Via Lions Roar | Traduzido por Lucas Almeida
Dominique Butet e Olivier Adam ficam de frente com a monja tibetana Tenzin Palmo, que está mudando o papel da mulher em tradições budistas tibetanas.
Alguns dias depois do Losar, o Ano Novo Tibetano, a primavera pareceu despontar na planície de Kangra, situada no norte da Índia na província de Himachal Pradesh. Buganvílias e magnólias estavam em pleno florescimento, dando vida ao dominante verde da região. O clima já estava quente quando nosso táxi chegou à frente dos portões abertos de Dongyu Gatsal Ling, uma comunidade de 90 monjas budistas fundada por Tenzin Palmo aproximadamente 15 anos atrás.
De imediato começamos a imaginar o que teria feito Diane Perry, uma jovem inglesa que cresceu em Londres, a deixar tudo para trás e ir para Índia, raspando seus cachos castanhos para se tornar a segunda monja ocidental na história do budismo tibetano. Agora conhecida como Tenzin Palmo, ela passa dos 70 anos e o que ela realizou se tornou uma fonte viva de inspiração.
Nós chegamos à porta do monastério. Ela nos cumprimentou com um grande sorriso e um firme, generoso aperto de mão. Ela modestamente concordou em conversar conosco.
A jovem Diane nasceu em 1943 e era uma criança solitária. Ela era fascinada pela Ásia de forma incomum. “Eu passava horas desenhando mulheres japonesas em quimonos”, ela recorda, e quando o primeiro restaurante asiático abriu em Londres ela quis visitá-lo, assim ela poderia “ver rostos asiáticos” finalmente. Durante a adolescência, temas como sofrimento, envelhecimento e morte a assustavam. Ela relembra aos 13 anos de idade assistir um ônibus passar à sua frente e observar as pessoas conversando e rindo dentro dele. A reação dela foi bastante surpreendente: “Elas não se dão conta, elas não sabem o que vai acontecer a elas?”.
“Ler meu primeiro livro sobre budismo aos 18 anos foi o que mudou minha vida completamente”, ela diz. Quando ela ainda estava na metade dele, ela anunciou “Sou budista”, no que sua mãe respondeu “Primeiro termina o livro e depois falamos sobre isso!”. Mas Diane encontrou seu caminho espiritual e o seguiria com toda sua força.
O encontro dela com Chögyam Trungpa em Londres a guiou em direção ao budismo tibetano e na busca pelo seu próprio mestre. Em fevereiro de 1964, ela embarcou em um navio cargueiro para uma jornada de duas semanas que a levou a Bombaim e então foi para o norte da Índia, onde ela encontrou uma vaga como professora de inglês em uma escola para jovens lamas. Bem nesse momento, a diretora da escola recebeu uma carta do oitavo Khamtrul Rinpoche, recentemente exilado para a Índia vindo do Tibet. “Apenas lendo seu nome,” Palmo recorda, “Eu sabia que ele seria o meu mestre”.
Quando ele chegou na escola algumas semanas depois, ela se apressou para cumprimentá-lo, sem se atrever a olhar pra ele diretamente. Ela sussurrou para a diretora “Apenas diga a ele que quero tomar refúgio com ele”. “Claro,” ele respondeu. “Eu soube imediatamente”, ela diz, “que ele seria meu mestre. E ele soube imediatamente que eu seria sua discípula”. O oitavo Khamtrul ordenou a jovem Diane como monja e deu a ela o nome de Tenzin Palmo.
Ela foi junto com ele ao monastério Tashi Jong em Himachal Pradesh, onde ela descobriu a existência do Togden, “seres que realizaram a natureza da mente e são aptos a controla-la, depois de retiros de mais de 15 anos”. Com cabelos com dreadlocks e vestindo um robe branco herdado de Milarepa, diz-se que esses yogis tem capacidades espirituais incomuns. A jovem monja aprendeu que enquanto no Tibet, o seu guru viveu entre as Togdenma (o feminino de Togden), embora elas não tenham sobrevivido à Revolução Cultural Chinesa.
“Então eu disse ao meu mestre que eu queria me tornar uma Togdenma. Ele ficou tão feliz! Ele disse que estaria rezando para que eu reestabelecesse essa ordem. Contudo, quando os monges ouviram sobre o projeto, eles disseram ‘uma mulher não viverá entre os Togden’. E então, eu tive que renunciar”. Ela era a única mulher no meio de mais ou menos uma centena de monges. “Eu fiz meu voto de renascer na forma feminina até eu atingir a iluminação”.
Tenzin Palmo tinha apenas 26 anos quando o Khamtrul a encorajou a entrar em retiro e a enviou para Lahaul, perto de Keylong. “Esse retiro foi uma vocação pra mim, foi o que eu fui chamada a fazer na minha vida”, ela recorda. A caverna que ela escolheu para o seu propósito era situada em uma altitude de 4300 metros, de difícil acesso. Ela passaria 12 anos lá.
Num inverno, depois de 7 dias de contínua nevasca, Tenzin Palmo descobriu que a altura da neve havia encoberto a entrada da caverna e ela havia ficado aprisionada. Inicialmente ela se preparou para ser enterrada viva, mas então ela ouviu uma voz interna a dizendo “Cave!”. Imediatamente ela pegou a tampa de uma panela e começou a cavar. Depois de muitos assustadores minutos, ela finalmente alcançou o ar do ambiente externo. Mas, quando ela voltou para a caverna, ela percebeu que o ar ambiente não estava contaminado, mas puro, “foi assim que eu conheci aquelas cavernas e o sopro de neve. E que eu não iria morrer.”
“Outra vantagem da caverna”, ela diz, é que ela sempre oferece o espaço necessário para a perfeita concentração. E para mim isso foi uma fonte de grande alegria. Eu não queria ter estado em nenhum outro lugar”. Ela teve alguma dificuldade? “Claro, certos dias eram maravilhosos e haviam outros de extremo incômodo quando eu desejava poder fazer alguma outra coisa além de sentar e meditar” Mas, esses altos e baixos são naturais. Se há chuva ou o brilho do sol não é importante. O tempo muda e continuamos meditando”. Foi mais difícil para uma mulher viver como uma eremita nas montanhas? “De jeito nenhum”, ela responde.
Em seguida perguntamos para Tenzin Palmo sobre ações que ela tenha liderado a favor das mulheres. O entusiasmo dela não podia deixar de ser notado.
O projeto Dongyu Gatsal Ling surgiu algum tempo após o fim do retiro. Tenzin Palmo respondeu a um pedido antigo do seu guru: “encontrar uma comunidade de jovens moças da região do Himalaia (por exemplo, Ladakh, Butão, Spiti, Nepal) que desejam se tornar monjas e estudar de acordo com as tradições da linhagem Drukpa Kagyu”. À medida que trabalho dela de reintroduzir a linhagem Togdenma começava a tomar forma, ela elogiou o comprometimento das monjas que não apenas estudam seriamente a filosofia budista tibetana e os textos fundamentais da tradição, mas também praticam os rituais com muita dedicação. No final de seus programas de estudo, elas podem decidir fazer um longo retiro.
Ao longo da história tibetana”, ela destaca, “houve grandes mulheres meditadoras – yoginis – mas pouco foi escrito sobre elas, então elas não são muito conhecidas”. Mas a maré está virando. “Depois de serem completamente negligenciadas, ignoradas e subestimadas pela sociedade tibetana, as monjas estão agora tornando-se mais populares. As pessoas estão finalmente conscientes de que elas existem e as apoiando de fato. E logo haverá as geshema! [O título de geshe é o equivalente monástico de um doutorado para os estudos budistas, e até recentemente era garantido apenas aos homens]. A partir de agora, não há nada que você não possa realizar como uma mulher”.
Após uma pausa, a testa dela imediatamente se escurece. “Aquelas que não foram beneficiadas são as monjas que não são do Himalaia. Não apenas as monjas ocidentais mas também as de locais como Taiwan ou Vietnã e outros que ingressaram no movimento tibetano. Elas não recebem nenhum apoio financeiro ou moral de ninguém. Em muitos casos, elas se dedicam a fazer funcionar os centros budistas ocidentais e tem que pagar aluguel e conta de luz, sem nenhum ganho salarial. Foi por isso que me propus a criar a Aliança de Monjas Não-Himalaias, assim elas podem permanecer em contato e não ficam mais isoladas. Mas a primeira coisa a fazer é espalhar a mensagem que elas existem para as pessoas estarem conscientes disso. Foi o mesmo que aconteceu quando comecei a falar sobre as monjas do Himalaia 20 anos atrás. Primeiro as pessoas disseram ‘Oh! Existem monjas? Nunca havia percebido…’ E então, elas perguntavam: ‘O que posso fazer para ajudá-las?’. Foi quando consegui arrecadar dinheiro para construir esse monastério. Agora a hora de cuidar das monjas que não são do Himalaia chegou.”
De fato, em junho de 2015, ela participou da Conferência Sakyadhita, uma reunião internacional de mulheres budistas criadas em 1987 na qual ela tem sido dirigente desde 2013. A representatividade dela tem sido acerca das monjas que não são do Himalaia.
Em 2008, quando Gyalwang Drukpa sugeriu premiá-la com o título de Jetsunma em reconhecimento do seu crescimento espiritual e trabalho com as mulheres, a primeira reação de Tenzin Palmo foi recusar essa distinção. “Mas”, ela diz, “Eu recebi tantos e-mails dizendo quão fantástico isso foi e como isso destacou o status das mulheres que eu percebi que esse título não tinha nada a ver comigo mas sim com as mulheres em geral. E por isso, posso apenas agradecer”. Então ela aproveitou a conversa com Gyalwang Drukpa sobre os nomes usualmente dados às monjas, como Ani (tia) ou Chomo (mulher da casa). Depois ela sugeriu “Tsunma” – uma referência a algo nobre, delicado, puro. As monjas aprovaram a ideia e começaram a usar o termo com as outras. “Quando Karmapa veio visitar o Dongyu Gatsal Ling em 2014, eu percebi que ele usou esse termo também. Foi fantástico. O som da palavra imediatamente dá uma impressão positiva na mente tibetana e você sabe o quanto somos influenciados pela linguagem”.
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