“Somos todos como atores em uma peça de teatro que se confundiram com suas personagens; por isso, vemos uns aos outros como amigos ou inimigos. Uma vez que compreendamos isso, é irrelevante se as pessoas são conhecidas ou desconhecidas, feias ou bonitas, amáveis ou não.
Em vez de classificar as pessoas, podemos aprender a superar os limites da nossa compaixão e a tratar todos os seres com a mesma bondade, com paciência e compaixão, ao invés de raiva ou apego.”
Chagdud Tulku Rinpoche
O perdão é uma parte essencial de uma atitude compassiva, mas é uma virtude facilmente mal compreendida. Para começar, perdoar não é o mesmo que esquecer. Afinal, se alguém esquecer um mal que foi cometido, não sobra nada para perdoar! Em vez disso, o que estou sugerindo é que encontremos uma maneira de lidar com os atos errados para termos paz mental e, ao mesmo tempo, evitar que caiamos nos impulsos destrutivos como o desejo de vingança.
[…] parte do que é requerido é uma aceitação de que o que está feito está feito. Tanto no nível individual quanto da sociedade como um todo, é importante reconhecer que o passado está além do nosso controle. O modo como reagimos aos atos errados passados, no entanto, não está.
Como já mencionei, é vital manter em mente a diferença entre o ator e o ato. As vezes isso pode ser difícil. Quando nós mesmos ou aqueles muito próximos de nós foram vítimas de crimes terríveis, pode ser difícil não sentir ódio pelos perpetradores desses crimes. Ainda assim, se pararmos para pensar sobre isso, compreendemos que diferenciar entre um ato terrível e seu perpetrador é na verdade algo que fazemos todo dia em relação a nossas próprias ações e nossas próprias transgressões.
Em momentos de raiva ou irritação, podemos ser rudes com pessoas amadas ou agressivos com os outros. Depois, podemos sentir remorso ou arrependimento, mas ao recordarmos de nossa explosão, não deixamos de diferenciar entre o que fizemos e o que somos. Nós naturalmente perdoamos a nós mesmos e talvez nos determinemos a não fazer a mesma coisa de novo.
Já que achamos tão fácil nos perdoar, certamente podemos estender a mesma cortesia aos outros! Obviamente, nem todos conseguem se perdoar, e isso pode ser um obstáculo. Para tais pessoas, pode ser importante praticar a compaixão e o perdão em relação a elas mesmas, como uma fundação para praticar a compaixão e o perdão para os outros.
“Beyond Religion”, loc. 842
Nós somos o outro
Não somos crianças inocentes vitimadas por um grande mundo malvado. Se nosso mundo é grande e mau, nós o fizemos dessa maneira. Isso é o que o Buda ensinou. O “outro” é um bicho-papão infantil, a projeção de nossos próprios medos em um objeto assustador de nossa imaginação, que nos aterroriza. Nossa ignorância é não ver que nós somos o outro. Não podemos nos permitir confundir inocência com essa ignorância.A violência não é um objeto permanente, imutável e fixo. É um estado da mente, uma expressão da ignorância. Não tem mais solidez que uma nuvem. Não podemos lançar um ataque frontal na violência. Mesmo proteger a nós mesmos disso abastece sua existência de bicho-papão. Mas o Buda ensinou que podemos mudar. O perdão é uma parte essencial de uma atitude compassiva, mas é uma virtude facilmente mal compreendida. Para começar, perdoar não é o mesmo que esquecer. Afinal, se alguém esquecer um mal que foi cometido, não sobra nada para perdoar! Em vez disso, o que estou sugerindo é que encontremos uma maneira de lidar com os atos errados para termos paz mental e, ao mesmo tempo, evitar que caiamos nos impulsos destrutivos como o desejo de vingança.[…] parte do que é requerido é uma aceitação de que o que está feito está feito. Tanto no nível individual quanto da sociedade como um todo, é importante reconhecer que o passado está além do nosso controle. O modo como reagimos aos atos errados passados, no entanto, não está.Helen Tworkov, em “Tricycle: The Buddhist Review, Vol. V”
Há um velho koan sobre um monge que foi até seu mestre e disse:
– Sou uma pessoa com muito raiva. Quero que você me ajude.
O mestre falou:
– Me mostre sua raiva.
O monge respondeu:
– Bem, no momento não estou nervoso. Não posso mostrá-la.
E o mestre:
– Então, obviamente, isso não é você, já que às vezes a raiva nem está aí.
Quem somos tem muitas faces, mas essas faces não são aquilo que somos.
A ignorância da raiva
Imagine-se andando com os braços carregados de compras do supermercado. Então, alguém grosseiramente colide, fazendo você e as compras caírem no chão. Assim que você se levanta da poça de ovos quebrados e massa de tomate, está pronto para gritar: “Imbecil! O que há de errado com você? Está cego?”.
Mas antes mesmo que possa tomar fôlego para falar, você vê que a pessoa realmente é cega. Ele, também, está esparramado na poça. Sua raiva some em um instante, para ser substituída por preocupação bondosa: “Você está machucado? Deixe eu te ajudar”.
Nossa situação é como essa. Quando claramente compreendemos que a fonte da desarmonia e dor no mundo é a ignorância, podemos abrir a porta da sabedoria e compaixão. Então, ficamos em uma posição adequada para curar a si mesmo e aos outros.
B. Alan Wallace, em “Tibetan Buddhism from the Ground Up”
Eu e outro
[…] não há a menor razão para afirmar que a noção de “eu” deve ser aplicada a mim e não a outro. “Eu” e “outro” não são nada mais que uma questão de conceitos rotulados. O meu “eu” é o “outro” para outra pessoa, e quem para mim é o “outro” é o “eu” de outra pessoa.
As noções de “aqui” e “lá” são meros pontos de vista, designados pela mente, um em dependência do outro. Não há algo como um “aqui” absoluto ou um “lá” absoluto. É apenas uma questão de atribuição. E, assim, sobre esse ponto crucial, o Dharma ensina que quando o “eu” é atribuído como sendo os outros — especificamente, seres sencientes — a atitude de aceitá-los e vê-los como nós mesmos vai surgir naturalmente.
É assim que Budas e Bodisatvas reivindicam os seres sencientes como sendo eles mesmos, do modo explicado acima. Então, mesmo a mais leve dor dos outros, para eles é como se todos os seus corpos estivessem em chamas. E eles não têm a menor hesitação nisso, como quando Buda afirmou ser o cisne que Devadatta derrubou com uma flecha.
Kunzang Pelden (Tibete, 1872-1943)
Projeções que nos distanciam da realidade
Se uma coisa fosse verdadeiramente bela e agradável, se essas qualidades de fato pertencessem a ela, nós a veríamos como desejável em todos os momentos e lugares. Mas existe algo neste mundo que seja considerado belo por todos? Como diz o verso budista: “Para aquele que ama, a bela mulher é objeto de desejo; para o eremita, é uma tentação; para o lobo, uma boa refeição”.
Da mesma forma, se um objeto fosse intrinsecamente repulsivo, todos teriam uma boa razão para evitá-lo. Mas tudo muda se reconhecermos que estamos apenas atribuindo essas qualidades às coisas e pessoas. Não há em um belo objeto nenhuma qualidade intrínseca que o torne benéfico para a mente, assim como também não há nada em um objeto feio que, por causa dessa qualidade, cause dano à mente.
Do mesmo modo, uma pessoa que hoje percebemos como inimiga com toda a certeza é, para outro, objeto de afeição, e poderemos um dia criar laços de amizade com esse mesmíssimo indivíduo. Reagimos como se as características fossem inseparáveis da pessoa e do objeto sobre os quais as depositamos.
Assim, distanciamo-nos da realidade e somos arrastados pelo mecanismo de atração e repulsão, mantido em constante movimento por nossas projeções mentais. Nossos conceitos congelam as coisas em entidades artificiais, fazendo-nos perder nossa liberdade interior, do mesmo modo que a água perde sua fluidez quando se torna gelo.
”Felicidade – A pratica do Bem Estar”
A Parábola da sogra
Há algum tempo ouvi a história de um homem e uma mulher que moravam na China […]. Eles haviam acabado de se casar e, quando a noiva se mudou para a casa do marido, ela imediatamente começou a brigar com a sogra por causa de pequenas questões caseiras. Aos poucos, as diferenças aumentaram, até que esposa e sogra não suportavam sequer olhar uma para a outra.
[…] Não havia nenhum motivo real para que a raiva tivesse crescido daquela forma. Mas, um dia, a esposa ficou tão furiosa com a sogra que decidiu que precisava tomar alguma providência para tirá-la do caminho. Então, foi ao médico e pediu um veneno para colocar na comida da sogra.
Ao ouvir as reclamações da jovem esposa, o médico concordou em vender o veneno. “Mas”, ele advertiu, “se eu lhe desse algo forte e com efeito imediato, todos apontariam o dedo para você e diriam: ‘Você envenenou sua sogra’ e eles também descobririam que você comprou o veneno de mim, o que não seria bom para nenhum de nós. Então, vou lhe dar um veneno mais suave que terá um efeito bem gradual, de forma que ela não morrerá imediatamente”.
Ele também a instruiu que, enquanto estivesse dando o remédio, deveria tratar a sogra muito, muito bem. “Sirva todas as refeições com um sorriso”, ele aconselhou. “Diga que você espera que ela goste da comida e pergunte se ela quer que você faça mais alguma coisa. Seja muito humilde e doce para que ninguém suspeite de você.”
Ela concordou e levou o veneno para casa. Na mesma noite, começou a colocar o veneno na comida da sogra e, muito educadamente, lhe ofereceu a refeição. Depois de alguns dias sendo tratada com tanto respeito, a sogra começou a mudar sua opinião sobre a esposa do filho. “Talvez ela não seja tão arrogante assim”, a velha mulher pensou. “Talvez eu tenha me enganado a respeito dela”. E, aos poucos, começou a tratar a nora com mais gentileza, elogiando as refeições e a forma como ela administrava o lar e até conversando e contando piadas.
À medida que a atitude e o comportamento da mulher mudavam, o da jovem também. Depois de alguns dias, ela começou a pensar: “Talvez minha sogra não seja tão ruim quanto imaginei. Na verdade, ela até parece ser uma pessoa muito boa.”
Isso continuou por cerca de um mês, até que as duas mulheres passaram a ser boas amigas. E começaram a se dar tão bem que, em um determinado momento, a moça parou de envenenar a comida da sogra. E, então, começou a se preocupar porque percebeu que já havia colocado tanto veneno em cada refeição que a sogra poderia morrer.
Assim, voltou ao médico e disse: “Cometi um erro. Na verdade, minha sogra é uma pessoa muito boa. Eu não deveria tê-la envenenado. Por favor, me ajude e me dê um antídoto para o veneno”.
O médico ficou em silêncio por um momento depois de ouvir a moça. “Sinto muito”, ele lhe disse. “Não tenho como ajudá-la. Não existe um antídoto”.
Ao ouvir aquilo, a moça ficou terrivelmente abalada e começou a chorar, jurando que se mataria.
“Por que você iria querer se matar?”, o médico perguntou.
A moça respondeu: “Porque envenenei uma boa pessoa e agora ela vai morrer. Eu deveria tirar minha própria vida para me punir pelo ato terrível que cometi”.
Mais uma vez, o médico ficou em silêncio por um momento e então começou a rir.
“Como você pode rir desta situação?”, a moça lhe perguntou, indignada.
“Porque você não precisa se preocupar com nada”, ele respondeu. “Não existe um antídoto para o veneno porque nunca lhe dei veneno algum. O que lhe dei foi uma erva inofensiva”.
Gosto dessa história porque é um exemplo simples de como uma transformação natural da experiência pode ocorrer com tanta facilidade. […] Como pessoas, elas não mudaram em nada. A única coisa que mudou foi sua perspectiva.
Yongey Mingyur Rinpoche
‘‘Alegria de Viver”
Expansão da consciência
As mãos e os outros membros do corpo são diversos e distintos,
Mas todos são um: o corpo, que precisa ser mantido e protegido.
Da mesma maneira, diferentes seres, em suas alegrias e tristezas,
São, como eu, todos um ao desejarem a felicidade.
O Caminho do Bodisatva 8 | 91 Shantideva (Índia, séc. VII)
A maneira de refletir sobre a equanimidade é a seguinte. Podemos distinguir as várias partes de nossos corpos: mãos, pés, cabeça, órgãos internos e tudo mais. Contudo, em um momento de perigo, protegemos todos eles, não querendo que nenhum se machuque, considerando que formam um único corpo. Pensamos: “isto é o meu corpo”, e nos apegamos e protegemos isso como um todo, encarando-o como uma única entidade.
Da mesma maneira, todo o conjunto de seres nos seis reinos — que em suas diferentes alegrias e tristezas são como nós ao desejarem a felicidade e não desejarem o sofrimento — deve ser identificado como uma única entidade: o nosso “eu”. Devemos protegê-la do sofrimento exatamente como agora protegemos a nós mesmos.
Suponha que perguntemos a alguém quantos corpos ele tem. “Do que você está falando?”, ele responderia, “não tenho nenhum outro corpo além deste!”.
“Bem”, continuamos, “há muitos corpos que você deva cuidar?”. “Não”, ele dirá, “cuido apenas deste meu corpo”.
Isso é o que ele diria, mas o fato é que — quando fala sobre seu corpo — ele está apenas aplicando um nome a um conjunto de itens diferentes. A palavra “corpo” não se refere de verdade a um único e indivisível todo. Em outras palavras, não há porquê usar o nome “corpo” neste conjunto de itens e ser inadequado usá-lo para outra coisa. A palavra está amarrada, sem uma justificativa absoluta, a algo que é apenas um conjunto de componentes.
É a mente que diz “meu corpo”, e é com base nessa ideia de uma entidade única que são possíveis as noções de “eu”, “meu” e todo o resto. Além disso, é bem infundado o argumento de que é razoável aplicar o nome “eu” a este conjunto e não outro.
Por isso, se ensina que o nome “eu” pode ser aplicado a todo o conjunto de seres que sofrem.
É possível para a mente pensar: “eles são eu mesmo”. Se, identificado-os assim, a mente se habituar com tal orientação, a ideia do “eu” abrangendo os outros seres sencientes irá de fato nascer. O resultado é que a pessoa passará a cuidar deles do mesmo modo como cuida de si.
Kunzang Pelden (Tibete, 1872-1943)
Ilusão do egoísmo
Já que eu e os outros seres somosAmbos iguais, ao desejarmos a felicidade,Qual é a diferença que nos distingue,Para que eu deva lutar apenas para o meu bem?Já que eu e os outros seres somosAmbos iguais, ao evitarmos o sofrimento,Qual é a diferença que nos distingue,Para que eu deva salvar apenas a mim e não os outros?O Caminho do Bodisatva , Shantideva (Índia, séc. VII)
Já que não há a menor diferença entre nós e os outros, por todos desejarmos a felicidade, que razão poderia haver para não trabalharmos pela felicidade dos outros? Não faz sentido a ideia de devermos trabalhar apenas para nós mesmos.
Do mesmo modo, não há a menor diferença entre nós e os outros, no sentido de que ninguém quer ter experiências de sofrimento. Então, que motivo há para falhar em proteger os outros do sofrimento? Não faz sentido o fato de lutarmos para proteger apenas a nós mesmos.
“The Nectar of Manjushri’s Speech”
[…] É mais importante meditar com mente amorosa em um único ser que tenha hostilidade e raiva de você do que meditar com amor em cem seres afeiçoados e simpáticos a você.
É mais importante lembrar por um momento que todas as coisas condicionadas são impermanentes, e não ficar mentalmente envolvido com as atividades desta vida, do que suportar dificuldades para obter os frutos mundanos.
É mais importante domar, mesmo que só um pouco, o espírito maligno da ego-fixação do que subjugar cem demônios lá fora.
É mais importante meditar um instante na natureza verdadeira, o não-eu, do que praticar virtude por cem anos fixado no ego.
É mais importante reconhecer por um momento a própria mortalidade do que perseguir estudo e erudição por cem anos desejando inteligência e fama.
É mais importante lembrar por um momento da dedicação aos seres sencientes e praticar virtude com humildade do que se engajar no Dharma e realizar ações corretas por cem anos desejando ser culto, reto e nobre para ganhar fama e vantagens.
Machig Labdron (Tibete, séc. XI)
“Nenhuma experiência dura muito. Mas a sustentamos com nossos conceitos e emoções; nos agarramos nela, revolvendo-a em nossa mente. Quando isso acontece, é preciso mudar a direção de nossos pensamentos.
Se percebemos que nos fixamos no fato de alguém nos ter feito mal, voltamos nossa mente para a compaixão, pensando: “Ele pode ter me ferido, mas, perdido na projeções de sua mente confusa e iludida, na verdade ele se prejudicou em vez de se beneficiar, contrariando seu próprio desejo de felicidade”.
––Chagdud Tulku Rinpoche
Se o passado de uma pessoa fosse o seu passado, se a dor dessa pessoa fosse a sua dor, se o nível de consciência dela fosse o seu, você pensaria e agiria exatamente como ela.
Ao compreender isso, fica mais fácil perdoar, desenvolver a compaixão e alcançar a paz.
O ego não gosta de ouvir isso, porque sem poder reagir e julgar ele se enfraquece.
QUER RECEBER ENSINAMENTOS BUDISTAS POR E-MAIL? CLIQUE AQUI E CADASTRE-SE!