Na era da interação total, afastar-se para refletir é difícil, mas necessário, dizem especialistas
Desligue o seu celular. Feche o livro. Livre-se da televisão. Evite o contato com qualquer pessoa. Tudo por apenas 15 minutos. É um tempo curto, mas, para muitos, esse momento de solidão dura uma eternidade, como se fosse contra a própria natureza. Mesmo quando estamos a portas fechadas, a ansiedade parece nos acompanhar. Relaxar é uma missão olímpica. Sozinhos, estamos nos sentindo mal acompanhados.
Uma amostra de como não entendemos — e evitamos — a solidão veio este mês de um estudo publicado na revista científica “Science”. Pesquisadores da Universidade de Virginia (EUA) fizeram um experimento para entender como 18 homens e 24 mulheres se comportariam sozinhos, trancados em uma sala por 15 minutos, sem ter o que fazer. A todos foram dadas duas opções: passar esse tempo pensando ou infligindo-se choques elétricos. Doze deles e quatro delas, entendiados, preferiram as descargas. Um dos voluntários chegou a recorrer ao castigo 190 vezes durante os 15 minutos.
— É impressionante como estar sozinho com nossos pensamentos, e por apenas 15 minutos, parece uma ideia tão infeliz para muitas pessoas — espanta-se Timothy Wilton, líder do estudo.
Cientistas asseguram que estar só por alguns momentos aumenta nossa paciência e estimula a criatividade.
— Nós nos desacostumamos com a conotação positiva da solidão — destaca Márcio Alves da Fonseca, professor do Departamento de Filosofia da PUC-SP. — Não se trata de um total isolamento social. É apenas um tempo de introspecção, em que uma pessoa precisa refletir sobre suas questões e tirar delas algum tipo de experiência.
Sobrecarga de compromissos
Uma forma de passar longe do refúgio solitário é preencher a agenda com compromissos inadiáveis — ou com uma interação descontrolada nas redes sociais, por exemplo. Tarefa fácil.
— A resistência a estar sozinho é relacionada à exigência de preenchermos todo o nosso tempo — conta Fonseca. — Precisamos atender a uma avalanche de solicitações. Estamos desaprendendo a nos recolher. Achamos que é uma perda de tempo ou algo ainda pior, algo que provoca insegurança. O choque elétrico da experiência americana representa nossa sensação de desamparo.
A bióloga Rafaella Garbin começou a praticar meditação quando concluía a universidade. Ela costuma se isolar do mundo por até uma hora por dia.
— É comum pensar na solidão como algo negativo porque ela revelaria a culpa e os erros que cometemos no passado e a ansiedade com o futuro — acredita. — Temos muito dificuldade em nos perdoar e lidar com nossos problemas.
A psicanalista Maise Resnick também avalia que evitamos o isolamento social por medo de encontrarmos nossos erros. Em vez de encará-los, buscamos algum escape, acreditando que as respostas de cada problema vão surgir na esquina.
— As pessoas adotam soluções superficiais porque acreditam que a vida logo vai melhorar — destaca. — Fazem uma viagem, por exemplo, achando que tudo estará resolvido quando voltarem. Usam medicamentos antidepressivos, em vez de recorrer a uma terapia.
O “remédio” do mestre de capoeira José Tadeu Carneiro — mais conhecido como Mestre Camisa — é um sítio em Cachoeiras de Macacu, no interior fluminense. Vinte anos atrás, ele deixou o Rio e diminuiu seu ritmo de viagens para cavalgar, pescar e receber seus alunos. Sobra tempo para pensar sobre si.
— Uma pessoa perde controle da vida se não souber refletir — ressalta. — Por isso tantas pessoas trabalham no que não gostam, convivem com coisas que não querem. Ficar só é uma necessidade. É bom ficar só quando você procura tranquilidade e paz de espírito. Para mim, estes são os momentos mais produtivos.
De acordo com Professor de Teoria Psicanalítica da UFRJ e da Uerj Joel Birman, a solidão, de fato, “contribui para o gênio artístico”. Mas essa vantagem costuma ser ignorada, já que a angústia e o medo do recolhimento falam mais alto.
— O problema é que as pessoas precisam ter sempre a certeza de que são amadas. É como se estivéssemos ligados na tomada — compara Birman. — Buscamos respostas constantes, e um desses meios são as redes sociais.
Sites como o Facebook provocam polêmica entre os cientistas. São distrações que evitam a reflexão solitária — e necessária —, mas estreitam relacionamentos que, na correria do dia a dia, poderiam desaparecer. O consenso é que ninguém deve ficar refém da vida virtual.
— É uma forma de interação que, se for compulsiva, substitui a verdadeira convivência — alerta Fonseca. — Não dá para ter 600 amigos, como acontece no Facebook. Amizade significa conviver, ter cumplicidade e tempo de escutar. É isso que afasta a solidão e o desamparo. Mas interagir com centenas de pessoas ao mesmo tempo não acaba com a sensação de solidão. É um preenchimento ilusório da vida.
E o que se aprende observando a mente?
Henrique Lemes tem algo a dizer, assista: