram um sofrimento enorme e ainda são capazes de inspirar os outros com uma alegria contagiante.

Todos nós sabemos como é ficar preso em estados mentais comprimidos e escuros – e o quão inútil isso é, em termos de despertar, permanecer ali. Isso é exatamente o que o Buda ensinou: não precisamos ficar presos na ganância, no ódio e na delusão. A vida pode ser mais leve, mais funcional, mesmo quando é difícil. Este clarão, que eu vejo como um aspecto da alegria, é resultado de uma visão sobre anatta, a natureza da inexistência de ”self” (ou ”eu”) da realidade, e anicca, a verdade da impermanência. Quando não estamos ligados a quem pensamos que somos, a vida pode se mover através de nós, tocando-nos como a um instrumento. Ao compreender como tudo está em contínua transformação, nós nos libertamos de nossas fúteis tentativas de controlar as circunstâncias. Quando vivemos esta conexão fácil com a vida, vivemos em alegria.

A alegria tem muitos sabores diferentes. Ela pode transbordar de nós como música ou dança, ou pode surgir suavemente como um sorriso ou uma sensação de plenitude interior. A alegria não é algo que precisamos fabricar. Ela já está em nós quando chegamos ao mundo, como podemos ver na exuberância e encanto naturais de um bebê saudável. Precisamos apenas nos libertar das camadas de contração e medo que nos afastam dela.

Os métodos para abrir a mente para a alegria e a felicidade são encontrados em todo os ensinamentos do Buda. Uma dessas maneiras é através da prática hábil da meditação. Vendo claramente, podemos libertar a mente do apego, da aversão e da ignorância, permitindo que a nossa alegria natural manifeste. Na verdade, pesquisas têm demonstrado amplamente que a meditação aumenta a atividade em áreas do cérebro associadas às emoções positivas.

Mas a meditação formal não é a única maneira de se chegar à alegria. Os ensinamentos dizem que quando cultivamos estados mentais saudáveis -generosidade, amor, compaixão, felicidade pelos outros – nós experimentamos pamojja, traduzido como “alegria” ou “apreciação”. Em um dos discursos (Majjhima Nikaya 99), Buda diz: “É essa satisfação conectada com aquilo que é benéfico que eu chamo de um equipamento da mente.… um equipamento para o desenvolvimento de uma mente sem hostilidade e má vontade.” “Enquanto eu saía da minha “noite escura”, fiquei muito feliz ao descobrir que os sentimentos positivos de alegria, gratidão, felicidade e apreciação, ao invés de serem pedras no caminho, na verdade, facilitavam o despertar. Eles fazem parte do nosso kit de ferramentas para manter o coração aberto. A alegria e a apreciação não se limitam a equilibrar as tendências negativas. Eles realmente curam a mente aversiva.”

Durante o ano passado, eu estive liderando grupos de dharma focados no cultivo da alegria em nossas vidas diárias. Os participantes aprenderam, alguns pela primeira vez, que se referir ao momento presente com alegria é uma escolha que podemos fazer. Descobrir isso pode mudar as nossas vidas. Quer estejamos prestando muita atenção para os estados benéficos quando eles surgem, refletindo sobre a gratidão, ou sentindo a alegria de viver com integridade (o que o Buda chamou de “a felicidade de estar livre de culpa”), podemos acessar a alegria, deslocando o foco de nossa consciência para o que eleva o coração. Buda se referiu a isso como “inclinar a mente” para o que é benéfico. Isso não significa desconsiderar o sofrimento; significa não negligenciar a felicidade e a alegria. Com tanto medo e tristeza no mundo, é saudável deixar que nossos corações se deleitem com as bênçãos da vida. Ao acordar, é importante lembrar que, além das dez mil tristezas, existem também dez mil alegrias.

Ajahn Sumedho, abade do Mosteiro Budista Amaravati, na Inglaterra, escreve: “Uma vez que você tem insight, então você descobre que gosta e se deleita com a beleza e a bondade das coisas. A verdade, a beleza e a bondade nos deleitam; nelas encontramos alegria.” Quando abrimos um canal para a fonte da alegria, as águas do bem-estar que fluem em nossas vidas são um presente não só para nós mesmos. Como alegres bodhisattvas, servimos ao inspirar espaço, perspectiva, coragem e bondade nos corações dos demais. Que você seja feliz e que desperte a alegria em si mesmo e em todos aqueles que encontrar.

Despertando a Alegria: uma meditação guiada:

Sente-se calmamente em uma postura relaxada. Concentre-se no centro do coração. Ao inspirar, visualize-se respirando em energia benevolente de todos ao seu redor. A cada expiração, permita que qualquer negatividade possa ser liberada.

Reflita sobre uma pessoa ou situação em sua vida pela qual você é grato. Comece com a frase “Eu sou grato a…” ou “eu sou grato por…”.

Ative a sua consciência.

Experimente totalmente a sua gratidão, sem pressa de sentir em seu corpo a energia daquela bênção em sua vida.

Reserve um momento para enviar, silenciosamente, um pensamento de agradecimento a essa pessoa ou situação.

Repita esse procedimento por 10 minutos, refletindo sobre as diversas bênçãos em sua vida, uma a uma.

Finalize com a intenção de expressar sua gratidão diretamente àqueles que vieram à mente.

Observe a sensação de bem-estar quando terminar a meditação.

Como experiência, faça isso como uma prática diária de gratidão por uma semana e observe os seus efeitos.


Texto de James Baraz publicado na revista Tricycle. Tradução Angélica Nedog, revisão Luis Oliveira.

 QUER RECEBER ENSINAMENTOS, ARTIGOS, VÍDEOS E TÉCNICAS DE MEDITAÇÃO POR E-MAIL? CLIQUE AQUI E CADASTRE-SE!

Comentarios:

comments

  • Ótimo texto.

  • Bruno Almeida

    Obrigado por cada ensinamento disponibilizado neste site. Desde que o conheci minha vida tem-se enchido de positividade e alegria. Muita luz para todos que trabalham para que ele exista.