POR BRAD WARNER| 26/03/2015
Existe “uma ideia generalizada de como os budistas devem se vestir, o que devem falar e como devem se comportar”, diz Brad Warner. “E quando não estamos à altura dessas imagens idealizadas, cuidado!” Fotografia de Beth Kanter.
Você já presenciou essa acusação sendo jogada sobre você? Brad Warner já, e isso o fez refletir sobre o que realmente significa agir como um budista. Não é tão simples quanto estar certo ou errado.
Outro dia, uma jovem que frequenta as aulas de zazen que conduzo me contou sobre uma discussão que tinha tido com o namorado. Em determinado ponto da discussão, seu namorado indicou algo que ela havia feito e disse: “Isso não é muito budista!”.
Quantas vezes já ouvimos isso? Nos dias atuais, a pessoa média já foi bombardeada com suficientes imagens de mídia retratando o que os caras de Hollywood pensam que possa ser o budismo para praticamente qualquer um que comece a acreditar que sabe exatamente o que significa seguir os passos de Gautama. Seja Yoda, de Star Wars, ou Kwai Chang Caine, de Kung Fu, ou aquele cara supostamente budista na propaganda de comerciais de lenços que fica horrorizado ao pensar que seus lencinhos esterilizantes estão matando pobres germes inocentes, tudo alimenta aquela ideia generalizada de como os budistas devem se vestir, falar e se comportar. E quando não vivemos à altura dessas imagens idealizadas, cuidado!
Poucas dessas imagens foram criadas por pessoas que tenham alguma ideia do que realmente signifique seguir uma prática budista. A maioria dessas caricaturas se baseia em impressões fragmentadas de filosofia budista filtradas através da distorcida lente da visão dualista judaico-cristã. Porém, nossos amigos e famílias muitas vezes esperam de nós, como seres humanos de carne e osso, que vivamos à altura dessas imagens altamente idealizadas e pouco realistas. Como se qualquer pessoa pudesse ser assim, ou mesmo aspirar a tal coisa!
Aqueles de vocês que leram meus livros e blogs sabem que é muito provável que meu próprio modo particular de expressão, mais do que outros, pareça “não muito budista” para as pessoas. Mas todos nós estamos sujeitos a isso em alguma medida. Então, o que podemos fazer a respeito?
É inútil tentar explicar o que o budismo realmente é para alguém que não está sinceramente interessado. No Zen, diz o ditado que você não deveria tentar responder uma pergunta sobre o budismo até que a pessoa pergunte pelo menos três vezes. Ninguém que eu conheça segue isso literalmente. Porém, creio que é uma boa regra de ouro não falar sobre budismo a alguém que não mostre mais do que um interesse passageiro. Não faz muito bem tentar encapsular 2.500 anos de filosofia em algo que o cara da mesa ao lado possa digerir enquanto espera que a pessoa para a qual está ligando atenda o telefone.
Por outro lado, mesmo quando alguém que não conhece nada sobre o budismo me diz que eu não estou sendo budista, eu sempre levo essa declaração muito a sério. Algumas vezes, essa pessoa tem toda a razão. Algumas vezes, não. Mesmo quando estiver enganada, é possível que, nessa situação, fosse melhor eu fazer algo diferente. Ainda assim isso pode não ser algo que ela considere “budista”. Mas isso não tem importância. Outras vezes, a pessoa estará totalmente equivocada, e eu precisarei continuar fazendo exatamente o que estou fazendo.
Por causa disso, há alguns momentos em que a coisa mais verdadeiramente budista a fazer impactará aqueles que não têm nenhuma experiência trilhando o caminho como “algo não muito budista”. Mas não devemos nunca deixar que nossos medos de ser criticados por amigos e família que não compreendem o que realmente é o budismo nos impeçam de agir da forma que sabemos que um budista deveria agir.
E, no entanto, às vezes é difícil saber o que fazer. Isso ocorre igualmente com os novatos e com os ditos “mestres”. É para isso que existem os preceitos. Eles lhe oferecem algo em que se apoiar quando sua intuição em uma determinada situação parece ter falhado. Um dos problemas que enfrentamos como budistas em uma sociedade judaico-cristã é que, embora os preceitos soem um pouco como os Dez Mandamentos – não devemos matar, ou roubar, coisas assim –, eles vêm, na verdade, de uma perspectiva muito diferente.
Os Dez Mandamnetos são um aviso de um Deus todopoderoso e onisciente, eternamente separado de nós, para que não façamos certas coisas, ou Ele vai nos castigar. Os preceitos budistas são lembretes de confiar em nosso próprio sentido intuitivo do que é certo e errado. Eles listam algumas circunstâncias comuns nas quais a forma adequada de se comportar é geralmente seguir um determinado curso de ação, porque há poucos casos em que é correto roubar, ou matar, etc. Mas mesmo estes não são absolutos, e pode haver algumas raras ocasiões em que os preceitos mais sérios devam ser quebrados para poder fazer o que é verdadeiramente correto. Os preceitos pretendem ser exemplos para nos mostrar como a intuição geralmente funciona nesses casos, e não um conjunto de regras que devemos seguir para evitar a ira de Buda. Como nosso sentido da intuição, os preceitos vêm de nós mesmos.
Nossa intuição nunca falha de verdade, embora com frequência nós pensemos que sim. Apenas falhamos em ouvi-la acima do ruído que geramos em nossas cabeças. Nossa prática pretende permitir o desenvolvimento de um sentimento de intuição daquilo que deveria e não deveria ser dito ou feito. Todos nós temos essa intuição. Mas aprendemos a encobri-la com nossos pensamentos e emoções, que falam tão alto que algumas vezes é impossível ouvir aquela vozinha quieta.
Em última instância, a prática budista é verdadeiramente apenas isso: prática. Estamos praticando ser budistas, esperando que algum dia finalmente acertemos. Se em algum momento pararmos de praticar, se alguma vez chegarmos ao ponto em que pensamos que já dominamos tudo e que não há mais necessidade de mais melhoria ou refinamento, aí é que começam os problemas.
Quando eu assisti a uma cerimônia no Centro Zen de San Francisco recentemente, surpreendeu-me quando o professor perguntou aos alunos se eles fariam um juramento de manter cada um dos preceitos “mesmo depois de alcançar o estado de Buda”. Essa é uma atitude importante a cultivar. Nunca chegará um momento em que não tenhamos que manter uma guarda estrita sobre nós mesmos constantemente. Dogen disse que nossa vida é um erro depois de outro. O fato de que cometamos erros não é tão importante. O que conta é que tentamos e corrigimos os erros cometidos e tentamos não repetir os mesmos erros no futuro. Tudo o que temos para trabalhar é este momento fugaz, aqui e agora. Mesmo nossos mais profundos arrependimentos sobre o passado não podem fazer absolutamente nada para mudá-lo. Encontramos nosso equilíbrio, o perdemos e o encontramos novamente. Uma e outra vez. A cada dia.
Os resultados dessa prática podem não chegar a todos como a forma em que imaginam que um budista deve se comportar. Porém, quanto a isso, não há nada a fazer. Quando perco meu equilíbrio e digo o que não deve ser dito, ou faço o que não deve ser feito, é meu dever corrigir essas coisas da melhor forma que puder. Algumas vezes, isso significa se desculpar. Algumas vezes, uma desculpa verbal é a pior resposta possível. Cabe a mim fazer meu melhor esforço para sentir o que a situação exige sem deixar que minhas próprias ideias se intrometam.
Não existimos para nosso próprio benefício, mas pelo benefício daqueles a quem servimos. Ao mesmo tempo, precisamos recordar que ambos não estão verdadeiramente separados. Quando alguém nos diz que o que estamos fazendo “não é muito budista”, estamos enviando a nós mesmos uma mensagem. Nossa prática nunca nos tornará perfeitos, quando a perfeição é apenas uma imagem criada pelo pensamento. A perfeição verdadeira é apenas continuar praticando.