Uma psicologia budista, trecho do livro ”Como Lidar com Emoções Destrutivas” , Dalai Lama e Daniel Goleman.
“Lembro-me de ter conhecido o professor tibetano Chogyam Trungpa em 1974, quando eu lecionava no departamento de psicologia de Harvard.
– O budismo — declarou ele — chegará ao Ocidente na forma de psicologia.
A própria idéia de que o budismo tivesse alguma relação com a psicologia era, na época, para a maioria de nós da área, um patente absurdo. Mas essa opinião expressava mais a nossa própria ingenuidade do que qualquer coisa relacionada com o budismo. Era novidade que o budismo — assim como muitas das grandes tradições espirituais pelo mundo afora — abrigasse uma teoria da mente e de seu funcionamento.
Na verdade, não havia nada na minha formação de psicólogo que indicasse ser a psicologia apenas a versão mais recente de um projeto para o entendimento da mente humana que remonta a dois milênios. As teorias psicológicas modernas têm suas raízes nas ciências e na cultura da Europa e dos Estados Unidos, e pode-se considerar vinculado à cultura o próprio campo da psicologia — míope, quase solipsista, em sua ignorância dos sistemas psicológicos de outros locais e épocas.
Acontece que a maioria das religiões asiáticas tem uma psicologia em seu núcleo, embora seja da alçada de acadêmicos e pouco conhecida da massa de fiéis leigos. Essas psicologias são tanto teóricas quanto aplicadas, e apresentam métodos práticos para ajudar os “profissionais” — sejam eles iogues ou monges — a disciplinar e governar a mente para atingir um estado mais ideal.
Talvez a mais rica dessas psicologias “alternativas” se encontre no budismo. Desde os tempos de Gautama Buda, no século V a. C., a análise da mente e de seu funcionamento tem sido fundamental para as práticas de seus discípulos. Essa análise foi codificada durante o primeiro milênio após a morte de Buda em um sistema denominado, na língua páli dos tempos de Buda, Abhidhamma( ou Abhidharma em sânscrito), que significa “doutrina suprema”.
Todas as ramificações do budismo atualmente têm uma versão desses ensinamentos psicológicos fundamentais sobre a mente, bem como seus próprios aprimoramentos. Naquele dia ouviríamos a tese tibetana, concentrando-se nas emoções.
Um ACADÊMICO E UM MONGE
Depois do intervalo para o chá, Matthieu Ricard, usando a túnica de monge marrom e açafrão, como a do Dalai Lama, sentou-se à cadeira do palestrante, ao lado de Sua Santidade.
— Da cadeira do tradutor — disse Alan, assumindo seu posto de moderador — farei uma breve apresentação de Matthieu, que esteve na Ásia pela primeira vez em 1967 e ali vive desde 1972.
Nascido no círculo privilegiado da intelectualidade francesa, Matthieu Ricard teve uma infância rica em encontros com pessoas notáveis. A mãe, que era artista, era amiga íntima de André Breton, um dos pais da pintura surrealista. Um dos tios dele foi dos primeiros aventureiros a dar a volta ao mundo sozinho em um barco a vela sem motor, o que levou três anos. E o padrinho dele era G. I. Gurdjieff, o místico russo, que tinha muitos discípulos entre os intelectuais franceses nas décadas de meados do século XX. (Embora a mãe fosse sua entusiasta na época, o próprio Matthieu não tinha ligação nenhuma com os discípulos dele.)
Havia notáveis filósofos e artistas entre os convidados para o jantar na casa dos Ricards — amigos do pai de Matthieu, que com o pseudônimo Jean-François Revel é um dos mais influentes filósofos e teóricos políticos vivos na frança. Autor de 25 livros — o mais famosos, Ni Marx ni Jésus (Nem Marx nem Jesus), foi best-seller internacional — Revel ocupa a cadeira La Fontaine, uma das apenas 40 “Cadeiras dos Imortais” da Academie Françoise, uma das maiores homenagens do país a seus intelectuais. Uma diálogo entre Matthieu e o pai sobre ciência e espiritualidade, publicado com o título Le moine ET Le philosophe (O monge e o filósofo), tornou-se best-seller internacional.
Foi um dos amigos de sua mãe, o produtor de documentário Arnaud Desjardins, que incentivou Matthieu Ricard a fazer sua primeira viagem à procura de um mestre tibetano. Desjardins fizera um filme de quatro horas para a TV francesa, A mensagem dos tibetanos. Produzido em 1966, pouco anos depois do grande êxodo de cinco minutos do Tibete após a invasão chinesa, o filme termina com uma seqüência de cinco minutos do rosto de dezenas de grandes mestres da meditação do Tibete, em estado transcendental, enquanto encaram a câmera em silêncio, um após o outro. Ao ver aqueles rostos, Matthieu ficou paralisado.
Assim, sem saber mais do que poucos palavra em inglês (tinha estudado alemão, grego e latim na escola) — e nenhuma em tibetano —, Matthieu partiu para a Índia. Ali, foi levado a um lama por um amigo que chegara alguns meses antes — Dr. Frédérick Leboyer, cujo método obstétrico “sem violência” — sob iluminação suave e colocando o bebê em água morna — esteve na moda uma década depois.
Conforme Matthieu conta, sua vida começou mesmo em 2 de junho de 1967, o dia em que conhece um daqueles grandes mestres tibetanos do filme de Desjardin, Kangyur Rinpoche — seu primeiro professor de budismo tibetanos. Na tradição tibetana dos iogues nômades, o rinpoche passara a maior parte da vida em retiros. Porém, como acontece com muitos lamas da tradição Nyingma, Kangyur Rinpoche era casado e tinha família; vivia em uma cabana de dois cômodos nas proximidades da cidade Himalaia de Darjeeling.
Matthieu Ricard ficou fascinado com a compaixão tranqüila, a sabedoria e a força interior que parecia a de uma montanha. Com apenas 21 anos de idade, Matthieu passou três semanas com rinpoche — e, embora ainda não o soubesse, o rumo de sua vida mudara para sempre. Quando voltou aos estudos na França, descobriu que a cabeça voltava interminavelmente àquele encontro. E, por isso, passou as férias de verão na Índia, com os lamas, enquanto ainda concluía os estudos para o doutorado em biologia no Instituto Pasteur em Paris.
Na pós-graduação, Matthieu trabalhou com um cientista laureado com o Nobel, François Jacob, fazendo descobertas próprias em genética. E, enquanto ainda cursava a pós-graduação, escreveu seu primeiro livro— uma tese definitiva sobre a migração de animais de todos os tipos; a etologia era um de seus hobbies (juntamente com a música, a astronomia e a fotografia da natureza). Porém, a atração da missão espiritual por fim se tornou tão forte que Matthieu abandonou a carreira científica e adotou a vida tibetata sob a tutela de Kangyur Rinpoche. Quando Kangyur faleceu, Matthieu tornou-se monge e assistente pessoal de Dilgo Khyentse Rinpoche, passou doze anos com ele, dia e noite — escrevendo um livro sobre o mestre depois que este morreu.
Alan concluiu assim a apresentação de Matthieu:
— Ele é monge há quase duas décadas, e um dos mais experientes acadêmicos budistas do Ocidente, em especial na Nyingma. É intérprete de Sua Santidade para o francês há muito tempo. E, sem mais delongas, Matthieu, por favor…
Embora na função de tradutor tenha trabalhado bem junto ao Dalai Lama, naquela manhã Matthieu estava no que poderia ser uma posição esquisita para qualquer monge budista tibetano, conforme logo reconheceu.
— É meio estranho para mim explicar qualquer coisa sobre o budismo na presença de Sua Santidade. Sinto-me um pequeno estudante fazendo prova. E, por ser ex-cientista, sinto o mesmo perante tantas pessoas doutas. Enfim, temos de passar em exames de vez em quando— disse Matthieu com um sorriso bem-humorado.
A primeira tarefa de Matthieu era tentar fechar a lacuna entre as palavras budistas e as inglesas que designam emoção. Conforme assinalou, emoção é um termo muito geral.
— A palavra inglesa emotion provém da raiz latina emovere — algo que põe a mente em movimento, tanto para atividades prejudiciais, quanto neutras ou positivas. No budismo, por outro lado, chamaríamos de emoção algo que condiciona a mente e a faz adotar certa perspectiva ou visão das coisas. Ela não se refere obrigatoriamente a uma explosão emocional que surge de súbito na mente — que pode estar mais próxima ao que os cientistas estudariam como emoção. No budismo, esse acontecimento se chamaria emoção bruta — quando, por exemplo, está zangado, triste ou obcecado.
A LACUNA ENTRE O PARECE E O QUE É
Para elucidar essa diferença fundamental na concepção das emoções no pensamento budista e no ocidental, Matthieu apresentou um notável panorama resumido da perspectiva da psicologia budista. Ele começou por descrever um padrão bem diferente do empregado no Ocidente para rotular de destrutivas as emoções: não só quando resulta em dano óbvio, mas quando provoca um dano mais sutil— que distorce a nossa percepção da realidade.
— Como, do ponto de vista do budismo — continuou — se distingue entre as emoções construtivas e as destrutivas? Essencialmente, a emoção destrutiva — que também é chamada de fator mental “obscurecedor” ou “aflitivo” — é algo que impede a mente de comprovar a realidade como ela é. O apego excessivo — o desejo, por exemplo — não nos deixa ver um equilíbrio entre o agradável e o desagradável, o construtivo e o destrutivo, qualidades em algo ou alguém, e nos faz ver essas coisas, por algum tempo, como cem por cento atraentes — e, por conseguinte, nos faz desejá-las. A aversão nos cega para algumas qualidades positivas do objeto, tornando-se cem por cento negativas com relação a tal objeto, dispostos a repeli-lo, destruí-lo ou fugir dele. Esses estados emocionais obstruem o juízo, a capacidade de fazer uma avaliação correta da natureza das coisas. É por isso que dizem que são obscurecedores. Obscurece o modo como as coisas são. Acaba obscurecendo uma avaliação mais aprofundada da natureza das coisas como permanente ou impermanentes, como coisas que têm propriedades, intrínsecas ou não. E, assim, em todos os níveis, é obscurecedora. Assim, as emoções obscurecedoras obstruem a liberdade, encadeando os pensamentos de um modo que nos obriga a pensar, falar e agir de maneira preconceituosa. As emoções construtivas, pelo contrário, fazem uma avaliação mais correta da natureza do que se está percebendo — fundamentam-se em raciocínio sadio.
O Dalai Lama estava calado, ouvido com atenção e raramente pedia esclarecimento ou interrompia Matthieu. Os cientista, pelo contrário, fizeram anotações durante toda a palestra— era a primeira expressão do lado budista deste diálogo.
A QUESTÃO DOS DANOS
Embora o critério original de Alan com relação às emoções destrutivas fosse sua natureza prejudicial, Matthieu demonstrou que há mais nuances nas ponderações do budismo.
— Chegamos, então, à descrição das emoções destrutivas com algo que traz danos a outra pessoa ou a si mesmo. Os atos não são intrinsecamente bons ou maus porque alguém decidiu que devem ser. Não existem o bem e o mal no sentido absoluto. Só existe o bem e o mal — os dados com relação à felicidade ou ao sofrimento — que nossos atos e pensamentos fazem a nós mesmos ou a outrem. Também podemos distinguir as emoções destrutivas das construtivas segundo a motivação que as inspira: egoísta ou altruísta, malévola ou benévola. Portanto, é preciso analisar tanto a motivação quanto as conseqüências das emoções. Também se pode distinguir entre emoções destrutivas e construtivas examinando os modos como se relacionam entre si no tocante aos antídotos. Vejamos, por exemplo, o ódio e o altruísmo. Pode-se definir o ódio como o desejo de prejudicar os outros ou arruinar algo que pertença, ou seja, estimado por outrem. A emoção oposta a essa é algo que age como antídoto direto a esse desejo de prejudicar: o amor altruísta. Ele funciona como antídoto direto da animosidade porque, embora se possa alternar entre amor e ódio, não se pode sentir, simultaneamente, amor e ódio pela mesma pessoa ou pelo mesmo objeto. Por conseguinte, quanto mais se cultiva o amor afetuoso, a compaixão, o altruísmo— quanto mais eles dominam a mente— mais o seu oposto, o desejo de prejudicar é obrigado a diminuir e, possivelmente, desaparecer. Também quando dizemos que uma emoção é negativa, não é tanto por estar repudiando alguma coisa, mas porque é negativa no sentido de menos felicidade, menos bem-estar, menos lucidez e liberdade, mais distorção.
Alan intercedeu com uma pergunta sobre o ódio:
— Você define o ódio como desejo de destruir ou repelir alguém, o que pertence a esse alguém, ou o que lhe é querido. Anteriormente, Sua Santidade falou sobre a possibilidade de sentir compaixão por si mesmo e eu gostaria de fazer uma pergunta paralela. Não seria possível sentir ódio por si mesmo? Parece que você o define somente com relação a outrem.
A resposta de Matthieu foi um tanto surpreendente:
— Quando se fala de odiar a si mesmo, o ódio não está no núcleo do sentimento. Você pode estar zangado consigo mesmo, mas isso pode ser uma forma de orgulho, um sentimento de frustração que surge da percepção de que você não atende suas expectativas. Mas não pode realmente odiar a si mesmo.
Alan insistiu no tema:
— Então, não existe ódio de si mesmo no budismo?
Matthieu manteve-se firme:
— É provável que não, porque seria contra o desejo fundamental de qualquer ser vivo de evitar o sofrimento. Você pode achar que odeia a si mesmo porque quer ser muito melhor do que é. Pode estar decepcionado consigo mesmo por não ser o que quer ser, ou impaciente por não se tornar o que quer com a rapidez desejada. O ódio por si mesmo contém muito apego ao ego. Nem quem se suicida o faz por ódio a si mesmo, mas por achar que é um meio de escapar de sofrimento maior.
Matthieu acrescentou a opinião budista acerca do suicídio:
— Não se escapa de nada, porque a morte é apenas uma transição para outro estado de existência. Assim, seria melhor tentar evitar o sofrimento esforçando-se para resolver o problema aqui e agora, ou, quando não é possível mudando de opinião acerca desse mesmo problema.
AS OITENTA E QUATRO MIL EMOÇÕES NEGATIVAS
Voltando ao assunto principal, Matthieu prosseguiu:
— Segundo a doutrina e a prática budistas, de onde vêm essas emoções destrutivas? Basicamente, todos sabemos que, da infância à velhice, estamos sempre mudando. Nosso corpo não é o mesmo e nossa adquire novas experiência a cada instante. Estamos em fluxo, em transformação constante. Contudo, também temos a noção de que no centro de tudo isso há algo que nos define algo que permaneceu constante desde a infância e que define o “eu”. Esse “eu” — vamos chamá-lo de “apego ao ego” — que constitui a nossa identidade não é a idéia de “eu” que vem à mente quando acordamos, quando dizemos “estou com calor” ou “estou com frio”, ou quando alguém nos chama. O apego ao ego refere-se a um apego profundo a uma entidade imutável que parece estar no cerne do nosso ser e nos define como determinada pessoa. Também achamos que esse “eu” é vulnerável e que precisamos protegê-lo e agradá-lo. Disso provêm a aversão e a atração: aversão a tudo o que possa ameaçar esse “eu” e atração por tudo o que agrada ou tranqüiliza esse “eu” e o faz sentir-se seguro, feliz. Dessas duas emoções elementares, atração e aversão, provêm uma infinidade de emoções diversas. Nas escrituras budistas, fala-se de 84 mil tipos de emoções negativas. Não são todas minuciosamente identificadas, mas esse vasto número simbólico expresso a complexidade da mente humana e possibilita compreender que os métodos para transformar essa mente precisam ser adaptados à grande variedade de disposições mentais. É por isso que falamos de 84 portas de entrada para o caminho budista da transformação interior. Enfim, essas emoções multifacetadas resumem-se em cinco principais: ódio, desejo, confusão, orgulho e inveja. Ódio é o desejo profundo de fazer mal a alguém, destruir sua felicidade. Não é expresso obrigatoriamente em um acesso de raiva. Não é expresso ininterruptamente, mas se manifesta quando se depara com as circunstâncias que despertam a animosidade. Também se relaciona com muitas outras emoções semelhantes, tais como ressentimento, rancor, desprezo, animosidade etc. Seu contrário é o apego, que também tem muitos aspectos. Existe o simples desejo de prazeres sensuais ou de um objeto que queremos possuir. Mas também há o aspecto sutil do apego à idéia do “eu”, à pessoas, e à realidade concreta de fenômenos. Em essência, o apego tem relação com o tipo de sofreguidão que nos faz ver as coisas de um modo que não são. Ela nos faz pensar, por exemplo, que tudo é permanente — que a amizade, os seres humanos, o amor, os bens, duram para sempre — embora esteja claro que não duram. Então, o apego significa agarrar-se ao próprio modo de perceber o mundo. Há, então, a ignorância, a falta de discernimento entre o que é preciso fazer e o que é preciso evitar para alcançar a felicidade e evitar o sofrimento. Naturalmente, não se costuma considerar a ignorância uma emoção na cultura ocidental, mas ela é claramente um fator mental que evita a percepção verdadeira e lúcida da realidade. É, assim, um estado mental que obscurece a sabedoria ou o saber supremo. Portanto, é considerado um aspecto aflitivo da mente. O orgulho também tem muitos aspectos: orgulhar-se das próprias realizações, sentir-se superior aos outros ou desprezá-los, avaliações errôneas das próprias qualidades, ou não reconhecer as qualidades de outrem. Ele sempre vem junto com o não-reconhecimento dos próprios defeitos. Pode-se considerar a inveja uma incapacidade de alegrar-se com a felicidade alheia. Nunca se – sente inveja do sofrimento de alguém, mas de sua felicidade e de suas boas qualidades. Da perspectiva budista, é uma emoção negativa. Se a meta é, precisamente, levar bem- estar a outras pessoas, devemos nos alegrar se encontrarem a felicidade sozinhos. Por que deveríamos sentir inveja? Parte do nosso trabalho já está feito— há muito menos a fazer.
O “EU” ILUSÓRIO
— Por que todas essas emoções elementares se relacionam tão intimamente com a ideia do “eu”? Vamos imaginar que você de repente, diz a alguém: “Poderia, por favor, ficar com raiva, com muita raiva agora?” Ninguém ficará com raiva mesmo — ninguém consegue isso, a não ser, talvez, um excelente ator que consiga imitar a raiva à vontade por um período relativamente curto. Mas, se você disser à mesma pessoa: “Você é um cafajeste; você me dá nojo”, então não é preciso esperar muito. Essa pessoa ficará imediatamente irada. Por que essa diferença? Porque você atingiu o “eu”. Já que essa ideia da existência do “eu” parece estar na fonte de todas as emoções, quem quer trabalhar com as emoções precisa investigar bem essa ideia do “eu”. Será que sobrevive à análise como entidade realmente existente? Existe, então, um método profundíssimo na filosofia e na prática budista para tentar examinar se esse “eu” é só uma ilusão, só um nome que damos a um fluxo em transformação contínua. Não conseguimos encontrar o “eu” em nenhuma parte do corpo, nem como algo que permeia o corpo inteiro. Talvez achemos que está na consciência. Mas a consciência também é um fluxo em transformação contínua. O pensamento passado foi-se, o futuro ainda não chegou. Como pode existir realmente o “eu” presente, pendurado entre algo que passou e algo que ainda não surgiu? E se o eu não pode ser identificado na mente nem no corpo, nem em ambos juntos, nem como algo distinto deles, é evidente que não podemos indicar nada que justifique essa forte sensação do “eu”. É só um nome que se dá a um contínuo, da mesma forma que se pode apontar para um rio e chama-lo de Ganges ou Mississippi. Só isso. Quando, porém, nos apegamos a ele, quando achamos que há um barco nesse rio, é então que surgem todos os problemas — quando começamos a nos apegar a essa ideia do “eu” como algo que realmente existe que precisa de proteção e agrados. A aversão, a repulsa, as cinco aflições, as vinte secundárias e, por fim, os oitenta e quatro mil aspecto das emoções aflitivas se revelam.
TRÊS NÍVEIS DA CONSCIÊNCIA
— A próxima questão é: essas emoções negativas são inerentes à natureza fundamental da mente ou não? Para responder, precisamos distinguir diversos níveis de consciência. Segundo o budismo, existem três níveis de consciência: bruta, sutil e sutilíssima. No nível bruto, temos todos os tipos de emoções. O nível bruto corresponde ao funcionamento do cérebro e à interação do corpo com seu meio ambiente. O nível sutil corresponde à ideia do “eu” e à faculdade de introspecção com a qual a mente examina sua própria natureza. Também é o fluxo da mente que transporta tendências e hábitos. O nível sutilíssimo é o aspecto mais fundamental da consciência, o fato de existir uma faculdade cognitiva, em vez de não existir. É pura consciência ou percepção, sem objeto determinado no qual a consciência, esteja concentrada. Naturalmente, em geral não percebemos a consciência dessa maneira; isso exige educação contemplativa. Quando falamos em vários níveis de consciência, não queremos dizer que existam três fluxos paralelos — é mais semelhante ao oceano com suas diversas profundidades. As emoções dizem respeito aos níveis bruto e sutil, mas não atingem o sutilíssimo. Poderiam ser comparadas às ondas da superfície do mar, ao passo que a natureza fundamental da mente corresponde as profundeza do mar. Ás vezes, nos referimos ao nível sutilíssimo como luminoso, mas quando falamos do aspecto luminoso da mente, não quer dizer que haja algo brilhante nela. O adjetivo luminoso refere-se simplesmente à faculdade fundamental de estar alerta, sem qualquer coloração de construtos mentais ou emoções. Quando essa percepção fundamental, às vezes chamada de “natureza do estado búdico”.
Durante toda a palestra de Matthieu, o Dalai Lama ouviu com atenção, às acenando levemente a cabeça de maneira positiva. Era território conhecido, e ele não interrompeu para pedir esclarecimentos nem para refutar ideais.
LIBERTAR-SE DAS EMOÇÕES DESTRUTIVAS
— O próximo passo é descobrir se é possível libertar-se inteiramente das emoções destrutivas. Isso só é possível se as emoções negativas não forem inerentes à natureza primordial da mente. Se as emoções negativas, como o ódio, fossem inerentes ao aspecto mais sutil da mente, estariam sempre presentes. Deveríamos ser capazes de examinar as profundezas da consciência e ali encontrar ódio, ansiedade, inveja, orgulho etc. Não obstante, a nossa experiência comum nos diz que essas emoções negativas são intermitentes. E os contemplativos nos dizem que, quando se aprofundam mais na percepção dos aspectos fundamentais da consciência, não encontram emoções negativas no espaço contínuo do nível sutilíssimo. Pelo contrário, ali há um estado livre de todas as emoções destrutivas e da negatividade. Muito embora a grande maioria das pessoas sinta emoções negativas em diversas ocasiões, isso não significa que tais emoções, isso não significa que tais emoções sejam inerentes à natureza da mente.
Para dar um exemplo, quando cem barras de ouro estão em um local poeirento, todas poderiam ficar cobertas de poeira, mas isso não altera a natureza do próprio ouro. A convicção, fundamentada nas experiências contemplativas, é que as emoções destrutivas não estão incrustadas na natureza fundamental da consciência. Pelo contrário, surgem na dependência das circunstâncias e dos diversos hábitos e tendências que surgem no núcleo eterno da consciência. Isso abre a possibilidade de trabalhar com essas emoções efêmeras e com as tendências que as geram. Se as emoções destrutivas fossem inerentes à mente, não haveria sentido na tentativa de libertar-se delas. Seria como lavar carvão, que jamais ficará branco. Reconhecer a possibilidade de libertar-se é o primeiro passo no caminho da transformação interior. Podemos afastar as nuvens e descobrir que, atrás dela, o sol sempre esteve presente e que o céu sempre esteve limpo. Para investigar se essas emoções destrutivas fazem parte da natureza fundamental da mente, precisamos examiná-las. Vejamos a raiva, por exemplo. O acesso forte de raiva parece irresistível, fortíssimo. Sentimo-nos quase incapazes de não ficar com raiva; é como se não tivéssemos escolha além de sentir raiva. Isso porque não examinamos bem a natureza da própria raiva. O que é raiva? Quando se olha de longe para uma grande nuvem de verão, ela parece tão imensa que se poderia sentar nela. Contudo, ao entrar nela, não há nada concreto, nada além de vapor e ventos. Ao mesmo tempo, ela obscurece o sol, portanto, ela surte efeito. O mesmo acontece com a raiva. Um dos métodos clássicos do budismo é lançar um olhar meditativo para a raiva e perguntar: “A arma é igual a um comandante de exército, como uma chama, como uma pedra pesada”? Será que ela anda armada? Está em algum lugar onde possamos encontra-la, no peito, no coração, na cabeça? Ela tem forma ou cor?” Naturalmente, ninguém espera encontrar alguém enfiando uma lança em seu estômago. Contudo, é assim que imaginamos a raiva, como algo muito forte e irresistível. Mas a experiência demonstrará que, quanto mais se olha para a raiva, mais e mais ela desaparece sob o próprio olhar, como a neve que se derrete sob o sol da manhã. Quando se olha de verdade para a raiva, ela perde a força. Também se descobre que a raiva não era o que havia pensado a princípio. É uma coleção de acontecimentos. Há, por exemplo, um aspecto de clareza, de brilho, que está no próprio cerne da raiva e não é malévolo. Na verdade, na própria fonte das emoções destrutivas há algo que ainda não é prejudicial. Assim— explicou Matthieu — as qualidades negativas das emoções não são nem mesmo intrínsecas às próprias emoções. É o apego associado às tendências da pessoa que leva a uma reação em cadeia na qual o pensamento inicial se transforma em raiva, ódio e malevolência. Se a própria raiva não é algo concreto, isso quer dizer que a raiva não é uma propriedade que pertença à natureza fundamental da mente.
UM ANTÍDOTO UNIVERSAL
— Isso nos leva a como lidar com as emoções negativas, não só pela observação, mas via transformação interior. Quando as emoções negativas sempre entram sorrateiramente na mente, transformam-se em humores e, por fim, em traços do temperamento. Por conseguinte, é preciso começar a trabalhar com as próprias emoções. Há vários modos de fazê-lo e em vários níveis — iniciante, intermediário e avançado. O primeiro modo, quando tentamos evitar as consequências negativas das emoções destrutivas que trazem infelicidade a si e aos outros, é o uso de antídotos. Existe um antídoto específico para cada emoções. Conforme eu disse antes, não podemos sentir ódio e amor simultaneamente pelo mesmo objeto. Assim, o amor é o uso de antídoto direto do ódio. Da mesma maneira, pode-se contemplar os aspectos desagradáveis de um objeto de desejo compulsivo, ou tentar fazer uma avaliação mais objetiva. Para a ignorância, ou falta de discernimento, tentamos apurar nosso entendimento do que é preciso fazer e do que é preciso evitar. No caso da inveja, podemos tentar nos alegrar com as qualidades alheias. Para o orgulho, tentamos admirar as realizações de outrem e abrir os olhos para nossos próprios defeitos a fim de cultivar a humildade. Esse processo implica ter tantos antídotos quanto emoções negativas. Portanto, o próximo passo — no nível intermediário — é descobrir se há algum antídoto que funcione para todos. Esse antídoto será encontrado na meditação, na investigação da natureza suprema de todas as emoções, negativas. Descobre-se que não consistência intrínseca, que exibem o que budismo chama de vazio. Não desaparecem no espaço de repente, mas não são tão concretas, quanto parecem. Fazê-lo permite a demolição da solidez aparente das emoções negativas. Esse antídoto — a percepção de sua natureza vazia — opera sobre todas as emoções, porque, embora as emoções se manifestem de diversas maneiras, são idênticas por não ter existência concreta. O último modo, que também é o mais arriscado, não consiste em neutralizar emoções ou encarar sua natureza nula, mas em transforma-las, utilizando-as como catalisadoras da libertação rápida de sua influência. É como se alguém que caísse no mar se amparasse na própria água para nadar e chegar á praia. Esses métodos às vezes são comparados com três modos possíveis de lidar com uma planta venenosa. Uma das opções é arrancar a planta pela raiz, retirá-la totalmente da terra. Isso corresponde ao uso de antídotos. A segunda opção é igual a derramar água fervente na planta. Corresponde a meditar sobre o vazio. A terceira opção é a do pavão, que se acredita ser capaz de se alimentar com substâncias venenosas. O pavão se aproxima e come a planta. Além de não se envenenar, numa situação em que outros animais poderiam morrer, suas penas se tornam ainda mais belas. Isso corresponde ao método de usar e transformar as emoções como meio de aprimorar o próprio exercício espiritual. Contudo, este último método é arriscado. Só funciona com os pavões— animais inferiores teriam problemas graves! Nos três casos, os resultados são idênticos, atinge-se um objetivo em comum: não somos mais escravos das emoções negativas, e progredimos rumo à liberdade. Não importa qual método é superior ao outros. Eles são semelhantes a uma chave. A finalidade da chave é abrir a porta. Não importa se ela é feita de ferro, prata ou ouro, contanto que abra a porta. Na prática, o método que funcionar melhor para a transformação interior de cada indivíduo é o mais apropriado e o precisa ser aplicado. Não nos esqueçamos, porém, de que últimos, por mais tentador que pareça, é como tentar tirar uma pedra preciosa de cima da cabeça de uma serpente. Se, quando tenta usar as emoções como catalisadoras, a pessoa não as transformar verdadeiramente, mas, pelo contrário, senti-las de maneiras normais, ficará mais escravizada que nunca!
ANTES, DURANTE OU DEPOIS?
Matthieu passou, então, a um tema correlacionado, o momento de intervir na emoção destrutiva. Lidar com essas emoções depois que surgem, no memento em surgem, ou antes, que surjam?
— A intervenção rápida— depois que surgem— é o método do iniciante, pois em geral só percebe os aspectos negativos ou destrutivos de algumas emoções depois que as sentiu. Usa, então, a razão para investigar suas consequências— percebendo, por exemplo, que uma forte explosão de ódio, que faz com que se perceba uma pessoa como totalmente maléfica, pode provocar muito mais sofrimento a outrem e, decerto, também não nos faz feliz. Dessa maneira, distinguimos as emoções que trazem felicidade das que provocam sofrimento. Ficará claro, então, que da próxima vez que tais emoções estiverem prestes a surgir, é melhor não lhes dar rédeas livres. Depois de alcançar certa experiência nesse método, o próximo estágio é lidar com as emoções no momento em que surgem. O fundamental é libertar as emoções no momento em que surgem na mente, para que não acionem uma cadeia de pensamentos que se proliferam e assumem na controle da mente, incitando, assim, à ação— prejudicar alguém, por exemplo. Para isso, encara-se o pensamento recém-nascido, da maneira que descrevemos antes, indagando se tem forma, local, cor etc., para descobrir que sua verdadeira natureza é o vazio. Se nos tornarmos experientes nesse método, os pensamentos e as emoções vêm sem dar à luz uma multidão de pensamentos correlatos, assim como o pássaro que passa voando no céu não deixa vestígios, ou como um desenho feito na água— que desaparece imediatamente. Isso é algo que requer longa prática, é claro, mas, com o treinamento, decerto pode tornar-se uma reação perfeitamente natural. A palavra tibetana que significa meditação conota, na verdade, familiarização. A prática, essa maneira de ver os pensamentos irem e virem gera a familiarização. A pessoa se acostuma. Depois, quando se está bem experiente, vem o último passo: mesmo antes do surgimento da emoção, já se está pronto de tal maneira que ela não surge com a mesma força, com o mesmo poder irresistível e escravizaste. Esse passo está ligado a uma percepção, um estado de transformação alcançado, no qual as emoções destrutivas surgem sem ter a mesma força. Para dar um exemplo bem trivial: quem está com a barriga cheia de gases tem dificuldade para reprimi-los continuamente — pode ser doloroso. Mas não é educado deixa-los sair à vontade. Nem a repressão nem a liberdade são boas soluções. Portanto, o melhor é curar o problema para que não seja preciso nem peidar nem sofrer! As emoções são mais ou menos assim. Chega-se a um ponto, com a experiência, em que o amor afetuoso inunda a mente dos praticantes. Passa a fazer parte de sua natureza, o ódio é expulso do fluxo mental e não há como prejudicar alguém voluntariamente. O ódio não surge mais, e não há nada a reprimir. Isso marca a validação do método espiritual.
REALIZAÇÃO PROFUNDA
—Talvez se pense que, ao livrar-se de todas as emoções, a pessoa se torna apática e indiferente. Mas isso é completamente falso. Quando a mente está livre, é lúcida e clara. O sábio que está totalmente em paz e livre das emoções perturbadoras têm muito mais sensibilidade e consideração pela felicidade e com o sofrimento do próximo, ao passo que a pessoa preocupada e confusa é inconsciente, da mesma maneira que a pessoa que a pessoa que não sente um fio de cabelo na palma da mão. O sábio, pelo contrário, totalmente em paz e livre dessas emoções perturbadoras, tem percepção nítida do sofrimento alheio e da lei de causa e efeito; sente-os de maneira tão intensa, como se o fio de cabelo estivesse dentro do olho. Tem uma noção muito mais requintada de juízo e uma compaixão mais ampla. Podem dizer que, quando não expressamos as emoções, isso leva a estados mentais insalubres. Mas é possível expressar as emoções de diversas maneiras. Por exemplo, pode-se expressar a ira, não deixando-a explodir em fúria e insultos; porém, enfrentando-a com a própria inteligência. Não é preciso reprimir as emoções. Podemos canalizá-las para um diálogo com a inteligência, utilizá-las para entender a natureza da mente, observar como diminuem por conta própria sem gerar mais sementes para seu futuro despertar. Assim, evita-se no momento as consequências prejudiciais do ódio e, no longo prazo, ele não terá motivo para reaparecer de maneiras tão violentas. A última questão é saber se é possível livrar-se totalmente das emoções negativas. A resposta tem relação com a sabedoria e a liberdade. Quem acha que as emoções destrutivas restringem nossa liberdade interior e obstruem nosso juízo, quando nos libertarmos mais delas, já não terão a mesma força. Teremos mais liberdade e felicidade. Devemos distinguir prazer de felicidade. Aqui, entende-se felicidade como algo que expressa uma profunda sensação de realização, acompanhada por uma sensação de paz e uma multidão de qualidades positivas como o altruísmo. O prazer depende do lugar, das circunstâncias e do objeto de seu gozo. Pode-se ter prazer em certos momentos e não tê-lo em outros. E isso acaba mudando. Algo agradável a certa altura pode logo dar origem à indiferença, depois ao desprazer e ao sofrimento. O prazer ser esgota no desfrute, assim como a vela que se consome e desaparece. A sensação profunda de realização, pelo contrário, não depende do tempo, do local o de objetos. É um estado mental que cresce quanto mais é experimentado. È diferente do prazer em quase todos os aspectos. O que procuramos ao nos desvencilharmos da influência das emoções destrutivas é o tipo de estabilidade interior, clareza e realização a que nos referimos aqui como felicidade.
BONDADE ORIGINAL, E NÃO PECADO ORIGINAL
Mathieu concluiu:
— Em um de seus artigos, Owen mencionou um filósofo segundo o qual durante toda a história da humanidade talvez não tenha existido ninguém que tenha sido verdadeiramente feliz e bom. O budismo oferece outra perspectiva. A palavra tibetana que designa o estado búdico tem duas sílabas: sang, que se refere a quem conseguiu desenvolver todas as excelências possíveis, como a luz que substitui as travas. Esse estado búdico é a bondade suprema, a verdadeira realização da bondade no núcleo fundamental da consciência. Já que o potencial para a realização do estado búdico está presente em todos os seres sencientes, o método budista está, portanto, mais próximo da idéia de bondade original do que de idéia de pecado original. Essa bondade primordial, a natureza búdica, é a natureza suprema da mente. Diz-se que estado de percepção está destituído de emoções negativas e, consequentemente, de sofrimento. Essa percepção é impossível? Em resposta a isso, é preciso confiar nos testemunhos do Buda e de outros seres iluminados. Conforme eu disse antes, a possibilidade de iluminação se fundamenta na idéia de que as emoções obscurecedoras não são inerentes à natureza fundamental da mente. Embora seja possível deixar uma barra de ouro enterrada na lama durante séculos, ela jamais muda em si. Só é preciso retirar camadas que cobrem o ouro para revela-lo como é e sempre foi. Alcançar o estado búdico é, portanto, um processo de purificação, da acumulação gradual de qualidades positivas e sabedoria. Por fim, chega-se a estado de consciência total no qual as emoções destrutivas e obscurecedora não têm mais motivo para surgir. Pode-se perguntar como um ser iluminado consegue viver sem emoções. Parece que é pergunta errada, já que as emoções destrutivas são o que impede que se vejam as coisas como são e, portanto, de viver apropriadamente. As emoções obscurecedoras interferem na averiguação correta da natureza da realidade e da natureza da mente. Quando se vêem as coisas como são, fica mais fácil livra-se das emoções negativas e gerar emoções positivas, que se fundamentam na razão sadia— inclusive uma compaixão muito mais espontânea e natural. Tudo precisa fundamentar-se na experiência direta. Caso contrário, seria como construir um belo castelo na superfície congelada de um lago; está fadado a afundar quando o gelo se derreter. Conforme disse o Buda: “Eu vos mostrei o caminho. Cabe a vós percorrê-lo.” Não é nada que se consiga com facilidade. A experiência requer perseverança, diligência e esforço constante. Conforme disse o grande eremita tibetano Milarepa: “No inicio, nada vem; no meio, nada fica; no fim, nada vai.” Portanto, demora. Mas o incentivo é que, quando se progride até o máximo da capacidade, é possível verificar que funciona.
Quando Matthieu terminou, o Dalai Lama inclinou a cabeça na direção dele, em agradecimento, e disse com um sorriso:
— Além do título de gelong — isto é, monge — Matthieu também devia ter o título de geshe — o equivalente ao Ph. D. nos estudos espirituais tibetanos.”
Como lidar com emoções destrutivas?
Este livro documenta a colaboração entre o Dalai Lama e um grupo de cientistas para compreender e combater as emoções destrutivas. A intenção não era encarar como os impulsos se traduzem em atividade em massa, nem como as injustiças? Ou sua percepção? Geram ideologias que provocam ódio. Em vez disso, o trabalho se realizou num nível mais fundamental, explorando como as emoções destrutivas devoram o coração e a alma humana e o que era possível fazer para combater esse traço perigoso da natureza coletiva.
Esta reunião explorou uma série de questões urgentes sobre essa perene aflição humana, as emoções destrutivas. Serão elas uma parcela fundamental, imutável, do legado humano? O que torna tão potentes esses impulsos, que levam pessoas racionais a cometer atos que mais tarde deploram? Qual é o lugar dessas emoções na evolução da nossa espécie ? serão essenciais para a sobrevivência humana? Quais influências podem existir para amenizar sua ameaça a nossa felicidade e estabilidade individuais? Quanta plasticidade há no cérebro, e como desviar para uma direção mais positiva os próprios sistemas neurais que abrigam os impulsos destrutivos? E, mais importante, como superá-las? Todas essas perguntas foram discutidas nos cinco dias da reunião.
Participantes: Tenzin Gyatso, the 14th Dalai Lama; Richard Davidson; Paul Ekman; Owen Flanagan; Mark Greenberg; Thupten Jinpa; Matthieu Ricard; Jeanne L Tsai; Francisco J. Varela; B. Allan Wallace
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