SEM AR: VOCÊ JÁ SE SENTIU ASSIM?

Mais cedo ou mais tarde, seja por pânico ou em nossa hora final, cada um de nós nos encontraremos sem ar. Um neuropsicólogo dá três dicas para quando a consciência da respiração tornar-se difícil ou mesmo impossível.

Muitos meditadores aprendem primeiro a se concentrar na respiração, seguindo-a atentamente na forma descrita no Satipatthana Sutta; contando respirações de uma maneira frequentemente ensinada nos centros Zen;  ou usando um dos muitos métodos de pranayama da ioga. Nenhum deles funciona muito bem quando a respiração está comprometida.

Recentemente, eu me recuperei de uma crise de coqueluche (“tosse comprida”) – o que os chineses chamam de ”tosse de cem dias.” Durante três meses, minha meditação foi marcada por um peito pesado e brônquios comprimidos. Respirações profundas resultavam em acessos de tosse.

Recordando sobre essa e outras ocasiões em que tive problemas respiratórios, fico pensando em como, no final da minha vida, eu poderia ser acometido por pneumonia, que é, muitas vezes, a causa da morte em idosos. Pneumonia ou não, muitos enfrentam a morte, literalmente, tentando recuperar o fôlego, e esses últimos momentos de nossas vidas são importantes: você não precisa acreditar em bardo ou reencarnação para saber que a forma como você encara a sua morte é significativa para você e para as pessoas ao seu redor. A questão é: eventualmente, mesmo que seja apenas em nossa hora final, cada um de nós nos encontraremos sem fôlego. Seria péssimo se, tendo contado com sua respiração como base para a meditação, você se sentisse abandonado por sua prática em seus últimos momentos, o encontro derradeiro com o Grande questão.

A falta de ar pode interferir em qualquer tipo de meditação, incluindo as que envolvem a imagem mental, técnicas de mente-consciência, ou koans. Mesmo uma pequena diminuição do oxigênio no cérebro pode fazer com que a atenção e a concentração fiquem confusas. Por esta razão, é importante ter uma noção de como praticar quando a respiração passar a sensação de sufocamento e tensão, ao invés de abertura e de calma.

Então, aqui estão algumas sugestões para quando você ficar sem fôlego. Elas também podem ser valiosas para meditadores iniciantes que se sentem desanimados porque acham a consciência da respiração difícil, ou para qualquer um que tenha experimentado uma sensação persistente de preocupação, ansiedade, dúvida, ou insegurança sobre respirar “corretamente” na meditação.

SE PERCEBA ENTRANDO EM PÂNICO. Quando temos dificuldade para respirar, é fácil entrar em pânico. Fisiologicamente, quanto mais entramos em pânico, mais as nossas vias aéreas se contraem, levando a um círculo vicioso. Pelo fato de a respiração ser tão intimamente ligada tanto ao sistema nervoso involuntário quanto voluntário, os nossos esforços conscientes para respirar podem interferir com a sua função autônoma natural. (Aliás, por causa disso, eu descobri que pessoas com dificuldades respiratórias, muitas vezes se saem melhor com formas de Qi Gong ou outras práticas de movimentos que não envolvam a manipulação consciente da respiração).

Pacientes que sofrem de ataques de pânico, geralmente se queixam de falta de ar acompanhada de pensamentos de que irão morrer de ataque cardíaco ou desmaiar. É bom estar atento de que esses pensamentos são apenas pensamentos. A realidade é que, se as funções cardíacas estão saudáveis​​, a falta de ar não é um prenúncio de uma parada cardíaca, e mesmo que você desmaie, a respiração irá continuar.

 

AMPLIE SEU CAMPO DE CONSCIÊNCIA. Quando eu trabalhava com pacientes que chegavam à sala de emergência com ataques de pânico, muitas vezes temendo morrer, eu achava que a intervenção mais útil seria direcioná-los para a consciência da sensação dos seus pés no chão. Isto não só desloca a atenção para longe das áreas de perigo para outras sensações físicas, como também tem o efeito literal de “aterramento.” Ter consciência da sola do pé é especialmente útil, abrindo-se para receber a compaixão da terra, que suporta tudo e todos, sem discriminação.

Se você está seriamente doente, é improvável que você esteja de pé, de modo que o foco nos pés pode não ser possível. Neste caso, volte à atenção para qualquer parte do corpo que esteja saudável. Ao sentar-se, traga a consciência para os ossos que apoiam a pelve. Tocar o que estiver abaixo de você pode trazer uma sensação de solidez.

USE O SOFRIMENTO PARA REALIZAR O INSIGHT DA IMPERMANÊNCIA E DA VIDA E DA MORTE. Isto, naturalmente, é um princípio básico da meditação budista. Isto pode ser particularmente útil quando a dificuldade de respirar atua como um lembrete de nossa mortalidade. Todos nós sabemos que vamos morrer, mas esse conhecimento existe, principalmente, como uma ideia abstrata.

A dificuldade de respirar pode nos levar a perceber a morte e acabar com a nossa negação. Assustados, nos agarramos instintivamente à nossa tão preciosa vida. No entanto, o budismo (como muitas outras religiões), insiste que devemos enfrentar este assunto importante. Um profundo despertar espiritual é assim chamado, portanto, de “morrer a Grande Morte”.

Trazer à tona o pensamento “um dia, minha respiração irá cessar” pode nos ajudar a enfrentar a inevitabilidade de nossa morte. Uma maneira tradicional de fazer isso era a prática da meditação em cemitérios, mas isto é um pouco difícil de encontrar nas sociedades modernas. Quando temos dificuldades de respirar, isso traz o campo mortuário para o corpo. Esta pode ser uma prática excelente, mas se a morte ainda for um assunto assustador para você, a ansiedade resultante pode piorar, temporariamente, seus problemas respiratórios.

ENCONTRE O FUNDAMENTAL. Quando não podemos respirar, nos sentimos doentes de uma maneira fundamental que é difícil de tolerar. Mas a prática budista envolve encontrar a libertação precisamente confrontando a doença e o sofrimento. Há um koan zen:

Saúde e doença absorvem um o outro.

O mundo inteiro é medicina.

Qual é o seu eu original?

 

No zen, às vezes pedimos às pessoas para nos mostrar a sua face original antes de nascer, a sua verdadeira face por toda a vida e depois da morte. Não condicionado, isso nem vem e nem vai. O Sutra do coração nos lembra: no vazio não há nascimento, nem morte, nem sofrimento, nem origem, nenhum caminho. Mas como isso nos ajuda quando sentimos que não podemos respirar, quando a dor é tão intensa que as lágrimas escorrem pelo nosso rosto, quando estamos vomitando com uma intoxicação alimentar tão grave que sentimos que seria melhor morrer do que continuar sofrendo?

Quando meditamos, nós cuidamos do Ser Original. Porém, é fácil cometer o erro de pensar que este ser é saudável, e esperar que ele cuide de nós. Enxergar o Ser Original desconectado do ser que está se sufocando e morrendo é a fonte de todo o sofrimento. É a separação que nos sufoca, não a doença – e nem mesmo a morte.

Quando você não consegue respirar, um forte senso de “eu” surge e, com isso, uma sensação de que algo está diferente do que “deveria” ser. Muitas vezes, isso dá a sensação de que este Ser Original deve fazer com que “eu” me sinta bem.

Às vezes, porém, não há nada que possa ser feito. Mais frequentemente do que se pensa, não há nada que possamos fazer além de chegar a um acordo com a nossa experiência não como queremos que ela seja, mas como ela é. Como Dogen ensina na Genjokoan, se tentamos nos agarrar a alguma coisa – mesmo a respiração – as flores caem e nos engasgamos com os nossos esforços; se somos contrários às dificuldades – mesmo as dificuldades de respirar – as ervas daninhas brotam e os pulmões da nossa mente se contraem.

Podemos encontrar inspiração em meio ao turbilhão falta de ar, se não nos agarrarmos ao oxigênio. Quando não temos aversão ao ter falta de ar, podemos encontrar a libertação em como expiramos e soltamos. Podemos respirar aliviados mesmo quando não conseguimos recuperar o fôlego, porque a quietude é inapreensível, sempre fluindo sem começo nem fim.

Enquanto vivemos, somos capazes de viver. Quando for a hora de morrer, somos capazes de morrer. Esta é a ordem natural das coisas, e na medida em que nos alinhamos com isso, experimentamos a paz, mesmo no meio do sofrimento.

Eis aqui uma história real. Há alguns anos, um homem me contou como o meu professor, Sojun Mel Weitsman, havia salvado a sua vida. Ele tinha se encontrado com Sojun apenas uma vez, em uma instrução de meditação ensinada como parte de um curso universitário. Cinco anos mais tarde, ele estava surfando em uma baía quando uma ressaca forte o puxou, juntamente com todos os outros banhistas e barcos, em direção ao mar. Ele olhou para trás e viu um maremoto. Ele foi atingido e empurrado em direção ao fundo do mar, caindo mais e mais até não saber em que lado estava.

Depois de um tempo, ele sentiu que tinha que tomar um fôlego, mas sabia que se o fizesse, ele iria respirar na água e se afogar. Naquele momento, lembrou-se das palavras de Sojun: abra-se, aceite e deixe ir, desapegue. Aceitar se ele estava vivo ou morto seria determinante nos próximos momentos e simplesmente não cabia a ele. Ele relaxou um pouco, e a sensação de necessidade de respirar recuou quando ele sentiu as correntes de água. Como ele relaxou, sua flutuação natural levou-o para a superfície. Ele respirou fundo, e viu que a onda o trouxera perto o suficiente da costa para que ele pudesse nadar.

Ele olhou em volta. Todos haviam se afogado.

Meikyo Robert Rosenbaum é professor residente na Comunidade Zen de Meadowmont, no sopé das serras. Tendo se formado primeiramente como neuropsicólogo e psicoterapeuta, ele agora dedica tempo integral ao Zen e Dayan Qi Gong.

Artigo traduzido da revista Trycicle 

QUER RECEBER ENSINAMENTOS, ARTIGOS, VÍDEOS E TÉCNICAS DE MEDITAÇÃO POR E-MAIL? CLIQUE AQUI E CADASTRE-SE!

Comentarios:

comments